Cientista político enxerga cenário político “tenso e indefinido”
Publicada em
05/05/20 11h59m
Atualizada em
05/05/20 12h03m
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Professor Reginaldo Perez avalia postura do governo Bolsonaro como de desafio às instituições
As declarações do presidente Jair Bolsonaro no final de semana, durante um protesto em Brasília, no qual os manifestantes pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e uma intervenção militar, subiu mais um degrau a escalada de tensão da crise política que afeta o país, analisa Reginaldo Perez, professor de Ciência Política, lotado no departamento de Ciências Sociais da UFSM. Durante o ato em frente ao Palácio do Planalto, Bolsonaro criticou a interferência do Judiciário em suas ações, como na nomeação do diretor geral da Polícia Federal, e disse que dará um basta. Afirmou que, agora, irá fazer cumprir a Constituição e que os militares estão ao seu lado.
Os arroubos do chefe do Executivo não são novidade. Essa não foi a primeira manifestação que prega contra os poderes da República da qual ele participou. No entanto, em outras situações, no dia seguinte, o Presidente fazia um discurso diferente, inclusive, condenando publicamente quando um de seus apoiadores defendera o fechamento do Congresso Nacional. “Dessa vez (domingo passado) provocou e bancou”, ressalta o professor Reginaldo Perez. Para o cientista político, o cenário é bastante sombrio, tenso e indefinido, tendo em vista que nessa escalada crescente de tensões, com Jair Bolsonaro afrontando todo o tempo a imprensa, os demais poderes, os governadores, as Forças Armadas acabam sendo engolfadas nesse processo. A fala do Presidente, no domingo, obrigou, mais uma vez, a que o Ministério da Defesa divulgasse nota em defesa da liberdade e da democracia na segunda (4).
A escalada da crise
O presidente Jair Bolsonaro, é sabido, foi eleito sem o sustentáculo de um partido forte, sem necessidade da propaganda convencional em rádio e TV, mas usando de forma intensiva a internet e redes sociais. Guindado ao poder, cercou-se de nomes ligados pessoalmente a ele e de muitos militares. Diante de uma crise profunda a partir da pandemia do coronavírus, e seus reflexos econômicos, o chefe do Executivo, que assumiu uma postura negacionista diante do alastramento da doença, passou a travar embates sucessivos, seja com o partido pelo qual foi eleito (PSL), sejam os casos mais recentes, com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, demitido mesmo sob alta popularidade; e, mais próximo ainda, com Sérgio Moro, que promoveu um rumoroso pedido de demissão, e saiu atacando as possíveis interferências do Presidente no comando da Polícia Federal.
As declarações de Moro levaram a que a Procuradoria Geral (PGR) pedisse a abertura de um inquérito, que foi autorizado pelo ministro do STF, Celso de Mello. Paralelamente, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, concedeu liminar atendendo a pedido do PDT, suspendendo a nomeação de Alexandre Ramagem à Polícia Federal, delegado conhecido por sua ligação íntima com o cá Bolsonaro. Todo esse quadro, em que pode ser acrescentado também conflitos com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), com a maioria dos governadores, tornou o presidente da República, politicamente mais isolado. Com isso, no caso de avançarem as investigações que poderiam apontar crimes cometidos pelo mandatário da Nação, o afastamento (impeachment) poderia estar próximo.
Para tentar afastar essa possibilidade, Bolsonaro tenta se aproximar daquele grupo político com o qual nunca quis se identificar, que é o caso do ‘Centrão’, de políticos como Roberto Jefferson (envolvido no mensalão), Valdemar Costa Neto (também acusado durante o mensalão). Na avaliação de Reginaldo Perez, essa aproximação esse grupo político parece demonstrar “menos uma preocupação com a constituição de uma base de apoio à propositura e aprovação de eventuais medidas legislativas, mas muito maior parece ser a preocupação em construir uma barreira diante de um eventual processamento de impeachment.”
Confira a seguir a íntegra de algumas perguntas encaminhadas ao professor Reginaldo Perez e as consequentes respostas:
Pergunta- Quais as perspectivas políticas de Bolsonaro diante da demissão do “superministro” Sérgio Moro, que emprestava o verniz da Lava Jato ao atual governo?
Resposta- Sim, Moro representava a ala “lava-jatista” do governo Bolsonaro. Esse grupo, que prega uma forte moralização da vida pública, seja apoiando ações contra políticos e empresários na Justiça – em especial, no “contexto Curitiba” -, seja na tentativa de colar um verniz ético nas operações públicas, deve ter se sentido frustrado. Algumas das manifestações nas redes sociais dão indícios dessa frustração. A saída de Moro, em suma, foi uma perda política para o governo Bolsonaro. Ademais, Moro não apenas deixou o governo; saiu atacando o presidente.
Pergunta- Como fica o governo diante do fato de que o setor militar parece prevalecer em relação às políticas ditas liberalizantes do ministro Paulo Guedes, da economia?
Resposta- A crise sanitária que nos acomete fez com a política econômica liberalizante do ministro Paulo Guedes sofresse um revés. A preocupação fiscalista deu lugar a gastos – e consequente endividamento – do Estado Federal. Abrir-se-á um rombo nas contas públicas – bem maior do que já tínhamos. E aí a dúvida que sobressalta o mercado é o como e o quando voltarão – se voltarem – as medidas fiscalistas de contenção. Por ora, o ministro Guedes está sem discurso. Como ex-militar, Bolsonaro nunca demonstrou muito apreço pelo liberalismo econômico professado pelo seu ministro da Economia; a perspectiva do presidente – manifestada diversas vezes – sempre foi pelo desenvolvimentismo lastreado por forte intervencionismo estatal. O mercado começa a suspeitar que esse governo...
Pergunta- Qual o impacto político da aproximação do governo Bolsonaro com os chamados políticos do “centrão”?
Resposta- No seu primeiro ano de mandato, Bolsonaro ignorou – e rejeitou explicitamente – a fórmula institucional anterior, que presidiu as relações Executivo/Legislativo no Brasil, o chamado ‘presidencialismo de coalizão’. Assim agindo, não se preocupou em constituir uma base parlamentar mínima de apoio e/ou sustentação do governo. De alguma maneira, funcionou a relação naqueles momentos em que houve convergência de juízos sobre as medidas votadas – em especial, os assuntos econômicos: as reformas de viés liberalizante. Mas não foram poucas as derrotas (ou recuos) do governo. Agora, o que parece haver é menos uma preocupação com a constituição de uma base de apoio à propositura e aprovação de eventuais medidas legislativas, mas muito maior parece ser a preocupação em construir uma barreira diante de um eventual processamento de impeachment. Trata-se de construir aquilo que a Ciência Política de língua inglesa chama de veto-player, ou seja, um bloqueio parlamentar à tentativa de impugnação. Em passado recente, o ex-presidente Temer conseguiu esse bloqueio; a ex-presidente Dilma, de sua parte, não foi feliz nesse intento.
Texto: Fritz R. Nunes
Foto: EBC
Assessoria de imprensa da Sedufsm