Ex-diretor do Husm relata avanço privatista na saúde
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Atualizada em
13/11/13 20h24m
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Carlos Renan diz que Ebserh está em consonância com o Banco Mundial
Para Carlos Renan do Amaral, diretor administrativo do Hospital Universitário de Santa Maria (Husm) durante quatro anos (2006-2010), há muitos interesses em jogo quando se fala em Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) e, de forma mais geral, em financiamento para a saúde. O modelo de sistema hoje imposto aos hospitais públicos brasileiros está em consonância com a proposição do Banco Mundial, já tendo sido implementado em diversos outros países. É o que explica Amaral quando lembra o Congresso latino-americano de administradores da saúde, ocorrido em 2008, do qual ele mesmo participou. Lá, o tema de debate girava em torno do financiamento da saúde por instituições financeiras internacionais.
“E a proposta que eles faziam era a das parcerias público-privadas. Eu ouvi do presidente mundial do Banco Santander que o sistema financeiro hoje observou que os recursos investidos na saúde pelos governos são suficientes para que empresas privadas possam atuar no setor da saúde e terem lucro. Por isso o interesse do Banco Mundial em financiar a recuperação dos hospitais universitários”, avalia o ex-diretor do Husm, que ainda desmascara outra propaganda feita pelo governo federal: a de que simplesmente se mudará o sistema de gestão dos hospitais. “Na verdade, não é um modelo de gestão, está se mudando a personalidade jurídica. Tira-se de uma empresa autárquica (da universidade federal) e passa-se para uma empresa pública de direito privado”.
O argumento de que gestão é sinônimo de personalidade jurídica constitui uma jogada política, pois as duas esferas são claramente separadas. Conforme explica Amaral, gestores são servidores públicos, escolhidos pela comunidade universitária, para tomar decisões relacionas aos problemas da saúde. Já a personalidade jurídica seria a forma como se dá a relação dentro do campo jurídico, “situação que nunca foi problemática em nosso hospital universitário”, destaca ele.
Em 2009, numa discussão ocorrida em Brasília, o Ministério do Planejamento trouxe especialistas do Banco Mundial e estes, numa tentativa de mascarar os termos ‘personalidade jurídica’, usaram a palavra ‘governança’. “E aí então se veio com essa ideia de que, para solucionar o problema, deveria se criar uma empresa que tivesse os direitos privados, ou seja, no relacionamento jurídico, irá trabalhar como qualquer outra empresa privada, e não como uma empresa pública, não como uma autarquia federal”, esclarece o ex-gestor.
Gestão X precarização
Ele explica que, ao longo do tempo, as discussões em Brasília sobre quais problemas atingiam os hospitais universitários começaram a apontar a questão da gestão como o cerne das debilidades. Ou seja, o sucateamento dessas instituições seria em decorrência de seu mau gerenciamento. Entretanto, analisa Amaral, a precarização dos hospitais teve início com a falta de investimentos no setor da saúde. “O recurso pago pelo Ministério da Saúde pelo atendimento dos usuários do SUS [Sistema Único de Saúde] cobria simplesmente 60% da despesa de um atendimento. Tanto é verdade que, em 1996, houve um descredenciamento geral em todo país dos hospitais filantrópicos e das santas casas, pois eles não conseguiam dar o atendimento, já que o recurso pago pelo SUS era inferior ao que se realmente gastava. E quem assumiu desde 96 todo o atendimento, principalmente na questão de alta complexidade, foram os hospitais universitários. Isso gerou esses problemas de gerenciamento, que foram provocados por decisões governamentais”, relembra, exemplificando como uma dessas decisões governamentais a suspensão das contratações de toda força de trabalho que ia se aposentando.
Terceirização
Carlos Amaral acredita que a melhor maneira de resolver a questão da falta de pessoal nos hospitais universitários é a liberação, por parte do governo federal, de concursos públicos para que os trabalhadores sejam repostos. Desmitificando a ideia hoje bastante propagada, de que a Ebserh viria para diminuir as terceirizações, Amaral diz que é exatamente o contrário: através da Empresa poderá haver a entrega das atividades-meio, passíveis pela legislação de serem terceirizadas, à iniciativa privada.
Índices e metas para os HU’s
Na condição de administrador, Amaral pode falar a respeito do funcionamento de uma empresa. A Ebserh, a exemplos de outros entes privados, sobreviverá do lucro, necessitando apresentar resultados positivos, sob risco de ir à falência. Na análise do ex-diretor, quando o nosso hospital aderir à Empresa, serão estabelecidos índices e metas a serem cumpridos pelo Husm para que esse possa receber os recursos destinados ao atendimento. Não sendo atingidos, além de comprometer a população dependente do hospital, ainda prejudica o ensino que acontece lá dentro.
“Quer dizer, se tu não consegue, através da assistência, receber os recursos necessários para manter a questão do ensino, obviamente que quem estiver gerenciando essa empresa terá que tomar decisões para diminuir o custo. E qual é essa decisão? Fechar determinadas especialidades. E como é que tu vai fazer o ensino de medicina dentro de um hospital que não tem, por exemplo, atendimento em oftalmologia ou em otorrinolaringologia? Que profissional é este que vai ser formado dentro da nossa universidade?”, questiona, com preocupação, Amaral, defendendo que a educação deve estar diretamente ligada ao governo e à universidade para que se garanta um ensino de qualidade.
Já tendo assumido um setore de gestão do Husm, Amaral acredita que há uma série de ações a serem feitas antes de se colocar a Ebserh como solução. Para ele, se implantado, esse projeto não resolverá as deficiências estruturais pelo qual passa o hospital universitário.
Texto: Bruna Homrich (estagiária)
Foto: Arquivo/Sedufsm
Edição: Fritz Nunes (Jornalista)
Assessoria de Imprensa da Sedufsm