‘Future-se’ encontrou portas abertas para entrar na universidade, diz pesquisadora SVG: calendario Publicada em 31/10/19 17h08m
SVG: atualizacao Atualizada em 01/11/19 15h23m
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Palestra com Simone Silva, servidora da UFRJ, integrou ciclo de debates em homenagem aos 30 anos da Sedufsm

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O ‘Future-se’ é terrível, mas “não é um raio num céu azul”, visto que a universidade já vem implantando, há alguns anos, diversas leis e projetos de caráter privatista. A avaliação é de Simone Silva, pedagoga e servidora técnico-administrativa da UFRJ, que ministrou a palestra “Future-se: como chegamos a proposta de destruição da universidade pública” na noite da última quarta-feira, 30, com mediação da professora Fabiane Costas, ex-presidente da Sedufsm. O evento integrou o ciclo de debates referente ao aniversário de 30 anos da seção sindical, a ser comemorado no próximo 7 de novembro.

Simone, que foi orientanda do professor Roberto Leher (ex-reitor da UFRJ), contou um pouco sobre a história das universidades brasileiras, uma história intrinsicamente ligada ao imperialismo.

Guerra Fria

No período da Guerra Fria, em que o mundo dividiu-se em dois pólos antagônicos – um, capitaneado pelos Estados Unidos, de caráter capitalista; outro, liderado pela União Soviética, socialista -, a ciência e a tecnologia passaram a ser encaradas pelos governos como centrais para o desenvolvimento das nações.

Visando a fortalecer o bloco capitalista, os Estados Unidos reforçaram suas investidas na América Latina, conquistando o alinhamento com as burguesias nacionais de diversos países, dentre esses o Brasil. A universidade foi, então, considerada um lócus privilegiado de influência dos Estados Unidos, não apenas no que tange aos seus vieses políticos, mas à própria forma de organização do ensino e da pesquisa.

“As elites brasileiras nunca tiveram interesse em desenvolver um projeto autônomo de ciência e tecnologia que pudesse romper com a dependência dos EUA”, destaca Simone.

Ditadura militar

Com a chegada da ditadura militar, houve um incremento muito grande da pós-graduação no Brasil, com um aumento vertiginoso no número de programas e no financiamento. Engana-se, contudo, quem enxerga esse investimento como uma preocupação genuína dos militares. O objetivo era que as pesquisas validassem o propagado ‘milagre econômico’, conferindo um verniz científico e um efeito de verdade aos projetos do regime.

Década de 90: privatizações e enxugamento estatal

Iniciado o processo de redemocratização e finda a ditadura, os anos 1990 foram duros para os serviços públicos. Com o discurso de ‘caça aos marajás’ (servidores públicos com salários supostamente vultuosos), Fernando Collor de Mello promoveu a extinção e privatização de diversas estatais, demissão de funcionários públicos e extinção da Coordenação e Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Anos 2000

A chegada dos anos 2000 parecia vir cheia de esperança, afinal o país elegia um ex-operário responsável por liderar algumas das maiores greves dos anos 80. Ao assumir a Presidência, contudo, Luiz Inácio Lula da Silva – e, na sequência, Dilma Rousseff – aumentaram as políticas de parceria entre o setor público e o setor privado. Na educação, isso ficou expresso em programas como o Reuni e o Prouni, que preconizam a transferência de verba pública para empresas privadas.

Na sequência, a Lei de Inovação Tecnológica e o Marco Legal de Ciência e Tecnologia também foram aprovados. “Tem início um novo padrão de financiamento, que impõe um novo padrão às pesquisas”, explica a servidora. Empresas privadas passaram a estabelecer parcerias com universidades públicas e financiar pesquisas.

Para atender ao novo padrão de financiamento, contudo, muitos pesquisadores vêm tendo de abrir mão de sua autonomia. Simone cita casos em que monografias, dissertações e teses são defendidas de forma privada, pois os resultados encontrados pelo pesquisador não mais pertencem a ele nem à sociedade, mas à empresa que o financiou. Assim, aquele que deveria ser o papel central da universidade pública – atender aos interesses da população e contribuir para uma melhora em sua qualidade de vida – é profundamente afetado, pois muitas vezes não há nem a socialização dos resultados encontrados nas pesquisas.

Nova versão do ‘Future-se’

Após traçar todo esse histórico sobre o desenvolvimento da universidade pública no Brasil, mostrando que o ‘Future-se’ encontrou “portas abertas na universidade” devido a projetos e leis anteriores, Simone comentou sobre a nova versão do anteprojeto, apresentado pelo Ministério da Educação no dia 16 de outubro.

A palavra ‘autonomia’, esquecida na primeira versão do texto, é citada agora, mas num caráter meramente formal, já que, para a pedagoga, não será possível autonomia universitária se aprovado o ‘Future-se’. E tal impossibilidade confirma-se principalmente se analisarmos as duas fontes de financiamento que constam no anteprojeto: o Fundo Patrimonial e o Fundo Soberano do Conhecimento. Ambos preveem o financiamento da universidade a partir de ativos privados, inclusive imobiliários. Eles ainda admitem a possibilidade de a União doar bens às Organizações Sociais responsáveis por gerirem a universidade (no contexto de ‘Future-se’), e tais bens podem ser de qualquer esfera, inclusive da área da saúde. Dessa forma, as universidades funcionariam como um local de escoamento dos bens públicos para a iniciativa privada. Em última instância, o ‘Future-se’ não representa só a venda das universidades, mas de muitos serviços e patrimônios públicos.

Assistência estudantil

A exemplo da ‘autonomia’, a ‘assistência estudantil’, responsável por garantir a permanência de milhares de estudantes na universidade, também não havia sido citada na primeira versão do ‘Future-se’ e foi salientada no novo texto. Contudo, Simone demonstra extrema preocupação ao mencionar o trecho do anteprojeto que garante só repassar verbas para a assistência estudantil se os projetos desenvolvidos pelos estudantes tiverem interface com o empreendedorismo e a inovação.

O empreendedorismo e a inovação seriam disciplinas transversais a todos os cursos da universidade, até mesmo os de humanidades. Embora a universidade já viesse num processo de perda de autonomia e asfixia orçamentária, Simone diz que “até então tínhamos trincheiras para nos defender. O ‘Future-se’, contudo, termina com a universidade pública. Não tem como mantermos a função social da pesquisa sem financiamento estatal”.

Diálogo com a população

Após a fala da palestrante, diversos presentes inscreveram-se para tirar dúvidas ou tecer comentários sobre o tema. Um deles foi Rodrigo Poletto, estudante de Letras e integrante do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFSM. Alertando para a necessidade de expandirmos o debate sobre os riscos do ‘Future-se’, ele conta que, somente em 2019, a entidade estudantil já realizou duas edições do evento ‘Balbúrdia na Praça’, no qual estudantes foram até a Praça Saldanha Marinho expor suas pesquisas e conversar com a população sobre a importância de defender a universidade pública.

José Parcianello, servidor técnico-administrativo na UFSM, comparou a palavra ‘autonomia’ inserida na nova versão do ‘Future-se’ a um verniz aplicado num carro velho: à primeira vista impressiona, mas logo se vê que se trata do mesmo carro velho. “Não teremos mais universidade”, atesta.

Essência perdida

O ‘Future-se’ pretende transformar todos os estudantes em empreendedores, mas o governo se esqueceu de mencionar que, de muitos que tentam, pouquíssimos conseguem, de fato, empreender. Não obstante a falta de materialidade dessa perspectiva defendida pelo governo, o ‘Future-se’, se aprovado, voltará os cursos exatamente para isso: empreender ou prestar serviços ao setor privado. Simone diz que a tendência é que os cursos percam sua essência, e não só os pertencentes ao campo das Ciências Sociais e Humanas. Até mesmo os cursos das áreas tecnológicas, rurais e da saúde passarão por transformações que os descaracterizarão.

É preciso reagir

O ‘Future-se’ vem sendo rejeitado pela maioria das universidades país afora, mas segue representando um risco real ao futuro da universidade e institutos federais públicos. Nesse cenário, é preciso “organizar o nosso lado”, defende a servidora e pedagoga. “Precisamos conversar com nossos vizinhos e mostrar o que eles perdem com o fim da universidade”. E uma via para se fazer isso é, na avaliação de Simone, a Extensão.

“Se não nos organizarmos, o que teremos daqui a 10 anos? Que tipo de aluno vamos formar?”, questiona a palestrante.

30 anos

A palestra sobre o 'Future-se' integrou o Ciclo de Debates em referência aos 30 anos da Sedufsm. Para ver os próximos eventos do ciclo, clique aqui

Texto: Bruna Homrich

Fotos: Bruna Homrich e Ivan Lautert

Assessoria de Imprensa da Sedufsm

 

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