‘Cultura’ aponta atualidade do debate sobre memória e verdade SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 20/03/15 16h16m
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65ª Cultura na Sedufsm ocorreu na última quarta, 18

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“Será que um dia eu vou deixar de fazer de todo homem um torturador?”. O questionamento é da personagem fictícia interpretada por Irene Ravache, que, num diálogo com o expectador, problematiza sua vida após a tortura sofrida nos tempos da ditadura militar brasileira. Lançando mão de uma linguagem calcada na ironia, no sarcasmo e no desleixo com as formalidades, ela representa uma tentativa de síntese das mulheres que, tendo sentido a mão pesada dos militares, foram submetidas às mais diversas formas de violência. Tendo sido lançado em 1989, ‘Que bom te ver viva’ é um documentário que trata do tema sem distanciar-se historicamente desse, já que, naquele momento, o país ainda dava seus primeiros passos para longe da opressão do regime, findo quatro anos antes.

E na noite da última quarta-feira, 18, foi essa obra que orientou grande parte do debate na 65ª edição do Cultura na Sedufsm. Reunidos no auditório do sindicato, os participantes assistiram ao filme e, num segundo momento, formaram uma roda de discussão, em que foram abordados tanto aspectos próprios do período que se iniciou com o golpe em 1964, quanto a não responsabilização dos torturadores e a perpetuação de uma natureza opressiva e antidemocrática, herdada daquele período e presente até hoje na prática das polícias militares e na estrutura interna das universidades, por exemplo.

Bia Oliveira, docente do departamento de Direito da Ufsm, foi quem abriu a discussão, destacando elementos que, para ela, perpassaram todo o filme e são sintomáticos da carga subjetiva deixada nas militantes que se colocaram em luta contra a ditadura. Uma das questões por ela observada não se restringe às mulheres, mas a todos os combatentes daquele período: a culpa por terem sobrevivido ou terem dado informações aos militares. A professora acredita que, nisso, a própria esquerda tenha de fazer uma ‘mea culpa’, por ter punido – em muitos casos com a expulsão – companheiros e companheiras que não resistiram às sessões de tortura e entregaram informações sobre suas organizações. Em depoimentos do documentário, as mulheres relatam uma perversa associação entre prazer e culpa, sendo o primeiro considerado quase uma heresia.

Outro aspecto observado por ela, e esse enfoca as mulheres, é a maternidade como símbolo de resistência. Diversas das depoentes ou engravidaram ou tiveram seus filhos na prisão, e, de forma geral, todas encararam o nascimento como uma resposta à violência. “Mais do que o sentimento ‘é bom ser mãe’, é uma resposta de resistência, de dizer ‘eu estou viva e tem algo que me dará continuidade’”, diz Bia. Já Daniel Paim, jornalista e membro da associação civil Piazito, acredita que a maternidade, naquele contexto, tenha sido, talvez, a sustentação da sanidade naquelas mulheres. “Essa é a oitava ou nona vez que assisto e a cada vez é como se fosse um soco no estômago. Sempre me emociono de novo”, diz Paim, numa referência ao filme.

Memória x esquecimento

A dicotomia, lembrada pela professora Bia, também é algo que salta aos olhos na película. Para o presidente da Sedufsm, Adriano Figueiró, a forma como se lida com esse duro passado histórico no Brasil e em outros países da América Latina – cujas trajetórias também incluem regimes totalitários – é substancialmente diferente. Se em países como o Chile, por exemplo, a memória é constantemente resgatada e as disputas entre defensores e opositores da ditadura de Pinochet dão-se até hoje, no Brasil antigos torturadores caminham sem quaisquer obstáculos e, são, inclusive, saudados.

“Estamos perdendo completamente a memória. Nem acertamos a conta com nosso passado e já parece que o superamos. A universidade até hoje não conseguiu estabelecer sua comissão da verdade, nem abrir espaços para as pessoas discutirem seu estatuto – ainda do tempo militar. Não conseguimos debater reforma política”, diz Figueiró.

Nesse resgate da memória, a educação deveria cumprir o papel fundamental de atuar para que os anos de regime não sejam motivo de saudosismo por parte de jovens cujos nascimentos, muitas vezes, foram posteriores à própria reconquista da democracia. Tais jovens foram parte daqueles que saíram às ruas no último dia 15 de março, por exemplo, reivindicando o impeachment da presidente Dilma Rousseff e a intervenção militar no país. É o que pondera o pró-reitor adjunto de Extensão, Ascísio Pereira, e traça um comparativo entre as escolas judaicas e as brasileiras: enquanto nas primeiras a lembrança do holocausto está sempre presente – num esforço de lembrar para que não se repita -, no Brasil isso não acontece com o período da ditadura.

Ele conta que, embora nascido um ano depois do golpe, só foi descobrir que vivia num regime ditatorial 15 anos depois, quando tomou contato com a militância em movimentos sociais. “Então as pessoas vítimas de tortura deixaram de ser para mim uma abstração e passaram a ser reais”, diz Pereira. Como um exemplo da impunidade que ainda impera no país, ele cita alguns vídeos dos atos do último dia 15, não divulgados pela grande mídia. Um deles mostrava o discurso de um torturador do DOPS na Avenida Paulista. O sujeito fora saudado como herói pelos demais manifestantes – muitos desses, jovens.

Uma tarefa de gerações

Bia Oliveira acredita que, não obstante os esforços da Comissão da Verdade, pouco avançamos no acerto de contas com esse trecho de nosso passado. “É uma tarefa ainda de gerações. É uma dívida que temos de reconstituição interna no país. Avançamos pouco nisso, e ainda houve retrocessos, se olharmos os discursos por aí”, diz a professora, que ainda problematiza uma questão: será que um novo golpe é de tanto interesse assim? Para ela, não, pois hoje já há mecanismos por dentro do Estado capazes de dar verdadeiras manobras institucionais, do que foi exemplo a destituição do ex-presidente paraguaio, Fernando Lugo, em 2012.

A edição do Cultura na Sedufsm foi uma parceria do sindicato com a Pró-Reitoria de Extensão (PRE) e a ‘Piazito Arte e Cultura’, associação civil sem fins lucrativos que responde pelo Festival Nacional de Cinema Estudantil. A exibição de ‘Que bom te ver viva’ constou da programação da 9ª Mostra de Cinema e Direitos Humanos do Hemisfério Sul, evento elaborado pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos em conjunto com o Ministério da Cultura.

Texto e fotos: Bruna Homrich

Assessoria de Imprensa da SEDUFSM

 

 

 

 

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