Contrarreformas empurram educação pública a setor privado, aponta debate SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 30/03/17 16h43m
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Roda de conversa ocorreu no auditório Suze Scalcon da Sedufsm

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Organizado pelo comitê do Encontro Nacional de Educação [ENE] em Santa Maria, o debate “Ensino público e gratuito: na pauta da contrarreforma da educação”, realizado na última terça, 28, visou trazer concepções diversas sobre as investidas que atingem hoje a educação, em todos os seus setores. Como sínteses da atividade, o fortalecimento da mobilização, da unidade e a construção da Greve Geral no Brasil.

Um dos temas que permeou a roda de conversa foi a Proposta de Emenda à Constituição [PEC 395/14], que permitia a cobrança de mensalidades em cursos de pós-graduação lato sensu [especializações e MBA - Master Business Administration] e em cursos de extensão. A proposta foi recebida com severas críticas pelo movimento sindical docente, que se mobilizou e, assim, fez barrar o retrocesso: um dia após o debate - ou seja, na última quarta, 29 -, o Plenária da Câmara dos Deputados rejeitou, por insuficiência de votos, em segundo turno, a PEC 395. Assim, a matéria será arquivada. Leia mais aqui

Embora derrotada na Câmara, a ideia da PEC vem contida, também, em outros projetos que tramitam. Uma ideia de autossuficiência financeira das universidades, como destacou o professor Adriano Figueiró, do departamento de Geociências da UFSM e atual conselheiro da Sedufsm. Tendo integrado a mesa de debate, ele lembrou que a PEC foi apresentada pelo deputado Alex Canziani (PTB-PR), em 2014.

Talvez não seja coincidência o fato de, na lista dos financiadores da campanha do parlamentar, figurarem grupos econômicos ligados a universidades privadas, como a Kroton [maior empresa privada brasileira de educação] e a Unicuritiba, centro universitário privado da capital paranaense. Não seria de estranhar, então, a defesa de uma PEC que visava escancarar as portas da universidade pública à lógica privada, especialmente em cursos cujo foco é a formação e qualificação da força de trabalho. Segundo Figueiró, a proposta abria brecha para que empresas encomendassem cursos à universidade, utilizando mão-de-obra, estrutura e chancela públicas. 

“Para nós, o que isso [PEC] representa é uma absoluta perda de autonomia, pois quem paga a banda escolhe a música”, diz, referindo-se ao financiamento privado nas universidades e o consequente atrelamento da formação às necessidades do mercado. Associando o contexto brasileiro àquele vivenciado em outros países, o docente cita o documentário “Torre de Marfim”, que mostra a realidade das universidades norte-americanas, hoje transformadas em mecanismos de acumulação do capital.

“O momento é de unidade”, observa, defendendo, também, a necessidade de uma disputa à esquerda no campo da comunicação, a exemplo de jornais unificados que consigam fragilizar a hegemonia dos grandes oligopólios midiáticos.

Um olhar da educação básica

Outro participante da mesa de debate foi o professor Paulo Merten, diretor do Sinprosm [Sindicato dos Professores Municipais de Santa Maria]. Ele lançou luz sobre algumas contrarreformas que atingem diretamente a educação básica, tais como a contrarreforma do Ensino Médio e o projeto Escola sem Partido.

Quanto à primeira, ele diz que fere a LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação] pois, em seu artigo 205, a lei nacional prevê que a função da educação seria a formação para a cidadania e a qualificação para o trabalho. Contudo, a contrarreforma do Ensino Médio intentaria formar uma mão-de-obra precarizada para o mercado e, fazendo um exercício de reflexão atenta, pode-se facilmente articular tal reforma com a Lei das Terceirizações. Ambas estariam “rifando a nossa juventude”, assegura o professor.

Já o projeto Escola sem Partido, além de ferir o princípio de educação para a cidadania, naturalizaria as relações de opressão a partir da defesa de uma ideologia da “neutralidade”.

Aspecto ressaltado também por Merten foi o financiamento da educação. Ele lembra que o governo de Fernando Henrique Cardoso [FHC] vetou a aplicação de 10% do PIB [Produto Interno Bruto] na educação pública e, durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva, tal veto não foi retirado. “Nunca houve uma transferência tão grande de verbas públicas para o ensino privado”, diz, ressaltando que as reformas em curso não são novas, apenas vêm se acirrando. “Estamos matando as minorias”, conclui o dirigente.

Quanto às lutas travadas pelos professores municipais de Santa Maria, ele comenta a atitude “imperial” e “arrogante” que a prefeitura de Cezar Schirmer adotou em relação à categoria. “Agora ele está alçado ao governo do estado”, diz, e complementa: o atual prefeito, Jorge Pozzobon, até o momento também não sinalizou nada aos educadores. “É incompreensível que a Lei do Piso não seja aplicada nas escolas. Agora, com a PEC 55, isso toma uma distância quimérica”.

Outro projeto destacado pelo professor foi a contrarreforma da Previdência, caracterizada por ele como uma das maiores expropriações do mundo, já que tira dos trabalhadores para conceder à classe dominante. Hoje, dado o desgaste da profissão, os professores da educação básica podem se aposentar mais cedo que os demais trabalhadores. Com o desmonte da Previdência arquitetado pelo governo de Michel Temer, tal benefício cai por terra. Merten lança, então, uma reflexão: será que ocorrerá a extinção da aposentadoria especial para os professores ou a extinção da própria categoria de professores?, já que, em tais condições, o caminho será ainda mais difícil aos educadores.

Para ele, a derrota desses projetos passa, necessariamente, pela articulação das lutas e deflagração da Greve Geral brasileira, marcada para o próximo 28 de abril.

Projeto amplo

É necessário visualizarmos todas essas contrarreformas em curso como integrantes de um projeto mais amplo. Um projeto que, concatenado nos níveis federal, estaduais e municipais, é o responsável, ao mesmo tempo, pela falta de merenda nas escolas, pela cobrança de mensalidades na pós-graduação pública e pela Lei das Terceirizações, por exemplo. Quem salientou essa relação foi Caroline Roque, também integrante da mesa de debate da terça-feira. Ela, que representou o Diretório Acadêmico do Centro de Educação [DACE] e o coletivo Alicerce, citou as universidades USP [Universidade de São Paulo] e UERJ [Universidade Estadual do Rio de Janeiro] como expoentes da política que vem se querendo aplicar nas universidades.

A USP, comenta a estudante, diz viver uma crise orçamentária, já tendo instituído dois programas de incentivo à demissão voluntária que resultaram na demissão de mais de 4 mil trabalhadores técnico-administrativos em educação (TAEs). Medidas como a expulsão do sindicato docente [Adusp] do campus e o cerceamento político a espaços de organização estudantis também foram verificadas na instituição, que contratou uma empresa de consultoria norte-americana para ajudar a “gerir” o orçamento público. Já se fala na necessidade de cobrança de mensalidades para que a universidade siga com suas atividades.

Já a UERJ acumula uma dívida de R$ 360 milhões e também tem apontado como saída a cobrança de mensalidades daqueles estudantes detentores de rendas mais altas.

Essa tentativa de tornar as universidades “independentes” do fundo público vem desde 2004, diz Caroline, quando foram aprovadas a Lei de Inovação Tecnológica e as parcerias público-privadas na universidade, levando os professores a “correrem atrás” das empresas para captarem verbas a seus grupos e projetos.

Alinhada a esse cenário, a aprovação de um Plano Nacional de Educação [PNE] elaborado pelo grupo “Todos pela Educação”, representante de grandes empresas. No texto aprovado à revelia das proposições trazidas pelos movimentos sociais, firmou-se a destinação de 10% do PIB tanto para a educação pública quanto para a privada, até o ano de 2023.

Todos esses projetos estão associados, porque, como questiona a estudante: “De que educação necessita um país com milhares de terceirizados daqui a alguns anos?”.

Ao refletir sobre os caminhos reservados aos trabalhadores, Caroline avalia que a resistência tem sido, ainda, insuficiente. Mas, no último 15 de março, Dia Nacional de Lutas, ela acredita ter sido possível fazer o governo recuar um pouco, tendo jogado a aprovação da contrarreforma da Previdência para mais adiante. E as próximas etapas da mobilização são os dias 31 de março (Dia de Lutas) e 28 de abril (deflagração da Greve Geral).

Negligência com a educação do campo

Representando a Rede de Comunidades Autogestionárias, Eduardo Moreira também esteve presente à mesa de debate e ressaltou a negligência histórica com a educação do campo. Inclusive, ele aproveitou para fazer uma diferenciação entre educação no campo e educação do campo. A primeira, diz o educador, deriva de uma visão estatal que visa unicamente à preparação da mão-de-obra e ao esvaziamento do espaço rural. Já a segunda concepção foi elaborada em 1998, durante o 1º Encontro de Educadores da Reforma Agrária, e trata do resgate de saberes do campo e da criação de um projeto pedagógico a partir da realidade vivenciada no espaço rural, assegurando a permanência das comunidades no campo.

O que ocorre, criticou Moreira, é que a educação do campo não vem sendo diferenciada da educação pública básica geral. E, para além disso, as poucas escolas do campo existentes são ameaçadas, cotidianamente, de fechamento. Só esse ano, a SEDUC [Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul] decretou o fechamento de 318 escolas, sendo que 4 desses já ocorreram no mês de janeiro. Como exemplo de escola não fechada graças à resistência da comunidade, ele destacou a unidade escolar do Assentamento Madre Terra, localizada na área rural de São Gabriel. Com protestos e ações diretas, foi garantida a permanência da escola.

“É uma falácia dizer que a educação do campo foi construída institucionalmente. Todas as conquistas que tivemos foram ‘arrancadas’ dos governos com luta”, diz Moreira, que comenta, ainda, a situação de assentamentos que possuem escolas provisórias há 10 anos. Construídas inicialmente para funcionarem, em condições precárias, apenas por um período, há unidades que já se alongam no tempo, não garantindo, assim, a estabilidade e a estrutura mínima, inclusive para comportar mais crianças e jovens.

Aberração Jurídica

Patrick Borges Ramires, diretor da Associação de Pós-Graduandos [APG] de Santa Maria e estudante de Direito na UFSM, diz que a PEC 395 era uma “aberração jurídica”, pois destruía a ideia da gratuidade na pós-graduação pública, ferindo o tripé ensino-pesquisa-extensão.

“Que pessoas teriam acesso a essas pós pagas? Como ficaria o pensamento crítico dentro das universidades? Que extensão seria trabalhada e quem a acessaria?”, questiona o estudante, para quem tal PEC não vinha dissociada, por exemplo, do projeto da Terceirização, responsável também pelo ataque à universidade, já que libera a terceirização tanto nas atividades-meio quanto nas atividades-fim.

Outros debates que vêm sendo pouco realizados no âmbito da pós-graduação, ressalta Ramires, é a questão do acesso e da permanência (ambos prejudicados pela PEC), e as cotas, bandeira de luta que ele avalia como imprescindível de ser trazida mesmo em momentos de retrocesso.

O estudante acredita que vivemos um período de apatia política, em que as pessoas e movimentos sociais temem pela criminalização crescente dos setores combativos. “É preciso ocupar espaços públicos e reinventar nossos modos de ação”, defende.

Os organizadores do debate da última terça, 28, convidaram, também, o reitor Paulo Burmann para participar da mesa. Contudo, a gestão respondeu que nem o dirigente, nem outro representante da Administração Central, poderiam estar presentes.

 

Texto: Bruna Homrich

Fotos: Fritz Nunes e Ivan Lautert

Assessoria de Imprensa da Sedufsm

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