Professor Julião relata perseguição sofrida na ditadura SVG: calendario Publicada em 17/04/14 18h35m
SVG: atualizacao Atualizada em 17/04/14 18h41m
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Docente aposentado da UFSM era sargento quando ocorreu o golpe de 1964

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Nascido a 5 de dezembro de 1934, mas registrado em 20 de dezembro daquele ano, Julio Cezar Colvero completará 80 anos no final de 2014. Aposentado do departamento de Administração da UFSM desde 2002, o professor Julião, como é mais conhecido, tem uma história vinculada ao Exército brasileiro e que se relaciona com episódios antecedentes e posteriores ao golpe de 1964. Natural de Santa Maria, Julio Colvero se formou na Escola de Sargentos (ESA) em Três Corações (MG), em 1952, fez a Escola de Especialização em Defesa Antiaérea em 1955 e estava lotado, na época do Golpe, no 2º GCan (Grupo de Canhões Antiaéreos de 90 milímetros, hoje 2º GAAAE), no bairro de Quitaúna, município de Osasco (SP). A unidade militar é a mesma em que serviu o então Capitão Carlos Lamarca, que aderiu à luta armada contra a ditadura no final dos anos 1960.

Ocupando o posto de 2º sargento nos idos de 1963/1964, Cezar (nome de guerra) foi preso várias vezes sob a acusação de “subversão” até ser definitivamente mandado para a reserva em dezembro de 1964, com a edição do primeiro Ato Institucional do regime, que era comandado pelo Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco. Ficou preso e “incomunicável” com outros sargentos, praças e suboficiais no navio ‘Raul Soares’, famoso por abrigar presos políticos no litoral paulista, junto à cidade de Santos, no período subsequente ao golpe. Muitos ativistas políticos e sindicalistas também estiveram encarcerados na embarcação.

Na percepção do professor Julio Cezar Colvero, a prisão dele alguns meses antes do golpe, ao final de 1963, já apontava para a conjuntura que estava instalada no país, em que os militares que haviam se manifestado publicamente, mesmo que no ambiente da caserna, em favor da legalidade constitucional para que o vice-presidente João Goulart (Jango) assumisse o governo após a renúncia de Jânio Quadros, ficassem marcados. Julião relata que, já em 1959, em um discurso feito em uma cerimônia de formatura, na qual havia sido escolhido orador, usara um tom nacionalista, contra a exploração da Amazônia por estrangeiros. E postar-se como nacionalista, naqueles idos, significava para os conservadores e de direita o mesmo que ser “comunista”, interpreta o professor.

A prisão

Em 3 de novembro de 1963, o Sargento Cezar, acompanhado de mais 15 outros militares, teve a prisão decretada. A motivação foi o resultado de um Inquérito Policial Militar (IPM) em que foi apontado como um “líder nato” e, por isso, representava uma ameaça de “sublevação” da tropa. O professor Julião ressalta que o juiz da Auditoria Militar, responsável pelas prisões, era José Tinoco Barreto, considerado pelo docente como o “elemento jurídico” do Golpe de 1964.

Depois de passar 45 dias preso em uma unidade militar, acabou respondendo o processo em liberdade e, já em princípio de 1964, foi inocentado, assim como outros companheiros. No caso do Sargento Cezar, a decisão do tribunal não deixou dúvidas: 5 a 0 pela absolvição.

Questionado sobre o porquê desse tipo de tratamento por parte dos superiores aos sargentos, professor Julião comenta que eram discriminados de uma forma geral, vistos como militares de segunda classe. Segundo ele, não possuíam assistência médica e odontológica, não tinham auxílio para moradia e eram criticados se buscassem estudar, fazer um curso superior. Naquela época, desde a patente de soldado até a de subtenente, eram considerados inelegíveis a cargos políticos.

A absolvição, todavia, não impediu que, poucos dias após o golpe, Julio Cezar Colvero, o Sargento Cezar, fosse preso junto com diversos outros militares. Depois de alguns dias passando por prisões diferentes, o destino acabou sendo o litoral de Santos, no navio Raul Soares, que era guarnecido pela polícia marítima. Lá, em função das condições degradantes, o professor Julião enfrentou fragilizações físicas e mentais, das quais guarda sequelas até hoje.

Na embarcação foram conduzidos para a terceira classe, que ficava próxima ao porão. O coturno chegava a afundar em meio à grande quantidade de BHC, inseticida usado para matar carrapatos, piolhos e até ratos, que na atualidade teve seu uso banido do país. Subiam ao convés somente para fazer a alimentação e quando iam tomar banho de sol. A visita de familiares, conforme decisão do juiz que conduzia o inquérito, era proibida, o que gerou uma mobilização das esposas dos presos.

Nas recordações menos traumáticas do professor Julião, o fato pitoresco de que aprenderam a pescar bagre pela escotilha do navio. Contudo, também faz parte de sua lembrança a convivência durante cerca de um mês com um colega de cárcere, o Sargento Onofre Pinto, que viria a integrar o grupo guerrilheiro Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Onofre era considerado um dos combatentes à ditadura mais importantes depois de Carlos Marighella e Carlos Lamarca. Onofre Pinto foi dedurado, acabou preso pelos militares e depois assassinado com requintes de crueldade.

No desenrolar do ano de 1964, antes do final do ano, a partir da edição do Ato Institucional do governo Castelo Branco, os militares que haviam sido presos por suposta sublevação e que tinham menos de 10 anos na corporação foram expulsos. Já os que tinham mais de 10 anos, como é o caso do Sargento Cezar, foram reformados (mandados para a reserva). No caso dele, foi aposentado com o correspondente a 14/30 avos da remuneração que recebia quando na ativa, o que se traduzia em um salário insuficiente para sustentar mulher e filhos.

O retorno a Santa Maria

Excluído do serviço ativo do Exército com um vencimento irrisório, Júlio Colvero procurou emprego em São Paulo, mas teve dificuldade. Acabou vendendo um imóvel que havia adquirido e retornou a Santa Maria com a poupança da venda. Aqui, nos primeiros anos, trabalhou como cobrador de dívidas. No ano de 1969, resolveu fazer vestibular para o curso de Administração, na UFSM. Concorrendo a uma vaga em 30 a serem disputadas, foi aprovado em 13º lugar.

A passagem pelo curso da UFSM não foi das mais fáceis. Um colega de aula, ao saber que Julio Colvero, na condição de sargento, havia sido preso pela acusação de “subversivo”, fez uma denúncia ao órgão de investigação ligado ao regime militar que havia dentro da universidade (ASI- Assessoria de Segurança e Informação). Naquele momento ele relata que teve apoios fundamentais para que o caso não seguisse adiante e assim pudesse se manter estudando.

Professor Julião destaca que os colegas de curso que atuavam no Diretório Acadêmico- Antonio Carlos Freitas Vale de Lemos e Renato Dias - bem como os professores Danilo Landó e Marco Aurélio Xavier, se posicionaram ao lado dele. Do Diretório Acadêmico, Julião recebeu um documento em que era considerado assessor da entidade, o que teve um significado especial em sua ficha acadêmica. Em 1972 conseguiu concluir a faculdade e ressalta, sem ter se envolvido politicamente em atividades que poderiam ser consideradas subversivas.

Já formado, foi convidado a dar aula em uma Faculdade de Administração em Três de Maio, passou por um estágio remunerado na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), o que acabou pesando favoravelmente em seu currículo profissional e, em 1973, participou de um concurso para professor Auxiliar na UFSM, tendo ficado em segundo lugar. Acabou nomeado como docente da instituição em março de 1974, tendo permanecido em atividade até 2002. Ao longo desse tempo fez um curso de especialização e de mestrado.

Reparação

Reformado com um vencimento irrisório, em 1964, Júlio Cezar Colvero só começou a ter uma reparação em 1979, após ser anistiado. Naquele momento foi promovido a 2º tenente. Já em meados do final da primeira década dos anos 2000 ocorreu a última e definitiva reparação, através da qual foi promovido ao posto de capitão com vencimento equivalente ao de major. Professor Julião recebeu valores correspondentes a uma espécie de indenização em virtude do período em que, se estivesse no Exército, teria sido promovido de patente e recebido uma remuneração correspondente a esse posto. O dinheiro, contudo, foi pago de forma parcelada.

Questionado em uma entrevista que vai ao ar nesta sexta, 18, no programa ‘D Docente’, às 19h, na TV Santa Maria, sobre a relação entre reparação econômica e moral, o professor Julião afirma que os danos morais e psicológicos jamais terão como ser reparados. Segundo ele, toda a sua família sofre os efeitos do extenso período de prisões e ameaças sofridas. Dos cinco filhos que possui, todos enfrentam ainda hoje sequelas psicológicas daquele período. E no caso dele, especificamente, que efeitos ainda são sentidos? Professor Julião admite que há dias que ainda chora quando lhe vem à mente tudo que passou.

Uma das últimas perguntas feitas a ele é se nós, brasileiros, podemos ficar tranquilos de que ditadura neste país, nunca mais. O professor Julião responde com um categórico “não”. Para ele, que já teve ficha no PDT, mas que hoje não está filiado a partido político, acredita que ainda corremos riscos de golpes, seja por visões extremadas à direita ou à esquerda.

Entrevista a Fritz R. Nunes

Fotos: Diosana Frigo

Assessoria de imprensa da Sedufsm

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