Criminalização de movimentos: debate intenso no RS
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Investigação policial de militantes políticos sofre muitas críticas
Os limites do Estado frente aos movimentos sociais organizados são frequentemente motivo de debates, especialmente este ano, quando, em junho, as grandes mobilizações vieram, em alguns lugares, acompanhadas de uma violenta repressão policial.
O governo gaúcho acalorou um pouco mais a discussão na semana passada, ao autorizar a invasão de duas residências particulares – de militantes das juventudes do PSOL e PSTU -, do centro cultural Moinho Negro e do assentamento ‘Utopia e Luta’. A justificativa da equipe da Polícia Civil é de que está em curso um processo de investigação sobre atos de ‘depredações e saques’ ocorridos durante as manifestações de junho, em Porto Alegre. Ao ser questionado sobre essas operações, o governador Tarso Genro (PT) garantiu que “o delegado que fez o inquérito agiu dentro do Estado de direito, segundo todas as normas processuais e inquisitoriais que regulam este assunto”.
O presidente da Sedufsm e diretor do ANDES-SN, Rondon de Castro, discorda de que tais atitudes estejam contempladas num regime democrático como o vigente no Brasil. “O estado de direito permite manifestações contrárias a esse. Se a polícia entra na casa de militantes, está certa de que o crime foi executado. Ao mesmo tempo que o estado de direito garante a defesa do estado e do cidadão, tem que entender que o indivíduo tem sua privacidade. A polícia só pode intervir num espaço privado se há crimes em andamento. Devem ter argumentos claros que expliquem o porquê daquela casa ser invadida”, avalia Rondon.
Ele lembra que até a Constituição que vigorava no período da ditadura militar condenava esse tipo de conduta policial. Após as manifestações de junho, analisa o presidente, o governo brasileiro diz que concordou com as reivindicações e que trabalha para atendê-las, mas, ao mesmo tempo, usa a repressão política visando às lideranças. “Porque hoje eles não estão mais caçando as pessoas nas ruas, estão selecionando aquelas que vão reprimir. É um governo de origem democrática, mas que está se recusando a viver com o contraditório. Está abandonando o diálogo e o substituindo pela criminalização dos movimentos sociais”, opina Rondon.
Repressão na história do país
Quem já escreveu um artigo sobre o papel da repressão no Estado brasileiro foi o professor do departamento de História da Ufsm e ex-presidente da Sedufsm, Diorge Konrad. O docente relembra um trecho da publicação, intitulada ‘Repressão e fundações: polícia para quem precisa’, em que a criminalização dos movimentos sociais e políticos pelo Estado burguês é encarada como parte da história republicana do nosso país, acompanhando a luta de classes que já se desenrolou e ainda se desenrola nessas terras. “Erram aqueles que a restringem [criminalização] apenas para determinados períodos como a Primeira República pré-1930, o Estado Novo e a Ditadura Civil-Militar pós-1964. Sem-terra, sem-teto, sindicalismo rural e urbano, mulheres, negros, indígenas, ecologistas, militantes contra discriminação de sexo, etnia e de gênero,integrantes de partidos e movimentos de esquerda, entre tantos outros tipos de movimentos, têm sido alvo de medidas repressivas de baixa e alta intensidade, seja com práticas diversas de violência, seja com espancamentos, detenções e prisões, exílios ou assassinatos", diz trecho do artigo.
Entretanto, apesar de defender que não se pode tolerar atos de violência da polícia contra professores, por exemplo, Konrad pondera que tentar justificar a depredação é injustificável, já que ‘joga água no moinho’ dos setores reacionários que defendem o fechamento da democracia. “Aqueles que querem transformações sociais mais profundas não podem aceitar provocações de grupos parafascistas em manifestações de rua, nem compactuar com depredação de patrimônio histórico, como aconteceu recentemente com o Museu Júlio de Castilhos, em Porto Alegre.”, analisa.
Para o professor da Ufsm e procurador jurídico aposentado da instituição, Elvandir José da Costa, o problema, do ponto de vista constitucional, é complicado, já que, em sua análise, o objetivo reivindicatório legítimo acaba sendo contaminado por pessoas que não têm nem interesse político. “Não são manifestações político ideológicas. Os abusos se dão por pessoas que não têm interesse no debate político. Atrapalham o movimento legítimo dos outros e criam um tipo de violência que não é útil nem necessária. E para o governo fica muito difícil fazer essa separação. Essas situações têm que ser analisadas com muita cautela, porque ali se reúnem grupos de interesses diferentes e alguns querem desprestigiar o movimento. Isso já aconteceu no Brasil e terminou muito mal”, opina. Contudo, avalia que as investigações feitas pela polícia precisam de provas, pois, caso contrário, são consideradas abuso de autoridade e coerção de liberdades individuais.
Estado de exceção
Lucas Maróstica, militante do coletivo ‘Juntos!’ e da juventude do Psol, não estava em casa no momento em que a polícia chegou para revistar. No perfil do Facebook, ele afirmou que a polícia levou seu computador. Para Alídio da Luz, do Psol Santa Maria, o período atual se configura quase como um estado de exceção, com a repressão como principal aposta dos governos para acabar com os levantes que começaram em junho. “Não se pode admitir que em um estado democrático de direito dirigentes de movimentos sociais tenham suas casas invadidas e apreendidos materiais como livros marxistas, panfletos políticos e anotações. Os governos estão proibindo o uso de máscaras alegando que é vedado o anonimato, o que eles não falam é que quando a polícia militar manda para rua os seus policias sem identificação, o próprio estado está se utilizando do anonimato para reprimir as manifestações”, pondera o militante.
A prisão de dois professores do Cpers em Porto Alegre – que estavam em um bar, após o ato, portando as bandeiras do sindicato – e a sessão realizada a portas fechadas na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro quando se votou o Plano de Cargos e Salários são dois exemplos, para Alídio, de que se está extrapolando o estado democrático de direito. “Representam uma tentativa de colocar um ponto final naquilo que começou em junho, vão conseguir no máximo uma vírgula. Um povo depois que vai para as ruas não volta da mesma maneira para casa”, argumenta.
Na casa de Matheus Gomes, militante da juventude do PSTU em Porto Alegre, os agentes policiais apreenderam cadernos, panfletos, adesivos com referências a lutas políticas – como a causa palestina – e seu computador. Manoel Alves Neto, da ANEL- Santa Maria, avalia que os blocos de lutas formados nas cidades são tocados por movimentos populares que simpatizam com a esquerda e não se dispõem a diálogos reacionários com os governos. “Após diversas estratégias frustradas do PT em acabar com esses instrumentos, a única saída encontrada por eles é a criminalização dos movimentos, a investigação e apuração de resultados manipulados, a fim de deslegitimar os movimentos e seus componentes. Invadir a casa de militantes do bloco de lutas não tem apenas caráter repressor, mostra que o governo pretende deslegitimar as lideranças que se formaram durante o processo, além do direito dos movimentos em se manter nas ruas, insatisfeitos e em protesto”, diz Neto.
Para ele, o cenário agora é de solidariedade entre os movimentos organizados, que passam a colocar em pauta, ao lado da reivindicação histórica do Passe Livre, a criminalização dos movimentos populares. “Ocupações em reitorias, como atualmente acontece na UNICAMP e na USP são reflexo desse cenário, e discutem medidas tomadas pelas próprias universidades em por a PM [Polícia Militar] dentro dos campi como repressores direto dos movimentos estudantis”, diz o estudante.
A assessoria de imprensa da Sedufsm entrou em contato com o diretor de imprensa da Assufsm, Celso Fialho, que preferiu não conceder entrevista pois a entidade ainda não havia discutido e tomado uma posição sobre os acontecimentos. Alex Monaiar, do DCE Ufsm, também foi contatado. Na segunda-feira, 7, respondeu que não poderia opinar sobre o assunto, mas encaminharia outra pessoa da gestão para conversar conosco. Na tarde desta terça-feira, quando entramos em contato novamente, Monaiar disse que ninguém da entidade iria se manifestar.
Texto: Bruna Homrich (estagiária), com informações de Sul 21
Foto: Brasil de Fato
Edição: Fritz Nunes (Jornalista)
Assessoria de Imprensa da Sedufsm