Golpe militar de 64 foi a pedido da burguesia SVG: calendario Publicada em 25/03/14 19h27m
SVG: atualizacao Atualizada em 26/03/14 23h33m
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Osvaldo Coggiola, professor de História da USP, fala sobre as ditaduras do Brasil e na América Latina

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Apesar de hoje não existirem as condições internas ou mesmo apoio internacional para um golpe militar em países da América do Sul, o risco da retomada de uma ditadura é sempre presente enquanto os militares seguirem sendo uma casta com o monopólio da força pública. É o que pensa o professor do departamento de História da USP, Osvaldo Coggiola. Nesta entrevista, concedida à assessoria de imprensa da Sedufsm durante o 33º Congresso do ANDES-SN, o docente, que também integra a diretoria do ANDES-SN, fala sobre diversas questões relativas não apenas ao golpe de 1964, mas também sobre as diversas ditaduras militares que entre as décadas de 1950 e 1970 corroeram o continente americano.

Para Coggiola, os militares não atuaram sozinhos, pois receberam apoio pleno da chamada burguesia, ou seja, da elite empresarial do país, que bateu à porta dos quartéis pedindo que houvesse um golpe. O professor fala da importância de rememorar o 31 de março de 1964, em função de que o sistema político atual ainda guarda resquícios do período. Na entrevista, Coggiola aborda as condições conjunturais daquele momento que permitiram a tomada do poder pelos militares, traz alguns tópicos relacionados à Operação Condor, que foi um processo de articulação dos governos ditatoriais das Américas e, sobretudo, rechaça argumentos de quem dissemina a ideia de que o golpe no Brasil, em 1964, teria sido para evitar um golpe comunista.

A conversa com o professor integra uma série de entrevistas que a Sedufsm vem realizando para marcar o dia 31 de março, data em que se relembram os 50 anos do golpe militar no Brasil, ação que levou o país a duas décadas de censura, repressão e violência. Acompanhe a seguir:

 

P - Qual a principal herança que os ditadores militares, no período mais recente, deixaram para a América Latina?

R - A principal herança que eles deixaram foi um retrocesso político e cultural histórico. Nos países em que mais se sofreu a repressão, como na Argentina e no Chile, boa parte de uma geração de lutadores desapareceu. E isso é insubstituível, pois são pessoas, cérebros, obras. Muitas delas eram jovens, setores extremamente dinâmicos que simplesmente desapareceram. Na Argentina se fala em 30 mil vítimas, mas esse número não dá conta da qualidade do que essas pessoas representavam. Ou seja, da importância que essas pessoas tinham, eram estudantes, sindicalistas. Essas pessoas são insubstituíveis. Isso se vê, por exemplo, nos partidos de esquerda, e o caso típico é a Argentina. Há militantes de 60 anos para cima e há outros até a idade de 40 anos. A geração que tem 40, 50 anos, é pouco numerosa, pois é uma geração que foi eliminada fisicamente. Por isso, observamos um buraco geracional, não apenas nos partidos políticos, mas até mesmo nas universidades. É uma geração que sofreu as consequências do exílio, da tortura e da morte. A repressão não se refere apenas aos mortos. São as pessoas que foram para o exílio e nunca mais voltaram. As pessoas que passaram longos períodos na prisão. As pessoas que abandonaram projetos de vida e nunca mais puderam retomá-los. Então, a cifra é muito maior que os simples números da repressão. Essa cifra não está calculada e não teria importância calcular, porque ela é muito maior que os 30 mil na Argentina e maior que as centenas desaparecidas no Brasil. Em função disso, outra herança é o medo, que as gerações mais jovens estão perdendo ao se engajar em projetos revolucionários mais recentes. Isso [a ditadura] criou uma consciência medrosa. Se chocar frontalmente contra a ordem constituída vai suscitar uma reação de tal ordem por parte da ordem constituída que não vale a pena o choque. As gerações que saíram à rua em junho aqui no Brasil e outras que estão lutando atualmente na Argentina não têm esse medo, porque não sofreram esse período, eles nasceram em meados da década de 80 ou 90, quando as ditaduras já eram coisas do passado. Por isso se dá um choque atualmente entre o dinamismo político e social dessa juventude – de toda a América Latina – e as lideranças políticas sobreviventes do período precedente, porque parte de duas experiências políticas diferentes. Uns não têm esse medo da repressão – está claro que atualmente há repressão, mas contra movimentos e não contra pessoas perseguidas individualmente -, enquanto as gerações precedentes têm essa experiência. Quero dizer, essa experiência não é puramente negativa, porque o realismo político também é necessário. Mas às vezes isso provoca um choque. Por exemplo, a Marilena Chauí chegou a falar que os jovens que estavam nas ruas em junho acreditam no poder mágico da política, deixando como uma crítica ao movimento. Isso é tipicamente uma reação da geração mais velha diante da audácia da geração mais jovem. Há uma incompreensão geracional que só tem superação em termos políticos, não pode ter uma superação em termos culturais porque isto é normal, faz parte da vida. É absolutamente claro que processos revolucionários historicamente, desde a Revolução Francesa em diante, tiveram como protagonistas fundamentais as gerações mais jovens. Entre as lideranças revolucionárias raramente as pessoas superavam os 40 anos de idade. Nunca se viu uma revolução feita com pessoas de 70 anos ou mais. Parece que o retrocesso político, cultural, foi a herança mais importante (da ditadura).

P - Na sua avaliação, qual a importância de ser rememorado os 50 anos do golpe militar de 1964?

R - A importância é grande, em primeiro lugar porque vivemos num sistema político que, em grande parte, é originário das leis de exceção que foram proclamadas naquele período. No momento em que se discute um projeto de lei antiterrorista, a lei de segurança nacional ainda está ali dentro, e essa lei de segurança nacional é parte do arcabouço jurídico da ditadura militar. Portanto, a principal importância de se lembrar o golpe de 64 é lembrar tudo que está em pé, desde lá, na estrutura política brasileira atual. A segunda importância histórica extrapola as dimensões do Brasil, porque o golpe brasileiro de abril de 1964 foi o primeiro de uma série de golpes que abalaram toda a América Latina. Mais para o fim de 64, tivemos o golpe boliviano, que veio acabar com as consequências da revolução de 1952, que nacionalizou as minas na Bolívia e tudo mais. Na Argentina tivemos um período de grande convulsão política, que se inicia com o golpe militar em 1966 e que no fundo só vai terminar em 83, 84, quando finalmente o último golpe militar cedeu seu lugar a um governo eleito por vias democráticas. Então, temos aí uma situação de aproximadamente 20 anos em que toda América do Sul viveu um período de forte repressão e de militarização da sociedade. E o sinal verde para esse processo, que abalou excessivamente nosso continente, foi exatamente o golpe militar de 1964. A América Latina seguiu o Brasil, e o Brasil seguiu os Estados Unidos. Portanto, hoje lembrar o golpe de 1964 não é lembrar um episódio do passado, é lembrar um episódio que ainda está presente no arcabouço político vigente no Brasil e ainda está presente no restante dos países da América Latina.

 

P - Quando se fala em ditadura militar no Brasil é preciso lembrar que na América do Sul houve a Operação Condor. O que falta contar, no teu entendimento, sobre o colaboracionismo entre os vários regimes militares?

R - Isso foi muito central nos últimos tempos a partir da descoberta de que de fato existia uma coordenação das ditaduras militares, e que essa coordenação foi apoiada pelos Estados Unidos. Isso foi descoberto a partir de uma série de arquivos e papéis no Paraguai, não por acaso, pois justamente o Paraguai era a ditadura mais antiga, que provinha de 1954. Essa questão deixou absolutamente claro o que já se sabia, que havia essa colaboração. Já se sabia, por exemplo, a partir do Universindo (Díaz), militante uruguaio que foi sequestrado no Rio Grande do Sul e levado para o Uruguai junto com Lilian Celiberti. E houve outros casos que se pode relatar de militantes brasileiros que foram sequestrados na Argentina, e por aí vai. Portanto já se sabia, antes que se especulasse a Operação Condor, de que havia essa colaboração. A Operação Condor em si não foi uma novidade, a novidade foi simplesmente o fato de se estabelecer claramente que ela existia. Há um perigo na questão da Operação Condor ao se tomar exclusivamente esse aspecto, e em particular o fato de que os EUA estavam por trás dessa repressão, de inocentar, de alguma maneira, os militares latino-americanos. Dizer, por exemplo, que os EUA infiltraram pessoas nos exércitos sul-americanos, para que estes [exércitos], sob o comando desses infiltrados, fizessem golpes militares, repressão, etc, na verdade não foi assim. O golpe não foi originado nos EUA. O golpe foi originado no Brasil, na Argentina, no Chile, a partir do exército e a partir das lideranças civis que apoiaram esse golpe, que em particular incluem a grande maioria das lideranças empresariais de todos esses países. As lideranças empresariais chilenas, argentinas, uruguaias, brasileiras, apoiaram e bateram na porta dos quartéis. Esse foi o movimento que propiciou o golpe. Se tivesse só os EUA por trás não teria havido golpe, ou o golpe teria sido derrotado. Ou seja, foi um movimento da burguesia de nossos países, com seus representantes políticos e militares. E o golpe não foi de um setor infiltrado no interior das Forças Armadas. Na verdade foi um golpe das Forças Armadas como instituição. Quando se toma a Operação Condor como único elemento existente dentro desses processos se chega a uma imagem caricatural dos processos militares. Essa imagem caricatural diz que os golpes foram produtos de espécies de elites militares que agiam obedecendo ordens que vinham do exterior. Mas não foi o golpe de uma elite militar, foi um golpe das Forças Armadas como tais. Com alguma resistência dentro das Forças Armadas, o que foi claro no caso brasileiro. Ou com nenhuma resistência, como foi o caso da Argentina. Então, a instituição como tal foi a protagonista, e não só a instituição, mas também as classes sociais que apoiaram o golpe. E em segundo lugar temos também a construção, que já se viveu na segunda guerra mundial, de uma imagem idealizada, que não corresponde à verdade, e que poupa analisar a dinâmica de classes, ou seja, fazer uma análise marxista desses golpes e processos. Por exemplo, a construção de uma mitologia se deu logo depois da Segunda Guerra Mundial. Ela demorou muitos anos para ser reconstruída, e ainda está sendo reconstruída. A mitologia que afirma que uma vez que em países – França, Polônia, etc – enfim, países que ficaram ocupados por exércitos nazistas, a população resistiu, mas não teve sucesso devido à força extraordinária do exército nazista. Uma imagem idealizada que não corresponde à verdade e que poupa o fato de que não somente lideranças empresariais, mas setores importantes da população apoiaram e fizeram grandes negócios com o nazismo. E só nas duas últimas décadas que apareceram uma série de livros, pesquisas e obras cinematográficas que mostram como um setor importante da população apoiou a invasão nazista e se sentiu muito bem. No caso latino-americano também se vê que os órgãos de imprensa e a mídia que apoiaram o golpe militar, agora se referem àquele período como o período negro da ditadura militar, quando esses mesmos órgãos apoiaram naquele momento. E procuram algum e outro detalhe que os apresente como opositores, quando não foram opositores, ao contrário, foram colaboradores extremos, como o caso típico da Folha de São Paulo, ou da Globo, enfim. E também o apoio de setores importantes e grandes da classe media.

Falta falar tudo isso: em primeiro lugar que não foram golpes que suscitaram a oposição de todos, tiveram apoio interno, apoio quase total da burguesia, não houve nenhum setor do empresariado que se pronunciasse contra o golpe militar em nenhum desses países. E esse empresariado é o mesmo que temos atualmente, com pequenas mudanças. E em segundo lugar com apoio de setores e instituições. O que suscitou muitas polêmicas foi o apoio da igreja católica, que no caso argentino e chileno foi um apoio militante. A igreja católica chamou pelos golpes antes e depois apoiou, chegando no caso argentino a estar envolvida nos próprios extermínios. Isso suscitou grandes polêmicas para esclarecer qual tinha sido a atitude do atual papa diante da ditadura militar. Existiram exceções dentro da igreja, mas essas não estão vivas porque foram mortas. Portanto, o que falta para esclarecer é fazer uma história objetiva, que parta dessa dinâmica de classe, e que veja que foi um movimento de reação política. Não foram governos como nazismo ou fascismo italiano. Mas dizer que não eram regimes fascistas não significa que alguns traços do fascismo não estivessem presentes.

 

P - Há historiadores que desenvolvem o argumento de que o golpe no Brasil teria sido reação a um golpe que se preparava pela esquerda. Qual a sua avaliação?

R - É uma versão capciosa e mal intencionada. Uma revolução proletária, quando vitoriosa, se impõe através de um golpe. Derruba quem está no poder pela força. Logicamente no caso brasileiro essa possibilidade não existia. Não havia nenhuma revolução prestes a ser realizada no Brasil. O golpe de 64 foi o caso típico de um golpe preventivo. Mesma coisa pode se dizer do golpe militar argentino de 66 e até certa medida do golpe boliviano de 64. Já o golpe boliviano de 71 contra a assembleia popular – que proclamava abertamente a busca pelo poder -, o golpe chileno de 1973, o golpe uruguaio de 1973, o golpe peruano de 1975 e principalmente o golpe argentino de 1976 eram golpes contrarrevolucionários, ou seja, contra revoluções em andamento. Revoluções em andamento não significa que essas revoluções tivessem garantido a sua vitória, mas havia processos de mudança revolucionária em andamento. Diferentemente do golpe brasileiro, foram golpes contrarrevolucionários, não preventivos, por isso foram muito mais violentos, porque em geral o golpe preventivo faz uma repressão de caráter seletivo. Já os golpes da década de 70 não foram repressão de curto alcance e preventiva, foi repressão para destruir qualquer possibilidade de uma ação revolucionária. Obviamente tem as pessoas que falam que os militares agiram porque pensavam que ia se implantar uma ditadura comunista. Tudo bem, os militares podem ter agido por esse motivo ou qualquer outro. E fizeram uma ação política obviamente em função do que eles pensavam. Mas isso não é uma desculpa. O fato de pensar dessa maneira não lhe confere qualquer tipo de legitimidade para executar uma ação dessa natureza. Apresentar um golpe de direita e dizer que – como dizem um monte de jornalistas – os militares finalmente implantaram uma ditadura, mas que pior seria uma ditadura de esquerda, como na União Soviética. Essas pessoas evidentemente não são inteligentes e gostam de pensar como a classe dominante. Nos últimos tempos se acentua esse movimento e vemos uma inúmera quantidade de artigos – na Veja, na Folha de São Paulo – de jornalistas, até jovens, que defendem esse ponto de vista. Esse ponto de vista é completamente idiota e reacionário. Mas ao mesmo tempo é bem remunerado. Recebem por isso. E tem a grande imprensa facilitando para esse tipo de opiniões. Eles estão dizendo que uma revolução se apoia num golpe e instaura uma ditadura revolucionária. Mas isso não é nenhuma novidade, os revolucionários já afirmam isso desde o século XVIII. Afirmar que havia um plano sorrateiro... não havia nenhum plano sorrateiro. Aliás, as grandes revoluções da história não têm nada de plano sorrateiro, se fazem em momentos de aguçamento da luta de classes, em que as frações revolucionárias proclamam abertamente que o que é necessário nesse momento não é apenas uma mudança constitucional, mas uma verdadeira revolução. E afirmar que a implantação de regimes de caráter socialista na Argentina, Brasil e em qualquer dos países, teria resultado numa coisa semelhante à União Soviética não tem nenhum sentido. Tomamos o caso da revolução cubana... Cuba atualmente não é nenhum modelo político a ser imitado porque não há verdadeira democracia operária. Mas dizer que em Cuba houve um massacre da população semelhante àquele praticado por Stalin, que matou milhões de pessoas, é muito idiota. Essa teoria é uma vulgaridade completa, reacionária e de direita. E é dita por pessoas que citam autores que não leram, ou seja, pessoas incultas que disfarçam sua incultura com citações de terceira mão. Lamentavelmente o problema é que essas pessoas têm acesso à grande mídia e os verdadeiros historiadores e pesquisadores são lidos por poucas pessoas. Nós vivemos uma ditadura da burguesia, sob formas democráticas, não somente no aspecto social, mas no aspecto político, ideológico e cultural.

P - Os sindicatos, movimentos sociais e populares podem realmente ficar tranquilos de que “golpe nunca mais”?

R - Não. Em primeiro lugar, quando se afirma que golpe nunca mais quer dizer que governos militares como existiram naquele momento nunca mais, e provavelmente nunca mais mesmo. Mas não são esses únicos movimentos possíveis de reação política. Atualmente isso é impossível, mas por motivos muito concretos, em alguns casos se trata simplesmente da decadência, no caso do exército argentino que atualmente não ganharia uma guerra mais fraca. O ciclo militar nos últimos anos esgotou por um longo período histórico todo seu capital político, porque levou em geral todos esses países ao fundo do poço, não só cultural e político, mas também econômico. Os golpes militares da década de 60 ainda se apoiavam numa conjuntura de expansão econômica internacional. Os golpes militares da década de 70 não tinham uma conjuntura desse tipo, então deixaram não somente um saldo de mortos, presos e fuzilados, mas também um saldo de retrocesso econômico, de desindustrialização. A Argentina, por exemplo, depois do golpe militar nunca mais voltou a ser o país da década de 60, o país que tinha peso econômico, que ainda tinha o PIB superior ao brasileiro. Hoje o PIB argentino não supera o PIB de São Paulo. E o governo militar foi o grande responsável pelas políticas que levaram a Argentina a esse estado de coisas. A Argentina iniciou uma decadência histórica. Atualmente não há nenhuma possibilidade de golpe militar dessa natureza, porque não existem os fatores internos nem externos que possibilitem esse tipo de coisa. Em segundo lugar, os EUA estão apoiando golpes militares em casos extremos e com características muito peculiares, como um eventual golpe militar na Síria ou Líbia. Os EUA não estão em condições de impor sua lei a ferro e fogo como faziam na década de 60. Atualmente enfrentam uma crise econômica e política interna, e uma crise nas relações internacionais. Não pode se dar ao luxo de designar um ditador qualquer e dar ajuda para que imponha sua lei a ferro e fogo. Ou mesmo enviar tropas, como foi com o Vietnã. Podemos dizer que tanto pelas condições internacionais quanto pelas condições políticas internas, golpes militares clássicos daquele tipo são impossíveis. O que pode agora são golpes como o que houve em Honduras, ou seja, um golpe militar com apoio civil para que convoque eleições e através desse mecanismo eleitoral legitimar o presidente. Foi o caso também do Paraguai. E não devemos esquecer que tanto no caso de Honduras como no Paraguai os governos resultantes dessa dinâmica de golpe militar com eleições se alojam no poder com aprovação dos governos de esquerda da América latina, que não aprovaram abertamente os golpes, mas acabaram reconhecendo os governos oriundos das eleições posteriores a esses golpes. Portanto, atualmente, o imperialismo norte-americano mostra uma gama de possibilidades políticas maiores. Eles sabem que o golpe militar não é o único recurso. Os EUA desconfiam quando exércitos de países periféricos ficam muito fortes, porque podem se tornar independentes. Os EUA não gostam de governos reacionários que se tornam muito fortes, eles gostam de poder ter um controle um pouco mais político. Por isso se pode dizer que golpes militares desse tipo, de criação de ditaduras puramente militares, não estão na ordem do dia. O que não significa que os objetivos que esses golpistas defenderam nas décadas de 60 e 70 não continuam vigentes. Esses objetivos se impõem, mas por outros meios. Saudosistas da ditadura militar em geral são tão idiotas quanto os jornalistas. São cretinos, imbecis e têm memória fraca. São manifestações de pessoas que não têm credibilidade.

P - A essência golpista doutrinária das Forças Armadas se mantém. A gente observa, é óbvio que não é institucional, mas a questão da Dilma, que não é comunista... e no entanto pelas redes sociais é muito costumeiro imagens colocando-a como guerrilheira. Isso me parece que vem da formação doutrinária.

R - Enquanto houver exército permanente separado da sociedade com suas próprias normas o golpe militar é sempre presente. E não só na América Latina, mas também nos EUA. A possibilidade de um golpe militar, historicamente falando, continua presente. Na América Latina, na Ásia, África, nos EUA, na Europa. Os militares são uma casta e têm uma peculiaridade: a única casta que tem o direito de ter o monopólio da força pública. Então se tem uma casta com interesses diferenciados e ela tem o monopólio da forca militar é óbvio que em algum momento, seja por uma crise ou motivo que for, a tentação de se apoderar do poder vai aparecer. Não tem solução nesses termos. O que deveria ser destruído é a casta. Mas como fazer isso? Um processo revolucionário deverá pensar em criar outro tipo de instituição armada para cuidar das questões de segurança.

P - É um absurdo que em 31 de março ainda se comemore a revolução. Ou quando o governo lançou a comissão da verdade, que é capenga, os generais não baterem continência...

R - Mesmo na Argentina, onde os titulares foram condenados à prisão, mesmo assim se cultua as Forças Armadas. Onde a pessoa foi oficialmente condenada pelo Estado. Não há nenhuma formação política que resolva essa questão, porque o interesse material de casta continua sendo um fato incontornável. Uma coisa é dizer que não existem condições políticas, outra é dizer que não existem condições históricas. Isso é mentira. Existem todas as condições históricas. Porque enquanto houver exército com interesses separados de casta, sem nenhum tipo de democracia interna, e com monopólio do uso da força, a possibilidade de um golpe militar vai continuar existindo. Basta haver uma situação que propicie.

P - A lei antiterrorismo se analisada é mais grave que a lei de segurança nacional...

R - Pode ser, mas não se iguala à ditadura militar. Essa é uma lei proclamada por um governo civil, e ainda mais grave porque se diz de esquerda. É claro que é reacionário, embora não seja ditadura. O problema é sair das opções políticas a partir do tipo de regime político. O que tem que ver são os interesses de classe por trás. E para sair desse circulo vicioso só entendendo que a sociedade tem uma dinâmica determinada pelos interesses de classe e quem em última instância a história da humanidade continua sendo a história da luta de classes, porque o único caminho para acabar com a possibilidade de golpes militares é acabar com as condições estruturais que o permitem. No mundo em que vivemos, a condição estrutural que permite é o monopólio da força por parte de uma casta, e por outro lado uma situação na qual temos um monopólio mundial da força, porque os EUA tem um poder militar tão distante dos outros países como nunca se viu na história da humanidade. É uma batalha que está determinada pela luta de classes, e não por detalhes como o fato de ter um presidente negro ou secretária de Estado mulher. Isso foi apresentado como um grande avanço social e político. Essa secretária de estado mulher ameaçou jogar uma bomba atômica sobre o Iraque. É preciso uma revolução que acabe com o poder da burguesia e dos seus corpos armados.

Entrevista: Fritz R. Nunes

Foto: Silvana Sá (ADUFRJ)

Edição: Bruna Homrich e Fritz R. Nunes

Assessoria de imprensa da Sedufsm

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