Tragédia na Kiss expõe fragilidade na segurança pública SVG: calendario Publicada em 05/02/13 18h26m
SVG: atualizacao Atualizada em 05/02/13 18h29m
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Policial analisa criticamente situação de bombeiros e da BM

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Desde que ocorreu o incêndio na boate Kiss, na madrugada de 27 de janeiro, quando centenas de pessoas morreram (número atualizado nesta terça chega a 238), tem havido uma série de desculpas por parte dos órgãos fiscalizadores em relação ao fato de a casa noturna ter várias situações irregulares. Uma delas se refere às falhas no plano de prevenção contra incêndios, cuja elaboração é atribuição do Corpo de Bombeiros. Também se comenta que, no dia do sinistro, o efetivo dos bombeiros que atendeu ao chamado se resumiria a cinco pessoas, quantidade insuficiente para atender a um evento de grandes proporções. E mesmo os que lá estiveram não teriam as condições de material adequadas para trabalhar. Fatos como esses acabam expondo não apenas falhas pontuais, mas fragilidades estruturais no âmbito dos órgãos de segurança.

Para um tenente da reserva da Brigada Militar, instituição ao qual o Corpo de Bombeiros é vinculado, e que atuou durante 30 anos na segurança pública de Santa Maria, as causas dessa inoperância na segurança pública têm vários fatores. A origem dos problemas passa por questões como a má remuneração do efetivo, a burocratização dos diversos setores em detrimento da atividade fim, que corresponde ao atendimento das demandas do cidadão, além de posturas incompatíveis com o profissionalismo, mas que são toleradas pelos superiores na cadeia de comando, interessados mais em “brigar” por regalias. Acompanhe a seguir o depoimento desse policial militar, que prefere não se identificar para evitar represálias.

SEDUFSM- Na sua avaliação, com a estrutura existente hoje nos bombeiros, se poderia combater uma grande catástrofe na cidade?
Resposta- Com base nas informações extraoficiais que circulam e que se referem ao dia do sinistro e supondo que cinco seja um número médio de bombeiros empregados diariamente, mesmo não tendo servido em unidades de bombeiros, mas diante das doutrinas técnicas da corporação, evidentemente que o número empregado foi insuficiente para enfrentar um incêndio sequer de porte médio. Já para um grande sinistro seria catastrófico. Necessariamente seriam empregados recursos de fora da cidade. Há de se avaliar de quais municípios viriam e o tempo de deslocamento. Também desconheço se existe na corporação algum efetivo de sobreaviso, haja vista que, tal recurso humano implicaria em direito às horas-extras, aos moldes que é pago aos oficiais que prestam esse tipo de serviço. E como tudo que envolve recurso financeiro, acredito que existam entraves para tal situação, uma vez que, a cultura do serviço público é investir no que se torna visível ao cidadão. Quer dizer, entregam veículos em praça pública, como se um caminhão de bombeiros apagasse incêndio sozinho, se uma ambulância socorresse vitimas ou se uma viatura policial atendesse a ocorrências sem efetivo para fazer isso.

SEDUFSM- E por que diante de tantas dificuldades, como a demonstrada no episódio da boate Kiss, os governantes não alteram essa estrutura?

Resposta- Infelizmente, existe uma cultura institucional de não “incomodar” os governantes. Tanto assim que, há muito tempo as Associações que deveriam cuidar de questões sociais ou recreativas de seus filiados são as únicas ferramentas viáveis para que sejam defendidas junto ao governo as questões salariais da Brigada Militar. Outro fator que dificulta é o fato do Comandante Geral ser escolhido pelo Governador. Não existe um critério técnico ou lógico, como por exemplo, do oficial mais antigo no posto de Coronel assumir, ou uma lista apresentada pela Corporação, ou qualquer norma que balizasse a escolha e deixasse o Oficial em uma condição isenta e confortável para questionar ou ponderar junto ao poder público as carências da Corporação. Mesmo que de forma não intencional ou voluntária, sempre acaba o escolhido ficando numa situação de constrangimento, quase refém, ora tendo que defender a instituição, ora tendo que defender as políticas do governo.

SEDUFSM- No caso recente sobre o inquérito do incêndio na boate Kiss, veio à tona o fato de que havia bombeiros que trabalham, privadamente, em empresas que prestam consultoria na prevenção de incêndios. Ou seja, de um lado os bombeiros têm que fiscalizar, mas, por outro, alguns também fazem serviços privados a quem é fiscalizado. Isso pode vir a se caracterizar como uma infração ética, prejudicando o trabalho da corporação? Na Brigada Militar também existem serviços extras nesse estilo?

Resposta- A Brigada Militar figura, há anos, em último ou penúltimo lugar no ranking das Polícias Militares mais mal pagas do Brasil. Evidentemente, não vou nem discutir o mérito da questão pautada, tão pouco fazer uma análise se é correta ou ética esta mistura de funções que colocam num mesmo balaio o serviço público e iniciativas correlatas no setor privado atinente. Evidentemente que aí existe uma falha ética inadmissível. Mas, algo me parece lógico, quase escancarado. O próprio serviço público, ao descuidar da questão remuneratória joga seus quadros nesta situação de salve-se quem puder. Ora, parece-me claro: você instrui, capacita, ensina, dá ao servidor a condição técnica que este necessita para exercer determinada função e não o brinda com a contrapartida esperada, com a remuneração justa. Evidentemente que, alguns por necessidade, outros por falta de opção, automaticamente passarão a operar em faixa própria. Quem é do policiamento passará a se envolver com segurança privada, quem é de bombeiros passará a atuar nesta questão de prevenção. Desde que houve um descolamento das matrizes salariais da Brigada Militar no governo de Alceu Collares (1991-1994), a tropa passa por um processo muito complicado. Em geral, a base da corporação se sente órfã da própria instituição, que está partida em dois níveis. E isso gera uma situação inevitável. O Comando luta por seus interesses e existe, hoje, em andamento um processo de distanciamento entre o maior e o menor salário dentro da organização. Logo, no mesmo sentido, existe um afrouxamento de questões de controle, uma maior flexibilização de questões disciplinares, um desencadeamento de situações que levam a esta ruptura, a este estado de coisas, que sem se restringir ao atual momento, com certeza traz sérios prejuízos ao serviço público. Hoje, o foco são as carreiras e não o serviço.

SEDUFSM- Por que na sua avaliação, mesmo quando ficou claro que somente um inquérito iria apurar responsabilidades pelo incêndio, comandantes dos bombeiros deram entrevistas se antecipando e dizendo que estava tudo em ordem?

Resposta- Não seria irresponsável a ponto de fazer um pré-julgamento da atitude destes oficiais, até porque acredito que são pessoas preparadas para o processo decisório em seus níveis, e ainda, uma vez que, neste sentido o pertinente inquérito trará à baila as verdades sobre o caso. Mas, posso dizer de consciência tranquila que a Brigada Militar vem passando nos últimos anos por inúmeras “reformas”, dentre elas, a criação de inúmeros Comandos Intermediário, alteração nos níveis de responsabilidade de seus membros, coisas que na década de 80 eram definidas por um oficial subalterno, hoje, passam pela chancela de oficiais de maior patente e por ai vai. Não sei se estas situações foram alvos de estudos, se foram exaustivamente pensadas, ou criadas simplesmente com a intenção de melhorar o atendimento operacional. Mas, o que pude observar nos últimos anos do serviço ativo é que existe um enfraquecimento do poder decisório dos órgãos operacionais, um fortalecimento dos comandos regionais e acima de tudo um inchaço da maquina administrativa decorrente do aumento do número de Comandos e seus pertinentes “staffs”. Talvez esta situação acabe favorecendo equívocos ou dificultando o controle operacional.

SEDUFSM- Em uma de suas entrevistas, o comandante geral dos bombeiros no RS, falou da dificuldade em fiscalizar os estabelecimentos. Falou em uma lista de mais de dois mil nomes que estão na fila para serem fiscalizados. Isso justificaria a não fiscalização da Kiss em tempo hábil?

Resposta- Acredito que esta abordagem deve se dar sob outro aspecto. Se o Comandante assim se referiu, certamente fala sobre fatos reais, mas na minha opinião, que não contraria a do referido oficial, já não cabe mais julgar ou avaliar se a não fiscalização encontra uma desculpa plausível, mas sim tornar público, depurar, abrir a caixa preta da segurança pública no Rio Grande do Sul. Feito isto saberemos quantos Comandos são realmente necessários, quantos homens de linha de frente são necessários, se existe uma racionalidade no número de postos e graduações, qual o efetivo existente, aonde se encontra lotado. Feito isto estaremos fazendo justiça por não cobrarmos de alguém o inexequível, ou saberemos o porquê de uma tarefa plenamente exequível deixou de ser feita. A Brigada Militar é muito grande e não pode ser exposta por questões pontuais. Não se trata de achar culpados, trata-se de fazer algo que nos assegure um futuro mais tranquilo, sem sobressaltos e com a certeza de que estamos protegidos.

Entrevista a Fritz R. Nunes
Foto: Palácio Piratini/UOL
Assessoria de Imprensa da Sedufsm

 

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