Luta e comoção nos três anos da tragédia SVG: calendario Publicada em 28/01/16 19h09m
SVG: atualizacao Atualizada em 30/01/16 17h00m
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Ato público, debate, shows musicais e culto ecumênico marcaram o dia 27 de janeiro

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Confira, ao final da matéria, reportagem em vídeo sobre as atividades dos 3 anos da Boate Kiss)

Homenagem e luta. Essas duas ações, de naturezas aparentemente tão distintas, assumem, desde 2013, em Santa Maria, um caráter de comunhão. E foi dessas duas vontades que a Praça Saldanha Marinho encheu-se na última quarta-feira, 27 de janeiro, data que marcou os três anos da maior tragédia do Rio Grande do Sul: o incêndio na boate Kiss, onde 242 jovens perderam suas vidas. A dor de pais, familiares e amigos que perderam pessoas queridas na noite mais triste de nossa cidade mescla-se – não de forma contraditória, mas extremamente coerente – à luta por justiça para essa tragédia que, muito embora figure entre as maiores do país e tenha alcançado os noticiários internacionais, ainda carece de punição.

Mesmo que não seja possível separar esses dois polos, pode-se dizer que no início da tarde o sentimento que prevaleceu foi o da luta. Por volta das 16h, uma mesa fora montada no centro da praça e alguns ativistas sociais foram chamados para debater acerca da carência de espaços de lazer e cultura para a juventude. Organizada pelo XXI Encontro Nacional de Estudantes de Geografia (ENEG), a atividade trouxe um mote de relação direta com a tragédia, visto que, com a omissão do poder municipal em fomentar espaços públicos, gratuitos e seguros para os jovens, as casas noturnas privadas surgem como algumas das únicas opções possíveis de divertimento.

Nei D’Ogum, militante do movimento negro de SM e um dos membros da mesa de debates, diz que a indignação e a solidariedade que presta às vítimas do incêndio também são reservadas às mortes, cada vez mais frequentes, de jovens da periferia. Ele explica que em Santa Maria e no restante do Brasil jovens de 19 a 24 anos são assassinados todos os dias, porém a grande mídia, além de sufocar a insatisfação coletiva, divulga uma resolução fácil para esses crimes: ‘bandido bom é bandido morto’. Para Nei, não é possível banalizar ou naturalizar a morte desses jovens. “25% dos homicídios que aconteceram em 2015 foram na zona oeste. Precisamos de políticas sociais”, diz o militante. E no hall de políticas das quais Santa Maria carece, está, justamente, a utilização dos espaços públicos para que essa juventude possa conhecer a cidade e fazer pleno uso de seu espaço.

A própria praça Saldanha – local onde ocorrera a mesa de debate – foi utilizada como exemplo de um espaço público sendo jogado nos braços da iniciativa privada. “Enquanto na periferia não temos áreas de lazer, a prefeitura investe um montante expressivo no Natal Luz (nos meses de novembro e dezembro de 2015) e impede artistas populares locais e o próprio movimento negro de usar a praça para suas manifestações”, critica Nei, que também lembra a criminalização ocorrida todos os anos na época do início das aulas na UFSM, quando os jovens usam a praça Saturnino de Brito para confraternização. Outra praça, a dos Bombeiros, também foi lembrada por ele, já que no local, há três anos, ocorre vários eventos, dentre esses a ‘Batalha dos Bombeiros’, para a qual se deslocam vários jovens da periferia da cidade. “Não pedimos licença, ocupamos este espaço, pois ele é público”, diz.

Precisamos de uma resposta

Carina Corrêa, mãe de uma das vítimas da boate – Tanise Corrêa – e integrante do Movimento Santa Maria do Luto à Luta, também fez parte da mesa de debate e historicizou um pouco da luta que vem sendo travada desde 2013 para que se apontem os responsáveis pela tragédia de 27 de janeiro. Ela conta que a filha, estudante de Filosofia da UFSM, era bastante engajada em assuntos políticos. “Aprendi muito com ela”, diz Carina, lembrando que, além das 242 vítimas fatais, há cerca de 600 sobreviventes que lutam, diariamente, com problemas decorrentes daquela noite. “Jovens de 20 anos, como vocês, que estão com 70% do corpo queimado e que, quando chegam ao Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), não encontram um pneumologista, por exemplo”.

Ela conta que a primeira batalha travada foi contra a prefeitura de Santa Maria, que nunca abriu uma sindicância para investigar o que ocorreu, de fato, naquela noite. Depois, o embate foi contra o Ministério Público (MP), órgão que, em sua análise, deveria estar junto à população, porém, fechou os olhos para tudo que ocorreu. Em virtude dessa série de omissões e obstáculos encontrados, o Movimento Santa Maria do Luto à Luta protocolou petição junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos. “Eu preciso dormir com uma resposta. Preciso saber porque minha filha saiu de casa e não voltou. Quero saber que a morte da minha filha não foi em vão. Queremos justiça”, diz a mãe, que explica, também, o engajamento do Luto à Luta com outros movimentos e pautas sociais. “Querem esconder nosso movimento, mas não temos medo do palacete rosa (prédio da SUCV), nem do MP”, conclui.

Quem também participou da mesa de debates foi Ana Justine, representante do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM). “Não lutamos só por moradia, mas também por lazer e segurança. Somos jovens e queremos espaço. Somos da periferia e queremos ocupar o centro. A gente quer justiça. A gente quer cultura”.

Encerrada a mesa, o microfone foi aberto para manifestações do público presente. Loiva Chansis, da coordenação da Assufsm, diz que não é possível que o poder público torne invisível essa tragédia. “Nessa cidade, quem dita as regras é uma minoria. Não dá para ficarmos calados diante de tanta impunidade. Vamos continuar lutando até que se tenha justiça nesse espaço”, disse a dirigente.

Antonio Carlos, que acompanhava o debate, usou do microfone para revelar toda a insatisfação com a gestão municipal, dando o exemplo da desvalorização e precarização imposta aos professores. “O Schirmer deveria estar preso há muito tempo”, diz.

Matheus Luan Klein, representante do DCE-UFSM, também fez uso da palavra e denunciou o abandono de espaços públicos como o parque Itaimbé, o Bombril e a Gare. Também criticou o fechamento da boate do DCE – realizado pela prefeitura pouco tempo antes da tragédia. “A juventude quer viver e ser ouvida”.

Decepção com a justiça 

Sérgio Silva, presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de SM (AVTSM), explica que já encaminhou ofício ao Congresso Nacional, à Câmara de Deputados, ao Conselho Nacional do Ministério Público e até à presidente Dilma, contudo, não teve retorno. “Com a decepção, a desvalorização da vida e das responsabilidades sociais, nós perdemos nossas referências. Os movimentos sociais nos dão força. Se a gente não se apoiar neles, a gente vai fazer o quê? Se juntos já estamos gritando e não conseguimos, imagina se estivéssemos sozinhos”, diz Silva.

Natiéle Henrique, integrante do Luto à Luta, era amiga de quatro meninas que morreram na boate. Para ela, a luta será demorada, pois a justiça é lenta no Brasil. “Que a juventude possa ter mais liberdade e mais espaços para poder ir num lugar com segurança e se divertir com os amigos. Que o pessoal tire muita lição disso, que as pessoas realmente não esqueçam porque a juventude sai, a juventude se diverte e é uma coisa que é natural, não se pode bloquear isso. Então, que eles possam fazer isso, mas que tenham segurança. Isso aí é para o futuro, para os meus filhos, meus sobrinhos, para todo mundo”, reflete a jovem.

Ato público pede justiça         

Após o debate na praça, foi realizado um ato público que percorreu algumas ruas centrais da cidade. Com o mote ‘Vem para a rua pela justiça’, os manifestantes realizaram intervenções artísticas no Viaduto Evandro Behr, dentre elas uma que apontava ‘3 anos de impunidade’, enquanto outra dizia: ‘Descanse em paz, meu irmão’.

Quando o ato encerrou, iniciou na praça o show de artistas solidários à luta por justiça e que, através da música, colaboraram com o dia 27, naturalmente pesado e doído. Os músicos que se apresentaram na praça foram: Tiane Tambara, Preto Cardoso, Will Bitencourt, Janu Uberti, Banda Porvenir, Marcelo Massário, Jean Oliveira e Banda De Alma Gaúcha.

Para Gregório Mascarenhas, membro da Porvenir, a música também é um discurso político. “A gente buscou selecionar músicas que tenham alguma mensagem que dialogue minimamente com a questão da tragédia, com a solidariedade, com a união para a luta. E bom, em relação aos espaços públicos, nas vezes em que tocamos em alguns bares, percebemos como a juventude é meio que encarcerada em locais fechados, nem sempre seguros, justamente porque é a única opção de lazer que tem. E as pessoas vão querer se divertir, vão querer sair de casa numa sexta-feira de noite, e se não tem uma opção segura, elas vão para esses lugares nos quais a força do dinheiro fala mais alto que a segurança das pessoas. Essa é a grande questão. O lazer é uma mercadoria e os donos dessa mercadoria tentam baratear o máximo dos custos e acabam pecando na segurança, entre várias outras questões”, analisou o músico.

À noite, muita comoção

Enquanto o dia pendeu mais para o tom crítico ao poder público, a noite reservou muita comoção. Se teve um momento em que a dor não vacilou em se mostrar foi aquele em que as fotos das 242 vítimas eram mostradas no telão e, a cada jovem que passava, um número era contado, acompanhado de uma balada de sino.

Após o momento talvez mais pesado do calendário de atividades – iniciado na madrugada do dia 27, com vigília em frente à boate, leia aqui -, um culto ecumênico deu fim à programação de três anos da maior tragédia de Santa Maria.

Texto: Bruna Homrich

Fotos: Rafael Balbueno

Assessoria de Imprensa da Sedufsm

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