Comportamento errático de Bolsonaro não é problema para ultradireita, diz professor
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Atualizada em
15/04/20 14h49m
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Luís Gustavo Grohmann, professor de Ciência Política da UFRGS, avalia conjuntura política do país
Na atual crise política brasileira, acelerada pela pandemia de coronavírus, com seus efeitos dramáticos à saúde da população e à economia do país, o que se percebe é a dissintonia entre o Presidente da República, Jair Bolsonaro, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, boa parte dos governadores, além de Congresso Nacional e ministros do STF.
As posições de Bolsonaro, hora contrariando as orientações técnicas sobre como evitar a disseminação da Covid-19, hora parecendo respaldar os técnicos da Saúde, levaram a um clima de tensão, gerando protestos, panelaços pedindo a sua saída em várias grandes cidades brasileiras. Em que pese esse comportamento, que visto de fora, é errático, não impede que o Presidente mantenha um apoio em torno de 30% da população. A que se deve isso?
Para o professor de Ciência Política da UFRGS, e que já pertenceu aos quadros da UFSM, Luís Gustavo Grohmann, a postura errática de Jair Bolsonaro não parece ser um problema aos olhos de seus fiéis eleitores. Na avaliação do docente, “dentro desses 30% estão os comprometidos de maneira radical e extrema com as posições de ultradireita que Bolsonaro sempre representou. Sempre estiveram por aí, só não tinham representação viável. Agora têm. Esse contingente não percebe que o errático seja um problema. Percebe a luta política, ganhar ou perder, assumir posições e lugares de poder”.
Quando perguntado sobre o que pode prejudicar mais a imagem do governo de Bolsonaro, se um desastre na saúde ou um desastre na economia, Grohmann destaca que qualquer uma dessas situações “pode vir a abalar”. No entanto, avalia ele, “depende das outras forças demonstrarem para a sociedade brasileira as ligações entre práticas do Presidente, sua política, sua ideologia e os desastres que porventura aconteçam”. No entendimento do professor, “se há uma força que perceba a importância do corpo a corpo da luta política é Bolsonaro e sua família. Esse corpo a corpo não se dá em comícios, mas via redes sociais”, frisa.
Na entrevista que publicamos a seguir, Luís Gustavo Grohmann analisa também a suposta tutela que militares (generais) exercem sobre Bolsonaro. Para o cientista político, há uma incógnita na política brasileira sobre os bastidores do que está acontecendo com os militares. Também responde sobre a possibilidade de um impeachment, questão que sempre aparece quando se tem uma crise política grave. Conforme Grohmann, “o impedimento é ato político. Depende da formação de consensos amplos junto à sociedade. Não basta querer nem ter motivos explícitos. Depende de posições e ganhos”. Neste momento, pensa o professor, a possibilidade de impeachment tem poucas chances de acontecer, o que não significa que mais adiante, esse cenário não possa mudar. Leia a íntegra de perguntas e respostas abaixo:
Pergunta- É possível explicar um quadro conjuntural em que o Presidente da República dá menos audiência e popularidade que o Ministro da Saúde?
Resposta- Não sei se menos audiência, mas pelas pesquisas, a popularidade do Ministro cresceu. O que é popularidade? Confiança ou simpatia? Nesses tempos de indeterminação, a posição do Ministro de combater o coronavírus parece mais adequada que a posição de “deixar acontecer”. Quem se preocupa com seus familiares, amigos e até mesmo as demais pessoas que lhe são desconhecidas encontra nele um ponto de referência e apoio.
Pergunta- Os jornais, a mídia em geral, comentaram recentemente que o presidente Jair Bolsonaro estaria sendo tutelado pelos militares, e isso explicaria a não demissão (até semana passada) do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em que pese a vontade do chefe do Executivo. Há registros de situação similar na história política do país? Se a leitura correta é de que a ala militar quem está dando as cartas, qual o significado disso para a política partidária brasileira?
Resposta- Há uma incógnita na política brasileira. O que está acontecendo nos bastidores relacionado aos militares? Em outras épocas, os militares foram mais evidentes e explícitos em suas posições, mesmo quando estavam divididos. Há vários níveis e várias conexões a serem feitas. Qual a posição em relação ao Congresso Nacional, ao Supremo Tribunal Federal, ao Presidente e sua família? Quantos são os grupos militares desejosos de poder? Infelizmente, nesse quesito não sou especialista.
Pergunta- Em que pesem os panelaços contra as atitudes erráticas do Presidente nas estratégias de combate à pandemia da Covid-19, as pesquisas mostram que a popularidade do Presidente não cai abaixo de 30%. Como interpretar esse fato?
Resposta- Os 30% são de apoiadores bastante aderidos ao personagem presidencial e às ideias e estilo político que esse personagem veicula. Assemelhado aos 30% que o PT apresentava no passado. Dentro desses 30% estão os comprometidos de maneira radical e extrema com as posições de ultradireita que Bolsonaro sempre representou. Sempre estiveram por aí, só não tinham representação viável. Agora têm. Esse contingente não percebe que o errático seja um problema. Percebe a luta política, ganhar ou perder, assumir posições e lugares de poder. Por mais que cometa erros, estes podem ser contextualizados dentro de um quadro justificador maior.
Pergunta- Na sua avaliação, o que pode abalar e desgastar mais o governo Bolsonaro: um desastre na saúde ou um desastre na economia?
Nem um nem outro ‘necessariamente’ vão abalar o governo junto à sociedade. Podem vir a abalar. Depende das outras forças demonstrarem para a sociedade brasileira as ligações entre práticas do Presidente, sua política, sua ideologia e os desastres que porventura aconteçam. Se há uma força que perceba a importância do corpo a corpo da luta política é Bolsonaro e sua família. Esse corpo a corpo não se dá em comícios, mas via redes sociais.
Pergunta- O comportamento do Presidente, na sua avaliação, já ofereceria componentes para um pedido de afastamento? E, o impeachment, é um cenário provável?
Resposta- O impedimento é ato político. Depende da formação de consensos amplos junto à sociedade. Não basta querer nem ter motivos explícitos. Depende de posições e ganhos. O impedimento nesse momento, sem fatores claramente agravantes, tem grande chance de não acontecer. E no futuro, o quadro pode ser outro.
Texto: Fritz R. Nunes
Fotos: EBC e arquivo pessoal
Assessoria de imprensa da Sedufsm