Análise da crise política brasileira - IV SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 26/07/17 17h34m
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Uma crise institucional que a atual ordem política e jurídica não dá conta, diz Coggiola

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Coggiola: eleições diretas para Presidente mantendo o atual Congresso seria ‘piada sinistra’


A crise econômica mundial de 2008 não foi extirpada e se transformou em crise dos regimes políticos e até em crise institucional, sem falar na continuidade e aprofundamento de guerras não declaradas. Dessa forma, a crise brasileira não chegaria a ser atípica, mas sim integraria um conjunto de crises que tem afetado diversos países da América do Sul, e mesmo em outros continentes. A avaliação é do economista e professor de História Contemporânea da Universidade de São Paulo (USP), Osvaldo Coggiola, que também milita há muitos anos no sindicalismo docente. Coggiola será o quarto e último a falar na série de entrevistas “Análise da crise política brasileira”.

Perguntado sobre a tese de convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, o professor de História ressalta que a alusão a essa saída demonstra que o país se encontra em meio a uma crise institucional, sem que a atual ordem politica e jurídica vigente consiga dar conta do que estamos vivenciando. Coggiola defende que “os trabalhadores precisam de uma bandeira para intervir de imediato na crise política”. E essa intervenção precisa ser contra todas as saídas que ele considera como “reacionárias e antidemocráticas”. O historiador entende que “está na hora de lutar por uma Assembleia Constituinte de refundação da República, livre, soberana e democrática, sem cláusulas de proscrição e sem Congresso biônico dos corruptos do grande capital”.

Acompanhe, abaixo, a íntegra da entrevista com o professor Osvaldo Coggiola, em que ele toca em aspectos como as eleições diretas, a (i)legitimidade das contrarreformas do governo Temer e sua base no Congresso Nacional, bem como avalia o discurso governamental que vincula a permanência do atual governo ao fato de supostamente estar ocorrendo uma superação da crise econômica.

Sedufsm- Vivemos uma conjuntura atípica. Em três anos após a eleição presidencial de 2014, uma chefe do Poder Executivo caiu via impeachment e, um ano depois, o presidente substituto pode também ser afastado por acusação de ter cometido atos de corrupção. O que se pode prever dessa crise política que não diminui, parece cada vez mais se avolumar?

Coggiola- Se olharmos para o cenário latino-americano e internacional, a conjuntura brasileira não é tão atípica assim. A crise econômica mundial iniciada em 2008 não foi esconjurada, se transformou em crise dos regimes políticos e até em crise institucional, sem falar na continuidade e aprofundamento de guerras não declaradas. Os ritmos variam de país para pais, de região para região, mas a crise avança de modo inexorável. A judicialização da política não é só brasileira, ela afeta também, por exemplo, a Argentina, onde se prevê uma forte derrota do governo Macri nas próximas eleições legislativas de outubro, em que pese sua louvada “legitimidade eleitoral”. Deslocar a arbitragem última do Estado para o Poder Judiciário, uma casta não eleita por ninguém, que goza de cargos vitalícios (para não falar de suas vantagens pecuniárias), substituindo o Executivo e o Parlamento, é uma declaração de falência do regime democrático burguês. O sucesso de personagens, candidaturas e coalizões “não políticas” (como Trump e Macron) revela uma forte tendência mundial para regimes de tipo bonapartista, que governam “por cima” das instituições e concentram em um “salvador” todas as contradições econômicas, sociais e políticas. Desde a Comuna de Paris (que explodiu depois da falência do regime de Luis Bonaparte), passando pela Revolução de Outubro (que derrubou o regime bonapartista falido de Kerenski), esse tipo de regime é o que precede a crises revolucionárias. Todas as saídas “institucionais” estão postas em cima da mesa: renúncia ou cassação de Temer, impeachment (há nove pedidos protocolados no Congresso - a OAB já formalizou o seu -, precisa de 2/3 dos votos parlamentares), seguida de eleição indireta pelo Congresso (De quem? E como? A questão está em um limbo jurídico – a única lei que regulamenta a eleição indireta é de 1964, governo Castello Branco), emenda constitucional possibilitando a eleição direta do presidente (já apresentada por um deputado da ‘Rede’, precisa de 60% dos votos), seguida de eleições presidenciais convocadas pelo Congresso. Todas elas implicam a continuidade do Congresso golpista e dominado por corruptos durante o processo eleitoral e também depois.

Para o jornalista Janio de Freitas: “Toda a dramaticidade da situação sintetiza-se em uma pequena frase: não há saída boa. A pior seria a permanência de Michel Temer ainda mais apalermado. Mas nenhuma das outras possíveis evitaria a continuidade das condições caóticas que sufocam o país”. Trocando em miúdos: nenhuma dessas saídas fecha a crise.  Fernando Henrique Cardoso clamou por um “Emanuel Macron brasileiro” por fora dos partidos e por dentro das redes sociais, como no “vitorioso” exemplo francês, especulando com os nomes de João Dória e até de Luciano Huck (que nunca concorreu nem para síndico do seu prédio), dois homens oriundos do mundo empresarial/midiático. De cambulhada, meteu também no pacote uma “reforma política” supostamente moralizadora, com voto distrital e financiamento público das campanhas eleitorais (como se isso eliminasse automaticamente o “caixa 2”) e, sobretudo, com “cláusula de barreira” para barrar os “nanicos” (as siglas de aluguel) e, principalmente, a esquerda classista e revolucionária, a que, em primeiro lugar, rejeita as propinas e também as “doações legais” do capital. 

Sedufsm- As sondagens de opinião mostram tanto o presidente Temer, quanto o Congresso Nacional, com baixíssima popularidade, mas mesmo assim comandando, a toque de caixa, reformas que alteram a vida da maioria da população, como a trabalhista e a previdenciária. Na sua avaliação, tanto governo como o parlamento possuem legitimidade para aprovar essas reformas?

Coggiola- Para o grande capital, o importante é que essas reformas “passem”, independentemente de quem as aprove. O governo “legítimo” que sucederá o de Temer seria balizado pela reforma estrutural do Estado propiciada por essas reformas, poderia até ser um governo “de esquerda”. O problema consiste em que as “delações premiadas” abriram uma caixa de Pandora, cujo conteúdo transformou a crise política em crise institucional (ou seja, uma crise do regime e do Estado). As delações da Odebrecht e, sobretudo, da J&F/JBS, escancararam não apenas uma rede gigantesca de corrupção, mas também: a) Que a corrupção é sistêmica, envolvendo todos os escalões do Estado de modo permanente, não só para a aprovação de alguma lei ou medida provisória, transformando quase todos os “representantes” (ou os nomeados por eles: um em cada três membros do Congresso Nacional recebeu dinheiro da JBS, e esta é apenas uma das fontes pagadoras) em reféns do grande capital: os dirigentes da J&F (a “holding” que controla a JBS) revelaram, por exemplo, que repassavam mais de R$ 300 mil mensais a Gilberto Kassab (PSD) ex-prefeito de São Paulo e ministro, por “eventuais serviços futuros”; b) Que para esse objetivo tanto faz que a propina seja “legal” ou não, ou seja, que revista a forma de doação oficial (caixa 1), clandestina (caixa 2), depósito bancário, dinheiro em espécie ou depósito off shore (as contas da JBS na Suíça registram 9.000 pagamentos para políticos brasileiros nos últimos dez anos). Os “campeões nacionais” levavam uma contabilidade única para todas as despesas dessa ordem, pouco se importando com sua “legalidade” ou “ilegalidade” (um dos irmãos Batista, em seu depoimento gravado, chegou a confundir-se a respeito da natureza de várias propinas), pois todas servem a um único objetivo. A desculpa-padrão do PT (e de outros), “foram doações legais” (que, lamentavelmente, não chega a cobrir todas as “doações”) é uma justificativa esfarrapada para encobrir uma política comprada pelo grande capital. A J&F relacionou propinas de R$ 800 milhões (para “políticos e operadores”) para obter fundos por valor de R$ 15 bilhões (um “custo operacional” de 5%) da Caixa e do BNDES, destinados a serem usados em contratos sobrefaturados.  

Sedufsm- O presidente Temer procura se segurar no cargo dizendo que não deve ser afastado porque a economia está melhorando. Há algo de real nisso?

Coggiola- Os monstruosos índices de desemprego não caíram, a “recuperação industrial” é pífia, só os saldos comerciais batem recordes graças à queda dos preços e dos custos, pela desvalorização do real. Como quer que seja, a arrecadação fiscal não aumenta de modo significativo, e o buraco financeiro do Estado ameaça levar o país para uma declaração de inadimplência (as agências de “classificação de risco” já rebaixaram todas as notas brasileiras). O recente aumento dos impostos sobre os combustíveis, destinado a "fazer caixa", será repassado a todos os preços. As condições sociais para uma recuperação capitalista estão preenchidas: um enorme exército industrial de reserva e uma nova legislação trabalhista que permite salários de miséria e um atropelo de todas as condições de vida (seria melhor dizer sobrevivência) dos trabalhadores. Sem falar na manutenção do “imposto sindical” (reformulado como “contribuição negocial” ou qualquer outra porcaria do mesmo gênero) que garante a cooptação política da burocracia sindical e de uma parcela significativa da esquerda, imprescindível para combater a resistência organizada dos trabalhadores. Se, nessas condições, não há investimentos, estatais (cortados pela crise financeira do Estado) ou privados, é devido à persistência e aprofundamento da crise econômica capitalista, nacional e mundial.

Está caindo a ilusão de que a “eliminação da corrupção” propiciaria um novo ciclo de crescimento. Em vez da tática dos Odebrecht (que fizeram corpo mole durante meses para o MPF e sua operação “Lava Jato”, alimentada por informações do Departamento de Justiça, o poderoso DoJ dos EUA), o que lhes custou prisão + multa de R$ 6,8 bilhões), os irmãos Batista ofereceram espontaneamente sua colaboração ao MPF, entregando inclusive seus comparsas políticos (em número de... 1.829!) segundo sua “delação [mais do que] premiada”) e oferecendo pagar, inicialmente, uma multa de R$ 1 bilhão (uma mixaria, em face das cifras acima – apenas um quarto do lucro instantâneo obtido numa manobra especulativa contra o real), elevando-a depois até R$ 1,4 bilhão, uma cifra que coincide, sugestivamente, com o valor das propinas pagas pela J&F (segundo os documentos fornecidos pelos delatores) através de 214 repasses a 28 partidos políticos (dos 35 registrados no Brasil) ou a 1.829 “candidatos” (eleitos ou não a diversos cargos, em todos os níveis do Estado). O “Departamento de Operações Estruturadas” da Odebrecht confessou propinas de R$ 1,68 bilhão para 26 partidos. O MPF cobrou da J&F R$ 11,2 bilhão de multa, configurando uma pendenga que se resolveu com uma multa de R$ 10,3 bilhões, que seriam suficientes para fazer funcionar as universidades federais durante quase dois anos, mas que serão repassados aos credores nacionais e internacionais da dívida pública. Para que investir, se a vaca produz leite abundante sem necessidade de fazê-lo?

Sedufsm- Qual a sua avaliação sobre a tese de alguns setores que defendem a convocação de uma assembleia constituinte?

Coggiola- Que se fale de uma Assembleia Constituinte revela que estamos diante de uma crise institucional, que a atual ordem jurídica e política não dá conta da crise. Os trabalhadores precisam de uma bandeira para intervir de imediato na crise política. Contra todas as saídas reacionárias e antidemocráticas está na hora de lutar por uma Assembleia Constituinte de refundação da República, livre, soberana e democrática, sem cláusulas de proscrição e sem Congresso biônico dos corruptos do grande capital, e pela defesa de um programa anti-imperialista e classista de salvação nacional (governo dos trabalhadores) através da unidade socialista da América Latina. O meio para impô-lo é a greve geral baseada na mobilização irrestrita dos trabalhadores (empregados e desempregados), da juventude e dos movimentos populares. Duas greves gerais devolveram a iniciativa política aos trabalhadores, embora a segunda acentuasse o caráter “domingueiro” da primeira.  

Sedufsm- Uma outra bandeira que tem sido levantada é a do afastamento do presidente Temer e a realização de eleições diretas, seja para Presidente da República ou para o Congresso Nacional. Qual a sua avaliação sobre esse tipo de proposta?

Coggiola- A nova presidente do PT, Gleisi Hoffman, declarou significativamente que as eleições diretas seriam um meio para pacificar o país. Sem base política para seu programa reacionário e antissocial, o governo Temer apenas sobrevive explorando o impasse político. A debandada dos partidos da “base aliada” apenas começou: o primeiro a abandonar o barco foi o PSB (35 deputados e um ministro), seguido pelo PTN (13 deputados), o PPS (9) e o PV (6); o PSDB (47 deputados) está dividido em torno da questão; a “base” se reduziu de 402 para 345 deputados, os “votos garantidos” para a reforma da Previdência (a mãe de todas reformas) caiu de 250 para 200 (são necessários no mínimo 308), um número por outro lado fantasioso. O PT encampou as “Diretas Já” para presidente através de uma vasta campanha na TV, especulando com a vitória de Lula (primeiro colocado em todas as sondagens) se ele não for previamente inabilitado, obrigando-se antecipadamente a reconstituir uma “base aliada” reacionária, talvez incluindo o próprio ministro Meirelles (que já fez parte do governo Lula). Diretas para presidente mantendo o atual Congresso são uma piada sinistra. “Diretas gerais”, cassando (quem?) todos os mandatos eletivos, majoritários e proporcionais, deixaria o Poder Judiciário como único poder institucional do país, é demasiadamente arriscado para o grande capital, seria uma saída de desespero, e não é democrático para os trabalhadores, pois o processo seria conduzido por uma casta privilegiada não eleita oriunda de uma seleção política controlada pelo mesmo grande capital. O problema é quem, que poder, convoca, regulamenta, delimita e fiscaliza o processo eleitoral?

Sedufsm- Na sua avaliação, qual o significado de termos o ex-presidente Lula ponteando as intenções de voto para as eleições de 2018 e, ao mesmo tempo, o crescimento cada vez mais evidente da candidatura do deputado Jair Bolsonaro?     

Coggiola- Isso é um índice deformado tanto da polarização político-social como da precariedade de toda a situação política, complicada ainda mais pela condenação de Lula pelo juiz Sérgio Moro. Do ponto de vista da crise política, mais importante do que a revelação dos conluios de Temer (que nunca teve votos próprios, só à sombra do PT; e cuja natureza corrupta sempre foi um segredo a vozes) foi a degringolada de Aécio Neves, destituído de seu cargo de senador e “renunciado” da presidência do PSDB, ele que tinha sido derrotado nas últimas eleições presidenciais por três pontos percentuais (obtendo 48,5% no segundo turno), sendo a única das alternativas para ocupar a presidência de modo indireto, ou para se opor a Lula numa eleição direta, que poderia reivindicar alguma “legitimidade popular”. Para ser o “anti-esquerda” (ou o “anti-Lula”) da vez, ao fascista Bolsonaro lhe falta base política própria, que dificilmente o PSDB e o PMDB, em completa crise, lhe fornecerão. A questão central é que os trabalhadores se transformem em alternativa política independente, para o que é necessário que se aponte, a partir da esquerda classista, a perspectiva imediata de um congresso independente da classe operária e de todos os explorados, sem representantes da burguesia, que discuta e proponha um programa anti-imperialista e classista para a crise nacional, e os meios para implementá-lo em um plano de lutas e uma estratégia de poder.
 

Entrevista: Fritz R. Nunes

Foto: Arquivo

Assessoria de imprensa da Sedufsm

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