LDB, 20 anos depois: “uma colcha de retalhos” SVG: calendario Publicada em 04/02/16 18h17m
SVG: atualizacao Atualizada em 05/02/16 11h28m
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César Minto, professor da USP, analisa reflexos atuais da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

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Em 20 de dezembro de 1996 surgia a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), efetivada como Lei nº 9394, e cuja intenção era nortear o sistema educacional brasileiro. A LDB surge, não a partir dos debates e elaborações que haviam ocorrido em todo o país, entre sindicatos e entidades ligadas à educação, mas tendo como base uma proposta do então Senador Darcy Ribeiro (PDT-RJ), com o apoio do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O movimento docente vinculado ao ANDES-SN chegou a promover uma greve contra a aprovação da LDB Darcy Ribeiro, mas sem alcançar o objetivo, que era a retirada do projeto, que acabou sendo aprovado pelo Congresso Nacional.

No final deste ano, a LDB completa duas décadas de vigência, ainda sob o efeito de polêmicas em seu conteúdo. A assessoria de imprensa da Sedufsm entrevistou o professor César Augusto Minto, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), atual presidente da Adusp e 1º Vice da Regional São Paulo do ANDES-SN. Na época dos debates sobre a LDB, Minto era professor da Universidade Federal de São Carlos e atuava nos debates por meio da Associação Nacional de Educação (ANDE). César Minto também tratou do assunto em sua tese de doutorado (1996), cujo título foi “Política educacional e cidadania virtual”. Acompanhe o depoimento do professor, que analisa alguns impactos negativos da LDB sobre a educação e sobre a universidade. Minto considera que, após a aprovação de diversas alterações na lei, a LDB hoje é uma verdadeira “colcha de retalhos”.

Pergunta- A LDB que foi transformada em lei é oriunda do projeto do então senador Darcy Ribeiro (PDT). Contudo, não era o projeto que tinha sido elaborado com base no debate junto à sociedade e entidades ligadas à educação. Naquele momento histórico, entre 1995 e 1996, o movimento docente chegou a realizar uma greve contra o conteúdo da LDB Darcy Ribeiro. Por que a derrota naquele momento?

Resposta- Na verdade, o governo FHC e as forças políticas que lhe davam sustentação usaram o senador Darcy Ribeiro, durante os anos de tramitação do projeto de LDB, para aprovar um texto mais “enxuto”, como diziam na época, e mais ao gosto dos setores neoliberais, mas é inegável que o mesmo teve que contemplar alguns aspectos do projeto de cunho social defendido pelas entidades ligadas à educação naquele momento histórico. Os embates foram muito intensos, cabendo lembrar a polarização que se expressou entre o senador (Darcy Ribeiro) e Florestan Fernandes, que lutou por uma LDB socialmente referenciada. Além disso, qualquer balanço crítico que hoje se faça sobre os processos de elaboração e tramitação da LDB não pode ignorar que em meados dos anos de 1990 estava sendo gestada, em gabinete, a dita “Reforma do Estado”, capitaneada por Bresser Pereira, então ministro da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), cujos eixos principais foram (na realidade são, porque ela está em plena implantação atualmente) privatização, terceirização e publicização, que deixaram marca indelével na Lei 9394/96 – LDB e nas políticas adotadas desde então para a área.

P- Qual o balanço que se pode fazer da LDB, após duas décadas?

R- Muitas leis modificaram a LDB em vigor ao longo desses vinte anos; algumas interessantes, outras nem tanto – do ponto de vista social. Por exemplo, a Lei n° 12.796/2013 aprimorou o inciso VIII do Art. 4° da LDB: “atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde”, o que é positivo; contudo, a Lei n° 12.061/2009 modificou o Art. 10 da LDB, mencionando “oferecer, com prioridade, o ensino médio a todos que o demandarem” em claro desrespeito ao direito de todos (grifos nossos) a educação básica de qualidade (educação infantil, ensinos fundamental e médio), o que é questionável, pois o leitor há de convir que todos que o demandarem é muito menos do que simplesmente todos. Grosso modo, considerando que vivemos num sistema representativo, ao longo desses vinte anos os Executivos se sobrepuseram aos Legislativos, sendo que a correlação de forças nas casas legislativas não tem permitido avanços sociais significativos. Ademais, vários setores sociais outrora progressistas têm se comportado como se os governantes que os representam realizassem o que é viável no contexto, de modo que qualquer crítica a eles é entendida como tentativa de golpe a quem foi eleito, o que faz jogar “lenha na fogueira” por parte daqueles que se sentem traídos por tais governantes. Em síntese, a LDB tornou-se uma “colcha de retalhos”, que dificulta aos cidadãos comuns conhecerem-na e criticarem sua pertinência, buscando modificá-la.

P- Quais os impactos da LDB para a educação como um todo?

R- Sem dúvida, a LDB impacta toda a área da educação, mas cabe lembrar que ela tem sido modificada ao longo dos anos por várias leis, cujos conteúdos são em seguida incorporados à LDB, lei maior da área. Assim, não é só ela propriamente dita que impacta a educação. E, se por um lado, houve alguns avanços, como o citado na resposta à segunda questão, por outro lado, até hoje a LDB e outros instrumentos legais correlatos continuam repetindo à exaustão a expressão “em regime de colaboração”, por exemplo, em seu Art. 8°: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino.”, que nada mais expressa do que uma potencial intenção, se é que se deseja mesmo a construção de um Sistema Nacional de Educação (SNE), por meio da adoção de políticas que respeitem o direito de todos à educação, considerando as enormes diferenças encontradas num país continental como é o Brasil. Quer me parecer que o tratamento dado a esta questão deveria ser semelhante ao que ocorre com a Lei de Responsabilidade Fiscal (independentemente de concordarmos ou não com a mesma...); é preciso evitar a alegação de que a União não pode obrigar as demais esferas administrativas – Estados, DF e Municípios a construírem– o SNE, pois elas são autônomas. A legislação pode fazer isto!  

P- E para a universidade, quais os reflexos da LDB?

R- Assim como já dissemos anteriormente, também para as universidades a LDB trouxe impactos. Citarei apenas alguns, a título de exemplo. Apesar de o Art. 56 da LDB prever que as “...instituições públicas de educação superior obedecerão ao princípio da gestão democrática...”, o parágrafo único que o acompanha define que “...os docentes ocuparão setenta por cento dos assentos em cada órgão colegiado e comissão, inclusive nos que tratarem da elaboração e modificações estatutárias e regimentais, bem como da escolha de dirigentes.” Há aqui um duplo questionamento: 1) as instituições privadas não precisam ter gestão democrática?; 2) a previsão de 70% de docentes em todos os colegiados não fere a condição democrática? Penso que âmbas não se justificam por meio de argumentos academicamente convincentes. Foquemos agora uma omissão no texto da LDB: a previsão de destinação perene de recursos regulares às instituições públicas de educação superior, de acordo com suas necessidades, por óbvio devidamente fundamentadas; isto faz com que, e raríssimas são as exceções que confirmam a regra, as universidades públicas tenham muita dificuldade de planejar suas atividades-fim, porque não sabem com quais recursos poderão contar, vigindo o sistema de “pires na mão”, a cada exercício, frente ao Executivo de plantão.

Entrevista: Fritz R. Nunes

Foto: Arquivo/Sedufsm

Assessoria de imprensa da Sedufsm

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