Ex-secretário municipal diz que Kiss não poderia funcionar SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 16/02/13 16h11m
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Arquiteto Nabor Ribeiro avalia cadeia de procedimentos irregulares

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Localização do prédio já seria um entrave para o funcionamento da Kiss como boate

Para o arquiteto Nabor Ribeiro, com base em tudo que já foi divulgado em relação à boate Kiss, ela jamais poderia estar funcionando. A localização da casa noturna, pelo seu próprio entorno, não permitiria que ela funcionasse com esse propósito, já que havia dificuldade para que houvesse porta com saída de emergência, além de problemas com a questão da geração de ruído afetando a vizinhança. Contudo, a responsabilidade em permitir esse funcionamento é compartimentada em vários setores da prefeitura, além do próprio Corpo de Bombeiros, responsável pela avaliação do plano de prevenção contra incêndios.

Nabor Ribeiro, que atualmente trabalha como profissional liberal, conhece bem a estrutura administrativa e política do município, bem como a legislação pertinente ao caso. Ele já ocupou funções como técnico da prefeitura nos anos de 1992-93, 2001 e, entre 2009 e 2010, já no governo de Cezar Schirmer, quando foi secretário da Secretaria Extraordinária de Supervisão de Programas Intersetoriais (Sespi). Ao mesmo tempo em que não aponta condutas individuais como responsáveis, ele cita que a espécie de caça às bruxas surgida após a tragédia, que levou à morte de 239 pessoas, com casas noturnas e clubes sendo fechados rapidamente em todo o país, seriam a prova contundente das “irresponsabilidades administrativas” vigentes no país. Acompanhe a seguir a íntegra da entrevista.

Pergunta- No último dia 27 de janeiro, o incêndio na boate Kiss tirou a vida de mais de 230 pessoas, a maioria de jovens universitários, e deixou centenas de feridos. Por tudo que se soube até agora, seja pelo trabalho da imprensa seja pela divulgação de pontos do inquérito da polícia, pode ser respondida a pergunta de por que a boate continuava funcionando?

Resposta
- Afirmo, de maneira sucinta, que devido aos fatos divulgados na imprensa, este estabelecimento não poderia estar funcionando. O fato que determina esta afirmação é a realização de modificações internas, o que determinaria a realização de novos procedimentos administrativos e não somente a liberação por parte do Corpo dos Bombeiros.

P- Diante de tudo que foi mostrado em relação à boate Kiss, ela poderia estar em funcionamento?

R- Em relação à legislação municipal logicamente que nada poderá funcionar sem a devida autorização. Por isso, a necessidade de uma série de procedimentos tais como a liberação do alvará de localização, a obtenção dos condicionantes urbanos específicos do local – alinhamento – da aprovação do projeto arquitetônico, no caso do Projeto de Arquitetura de Interiores, a elaboração do projeto de prevenção contra incêndio – PPCI. Estes procedimentos são ou deveriam ser analisados por profissionais técnicos habilitados por lei, lotados nas repartições públicas municipais pertinentes ao tema construção, que em Santa Maria são a Secretaria de Mobilidade Urbana, de Indústria e Comércio, de Proteção Ambiental, do Escritório da Cidade e, evidentemente, da Secretaria de Finanças quando dos pagamentos das taxas administrativas. Na esfera estadual, conforme o caso deverá haver a análise e licença, por parte dos bombeiros, para a instalação do Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio – PPCI, e o pagamento de mais algumas taxas. Estas instâncias de licenciamento deverão sempre emitir os respectivos alvarás de conformidade perante a legislação pertinente.

No entanto, estamos frente à questão de renovação de alguns alvarás, entre os quais o de Proteção Contra Incêndio, fato que considero apenas um detalhe, pois, se já tinha sido aprovado dentro das concepções determinadas pela lei, ou seja, nas mesmas condições que possibilitaram esta tragédia. Fala-se, pelo lido em reportagens, que houve modificações físicas nas instalações da boate, fato determinante para refazer todo o processo – aprovação dos novos projetos em todas as instâncias determinadas pela lei – e não só quanto à liberação por parte dos bombeiros.

Evidentemente que a sequência de aprovação deveria seguir uma lógica – primeiro a aprovação do novo projeto arquitetônico, somente após as realizações dos demais licenciamentos, incluindo aqui o PPCI. Não seguir esta sequência já aponta irregularidades.

P- É perceptível uma tentativa de um jogo de empurra entre prefeitura e governo estadual na questão da responsabilidade pelas omissões na fiscalização da boate. Na sua avaliação, qual a parcela de culpa de cada um dos órgãos públicos?

R
- Volto a referir que a questão é da sociedade e não apenas de determinados setores. Para começar devemos nos preocupar com a ação da “fiscalização”. Primeiro porque em um estado essencialmente político, situação em que sem dúvida nos encontramos, os acontecimentos que fogem a esta alçada, devido à complexidade social são muitos. Os responsáveis por este estado logo recorrem à fiscalização, preferencial composta por “técnicos”, cuja principal atribuição é fiscalizar procedimentos burocráticos. Já para as questões técnicas se faz necessário a participação de profissionais habilitados pelo conhecimento e pela lei.

Assim, quando a situação extrapola seus recursos humanos e seus meios de ação a saída é, conforme a dimensão do problema, acionar os órgãos fiscalizadores, sejam eles estaduais ou municipais ou, até mesmo, não governamentais ou então chamar logo a Polícia Federal, Ministério Público, etc. Quando o uso de tais recursos se torna corriqueiro é porque estamos muito próximo do “Estado Policial”. Não confundir com a necessária ação policial necessária para esclarecer crimes, como o ocorrido na boate.

É perigoso por que o crime aqui ocorrido é configurado como uma, lembrando o romance de García Márquez, “Crônica de uma morte anunciada”, e isto requer algumas reflexões. Vejam a ferocidade como o estado e os municípios estão cumprindo suas obrigações – a partir de agora todas as boates serão rigorosamente fiscalizadas. Isto é a mais contundente prova das incompetências administrativas que se espalham por este país.

O crime de morte é um fato terrível, o mais cruel de todos, por isso espero a punição dentro da lei para aqueles que de uma maneira ou outra a praticaram. As responsabilidades da gestão do espaço público já são um pouco mais intrincadas e com rara punição aos envolvidos.

Farei uma enumeração das responsabilidades dos envolvidos sem que com isto seja estabelecido graus de envolvimento que venham a determinar condenações diferenciadas. Deixo isto para as pessoas que de fato tenham por direito.
Com a ressalva de que ninguém pode ser apontado como inocente por desconhecimento da lei, tem-se o rapaz a que tudo indica provocou o incêndio, com a ressalva de que as performances pirotécnicas eram usuais e logicamente permitidas – os aniversários comemorados na boate eram assim festejados; os empresários criadores do plano estratégico do negócio no foi determinante na definição dos aspectos funcionais e físicos do estabelecimento, por isto responsável, entre outras coisas, da superlotação do espaço. Inclui-se aqui a questão de projeto: houve ou não a participação de profissionais legalmente habilitados? Os devidos licenciamentos foram obtidos dentro das conformidades legais? Estavam atualizadas? As manutenções das instalações foram feitas? Por quem? Muitos outros esclarecimentos podem ser feitos, mas só a dúvida levantada a estes argumentos, até agora sem os devidos esclarecimentos, já demonstra o quanto foram irresponsáveis na condução de seus negócios.

Já no que diz respeito à gestão municipal as questões a serem esclarecidas são mais intrincadas, pois são questões técnicas encobertas pela prática burocrática e que devem ser formuladas por profissionais técnicos, e não pelos políticos. Partindo da convicção de que não houve negligência por parte dos responsáveis pelo fornecimento de toda a documentação – deixo isto para o inquérito policial, analisarei a questão do Alvará de Localização, na qual afirmo que sua conceituação é totalmente equivocada, apesar de estar baseada nas leis urbanas municipais.

Vejam só: permitir a instalação de estabelecimento que tem por base a concentração de pessoas e a emissão de sons, ou seja de ruídos, que em um meio urbano limitado irá causar desconforto a população do entorno imediato. Um prédio com três fachadas encostadas nas divisas, como os demais prédios, impossibilitando o estabelecimento de nova rota de fuga diametralmente oposta à entrada. Fora o espaço público não havia outro espaço capaz de receber parte da população usuária em fase do ocorrido.

Acrescenta-se a esta inaceitável localização uma situação urbana onde não há espaços para absorver a retirada imediata dos frequentadores, fato que lamentavelmente constatado por todos. Este escasso espaço público foi determinante na dificuldade de prestação de socorro, tanto para combater o fogo como para atender os feridos, fosse feita no mesmo espaço de fuga dos sinistrados.

Além desta localização – confirmada pelo Alvará de Localização, sempre é bom lembrar, foi determinante para a necessidade de forte isolamento acústico, equipamento que se opõem as condições de prevenção de incêndio, ou pelo menos requer maior aporte financeiro. A partir desta determinação inicial todos os demais condicionantes são conseqüências, principalmente em relação às instalações de prevenção de incêndio.

Poderia apontar mais uma longa lista de condicionantes conflitantes com a questão urbana, mas estaria entrando em demasia na especialização, fato que foge aos objetivos da entrevista.
Por fim, temos a questão do Estado enquanto a responsável pela instituição Brigada Militar, até então orgulho de todos os gaúchos. Pois bem, a atuação do pessoal do Corpo de Bombeiros, tanto como burocratas com combates deixou muito a desejar. Considero uma segunda tragédia, sendo que sua participação deverá passar por análise muito séria por parte dos responsáveis.

A questão burocrática, por estar vencido o alvará de incêndio, está sendo muito evidenciada pela mídia, no entanto, pergunto se observada as regras e procedimentos atuais, se esta renovação seria capaz de evitar o sinistro? Por isto vou salientar a participação dos bombeiros no socorro prestado quando do sinistro, sempre a partir das imagens amplamente divulgadas na imprensa, a qual prestou um serviço exemplar.

Observei que poucos bombeiros acorreram ao local, não sei quantos, mas certamente em número insuficiente para combater o fogo e atender as vítimas. Equipamentos de segurança eu não vi. Vejam que falo dos bombeiros cujos custos dos procedimentos de liberação de alvará e de vistoria, pagos pelos interessados, era a princípio destinados à aquisição de equipamentos. Ora, máscaras de proteção de gás deveriam ter sido prioridade ou não? Também é verificável a falta de treinamento para a ação perante tais ocorrências. Afirmo isto porque as imagens iniciais demonstram que somente a população civil – no caso, jovens – estava agindo, muitos de forma equivocada, sem os requisitos mínimos de segurança, sem orientação nenhuma, levados pelo desespero, embora estivessem utilizando alguns equipamentos básicos dos próprios bombeiros. Pergunto: não faltou orientação quando da ação desses jovens? Lembro que além de salvarem vidas, alguns jovens a perderam agindo no lugar dos bombeiros.

Quanto à parcela de culpa dos demais órgãos públicos afirmo que neste caso determinar mais ou menos os graus de culpabilidade não vai atenuar as inúmeras irregularidades que levou à morte de tantas pessoas. Existe isto sim uma parcela de pessoas responsáveis pela tragédia, sejam elas atuando no mercado de trabalho criado por empresários ou dos que atuam nos órgãos públicos, tanto em nível municipal como estadual.

Espero que os que atuaram de maneira mais direta e os que de certa forma foram negligentes em suas funções públicas sejam punidos conforme a lei determina, sem privilégios. Mas isto é um caso para os responsáveis pela segurança pública.

P- Para evitar tragédias como essas seria necessário uma nova legislação ou será que bastaria uma fiscalização mais eficiente e responsável a partir das leis já existentes?

R- Existem duas concepções para esta questão. Primeiro, assumimos este estado político e seus tramites burocráticos, em que uma das manifestações é a inoperância das demandas e a ineficiência da fiscalização, o ocorrido na boate é uma lamentável prova, que tem por função muitas vezes fiscalizar os procedimentos incorretos da própria administração pública. Se for esta opção não há necessidade de mais leis, decretos, atos administrativos. A proliferação desta legislação é fruto da vontade de quem se dispõe a governar dentro desta concepção de tratamento tanto das atividades individuais, particulares, como da coisa pública. Assim bastará executar a “fiscalização” enquanto último recurso de implantação de suas políticas. Ou basta achar culpados desde que não sejamos nós.

A outra concepção que entendo como viável, apesar das dificuldades de compreensão, é aquela voltada para a moral ou a ética do ser humano. Não cabe aqui discorrer sobre isto, se estas mudanças conceituais evitariam esta tragédia. Assim, a responsabilidade não será apenas dos órgãos públicos como entes abstratos, mas do ser humano enquanto cidadão urbano. Dentro desta concepção todos nós seriamos considerados de certa maneira culpados. Nós, arquitetos, por permitirmos ações descabidas e que são de nossa alçada profissional. Nós, cidadãos eleitores, educadores, pesquisadores, etc. No caso da adoção desta linha de raciocínio, evidentemente que toda a legislação, e não apenas a correlata aos fatos ora discutido, deverá ser repensada, passando mais responsabilidades para a sociedade, ou seja, deixando de ser tão burocrata, determinista e paternalista como as determinações e procedimentos atuais.

Quem é Nabor Ribeiro

Nabor Silva Ribeiro, 58 anos, é arquiteto urbanista, profissional liberal, atuação como técnico municipal na prefeitura de Santa Maria em 1992-93, 2001 e 2009-2010 como secretário da Secretaria Extraordinária de Supervisão de Programas Intersetorial - SESPI. Professor da UNIFRA entre 2001-2008.

Entrevista a Fritz Nunes
Foto: meionorte.com
Assessoria de Imprensa da Sedufsm

 

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