Bolsonaro agregou sentimentos contra a política e a esquerda SVG: calendario Publicada em 01/11/18 17h42m
SVG: atualizacao Atualizada em 01/11/18 17h55m
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Professor Cleber Martins analisa futuro governo, papel da oposição, entre outros aspectos

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Jair Bolsonaro, do PSL, eleito Presidente da República no último domingo, 28

Que fatores principais levaram à vitória de Jair Messias Bolsonaro (PSL) à Presidência da República? Por que, apesar de todas as polêmicas que o envolveram, ao longo da vida, como a defesa da ditadura civil militar e seu personagem-símbolo, Brilhante Ustra, as declarações racistas, homofóbicas, o caminho para o Planalto foi pavimentado com poucos revezes? Para o cientista político Cleber Martins, professor do departamento de Ciências Sociais da UFSM, é complexo estabelecer fatores explicativos e verificáveis, ainda mais quando não há, ainda, um distanciamento efetivo sobre o recente processo eleitoral. Contudo, ele aponta alguns aspectos que podem ajudar a explicar o êxito da candidatura do candidato do PSL.

Para Martins, Bolsonaro conseguiu, nos últimos anos, “captar e agregar um sentimento antissistema político, de caráter conservador e, em parte, reacionário. Conseguiu se conectar com esses segmentos sociais insatisfeitos com a política em si e com a esquerda em particular (principalmente o Partido dos Trabalhadores)”. Além disso, destaca o cientista político, “ganhou corpo por incorporar ao seu discurso e práticas valores moralistas relativos à corrupção, atribuída ao PT, e relativos a uma forma de vida vinculada ao comportamento particular e social definida pela religião (ou de algumas religiões)”.

Questionado sobre se existiriam semelhanças entre Jair Bolsonaro e Fernando Collor de Mello (PRN), este último eleito em 1989, com discurso de combate à corrupção e uma linguagem dirigida, Martins afirma não ter elementos concretos para estabelecer comparações. Ressalta, no entanto, que “a governabilidade está diretamente vinculada à formação de maioria no Congresso, especialmente na Câmara dos Deputados. Isto é, na formação de uma coalizão que compartilhará o governo e as suas decisões, situação que é permeada pelos partidos políticos e bancadas eleitas”. No entendimento do professor da UFSM, “Collor formou seu governo sem buscar aproximação de caráter mais permanente com as bancadas parlamentares. Quando tentou, já estava enfrentando uma crise que acabaria com seu mandato”.

Ambiguidades, filtros e autoritarismo

No que se refere à Bolsonaro, Cleber Martins assinala que ele possui alguns “posicionamentos ambíguos, do ponto de visa de ações políticas concretas. Um deles se encontra na relação com os partidos políticos e com o sistema político em si”. Para o cientista político, o presidente eleito deverá buscar a formação de uma coalizão, capaz de lhe propiciar maioria no parlamento. Todavia, frisa, como fazer isso “sem compartilhar o governo e sem frustrar parte de sua base social de apoio?”.

O professor também comenta sobre a importância do papel da oposição enquanto uma espécie de “filtro e proteção contra medidas mais fortes do governo, especialmente às voltadas para a economia, redução de direitos e segurança pública”. Entretanto, Cleber Martins avalia que, para saber o tamanho da efetividade da oposição, “antes, é necessário saber quem será a oposição, quais partidos, quais suas bases políticas”. E, também, se a oposição vai atuar “coesa ou fragmentada”.

Questionado sobre os arroubos discursivos de Bolsonaro, Martins comenta que “é difícil estabelecer relação direta entre discurso de campanha, e mesmo no parlamento, com o exercício do Poder Executivo”. Para o cientista político, “existem questões como a separação dos poderes, o papel do Judiciário, em todas as suas instâncias e níveis, os governos estaduais, a oposição política, etc.”. Portanto, diz ele, o custo político para um governo autoritário típico é muito alto. Todavia, acrescenta o professor, “o governo pode tomar medidas de caráter mais restritivo e mais centralizadas, na tentativa de impor e desenvolver sua agenda”.

Acompanhe a seguir a íntegra das perguntas efetuadas e das respostas do professor Cleber Martins.

Sedufsm- Fechado o segundo turno das eleições presidenciais, qual a avaliação que se pode fazer da vitória de Jair Bolsonaro. Que fatores principais o levaram a ser exitoso em sua campanha?

Martins- Qualquer processo político é complexo e envolve vários fatores, sendo, portanto, complicado estabelecer fatores explicativos definitivos e verificáveis. Mais ainda, quando não há, ainda, um distanciamento efetivo sobre a eleição. Todavia, é possível colocar algumas questões que podem ajudar a entender a vitória do futuro presidente. A sua candidatura conseguiu, nos últimos anos, captar e agregar um sentimento antissistema político, de caráter conservador e, em parte, reacionário. Conseguiu se conectar com esses segmentos sociais insatisfeitos com a política em si e com a esquerda em particular (principalmente o Partido dos Trabalhadores). Ao mesmo tempo, ganhou corpo por incorporar ao seu discurso e práticas valores moralistas relativos à corrupção, atribuída ao PT, e relativos a uma forma de vida vinculada ao comportamento particular e social definida pela religião (ou de algumas religiões). A identificação gerou coesão entre grupos sociais variados, coesão moldada pela centralização da oposição ao PT, em defesa de um padrão de comportamento social de base religiosa conservadora e em defesa de uma sociedade mais segura. A chave do êxito, provavelmente, está na tradução eleitoral, já no primeiro turno, disso tudo, em uma candidatura.

Sedufsm- Há avaliações, inclusive de analistas de fora do país, de que a lua de mel de Bolsonaro com a sociedade será curta. Qual a sua avaliação?

Martins- Governos eleitos ganham, por um tempo, uma espécie de capital político para preparar e estruturar o governo às suas propostas e projetos. Portanto, é comum que está ‘trégua’ ocorra, sem muita cobrança por resultados imediatos, levando em conta o orçamento, feito no ano anterior, e a própria estruturação do governo. O problema é o tempo da trégua, que depende das sinalizações que o governo emitir, das próprias medidas a serem tomadas, desde a composição dos ministérios até eventuais políticas públicas, e de questões, incluindo os grupos que apoiam e integram o governo.

Sedufsm- Há semelhanças entre Jair Bolsonaro e Fernando Collor de Mello?

Martins- Não tenho elementos concretos para estabelecer uma comparação. Porém, desde a Constituição de 1988, a governabilidade está diretamente vinculada à formação de maioria no Congresso, especialmente na Câmara dos Deputados. Isto é, na formação de uma coalizão que compartilhará o governo e as suas decisões, situação que é permeada pelos partidos políticos e bancadas eleitos. Collor, por vários motivos, formou seu governo sem buscar aproximação de caráter mais permanente com as bancadas parlamentares. Quando tentou, já estava enfrentando uma crise que acabaria com seu mandato.

Bolsonaro possui alguns posicionamentos ambíguos, do ponto de visa de ações políticas concretas. Um deles se encontra na relação com os partidos políticos e com o sistema político em si. Como formar uma coalizão, capaz de lhe propiciar maioria no parlamento, sem compartilhar o governo e sem frustrar parte de sua base social de apoio?

Sedufsm- Qual o papel que ocupará a oposição, desde o PT e partidos de esquerda, até PSDB e o PDT de Ciro Gomes?

Martins- A oposição será um dos pontos de filtro e proteção contra medidas mais fortes do governo, especialmente às voltadas para a economia, redução de direitos e segurança pública. Mas, antes, é necessário saber quem será a oposição, quais partidos, quais suas bases políticas. E, também, se vai ocorrer uma oposição coesa ou fragmentada. Trata-se de correlação de forças, do ponto de vista social e político. As ações do governo serão mais exitosas na medida em que a contraposição às suas ações for mais frágil e menos mobilizada política e socialmente.

Há que se considerar, também, o peso da votação de Fernando Haddad no segundo turno, e a composição partidária dos parlamentos, federal e estadual, e dos governos estaduais, no sentido de construir pontos de oposição à presidência.

Sedufsm- MDB continuará a ser o fiel da balança como já foi em outros tempos?

Martins- Partidos que, em geral, estão próximos do governismo, como o MDB e o Progressistas , que perderam espaço nesta eleição, possuem domínio sobre a prática parlamentar e podem, em parte, colaborar com o governo, desde que este dê conta dos interesses dos partidos e das suas  bases. Um dos problemas está na estratégia que o governo implementará. Além disso, o Congresso também tem operado na lógica das bancadas (religiosa, agronegócio, bala, etc.), as quais são multipartidárias, situação que afeta a definição de um partido como ‘fiel da balança’.

Sedufsm- Historicamente, o deputado Jair Bolsonaro se caracterizou por posturas como a de defender o regime militar, enaltecer figuras do regime autoritário, como o coronel Ustra. Já na campanha, acabou por hostilizar setores da imprensa como a Folha de São Paulo, jornalistas da Rede Globo, discursou de que mandaria embora do país petistas e esquerdistas, e o filho dele- servidor público e parlamentar eleito- chegou a falar em uma palestra que foi gravada, de que o STF poderia ser fechado até por um cabo e um soldado. Esses exemplos podem indicar a possibilidade de um governo autoritário?

Martins- É difícil estabelecer relação direta entre discurso de campanha, e mesmo no parlamento, com o exercício do Poder Executivo. Existem questões como a separação dos poderes, o papel do Judiciário, em todas as suas instâncias e níveis, os governos estaduais, a oposição política, etc. Portanto, o custo político para um governo autoritário típico é muito alto. No entanto, o governo pode tomar medidas de caráter mais restritivo e mais centralizadas, na tentativa de impor e desenvolver sua agenda.

Sedufsm- A intolerância política, as ameaças à liberdade de expressão, as manifestações racistas, inclusive em ambiente universitário, nos últimos meses, pode indicar que passamos a viver num período de violência e medo?

Martins- O ‘ideário’ que envolveu a candidatura e que estará no governo, com posições agressivas em relação às minorias, movimentos sociais, esquerda, contraposição a políticas como bolsa-família, cotas, etc., e com ações políticas desenvolvidas em nome de Deus, com uma concepção moral e religiosa do que é certo e errado, pode gerar uma espécie de autorização para indivíduos e grupos sociais possam agir assim. O tempo dirá a dimensão disso tudo, mas há possibilidade de acirramento, pelo menos, dos conflitos sociais de base moral e religiosa. Fica em aberto o que as instituições públicas farão diante desse quadro.

Leia aqui também a entrevista do professor e cientista político da UFSM, Reginaldo Perez.

Entrevista: Fritz R. Nunes

Fotos: Arquivo/Sedufsm

Assessoria de imprensa da Sedufsm

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