Democracia de fachada no Brasil legitima autoritarismo, diz Saviani SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 10/07/20 15h06m
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Professor emérito da Unicamp fala em entrevista sobre educação do país, entre outros temas

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Dermeval Saviani: instituições são cúmplices pela erosão do Estado de Direito no país

Aos 76 anos de idade, ainda que aposentado, o professor Dermeval Saviani continua sendo uma referência como pesquisador e estudioso de temas da área de Educação. E, até por isso, costuma atrair muitas pessoas para suas explanações, seja numa cerimônia para receber o título de ‘Doutor Honoris causa’, como na UFSM, em agosto do ano passado, quando praticamente lotou o Centro de Convenções, seja mais recentemente, nesta semana, quando duas mil pessoas o assistiram em uma live promovida pelo sindicato docente da Universidade Estadual da Bahia (Aduneb).

Professor emérito da Unicamp, filósofo e elaborador da ‘Pedagogia Histórico Crítica”, o paulista de Santo Antônio da Posse atualmente mora em São Paulo (SP) mas possui laços afetivos fortes com o Rio Grande do Sul, especialmente com a vizinha São Sepé. E foi por correio eletrônifo que ele respondeu às questões para a entrevista a ser publicada no site da Sedufsm.

Uma das primeiras questões feitas ao renomado educador se reporta a 15 de agosto do ano passado, quando foi agraciado pela UFSM. Na oportunidade, quando haviam se passado somente sete meses e meio do governo Bolsonaro, o professor falara que a educação, no país, nunca tinha sido prioridade. Passado, agora, um ano e sete meses, qual seria a percepção dele? A resposta dele foi que “exatamente agora que a educação, explicitamente, não é prioridade”. E complementou: “Antes havia pelo menos um discurso favorável à prioridade da educação o que, entretanto, não chegava a se traduzir em medidas efetivas especialmente no âmbito orçamentário. Agora a não prioridade se expressa na forma de corte de recursos, no descaso, em acusações descabidas às universidades públicas e aos profissionais da educação...”.

Crise sanitária e autoritarismo

Perguntado sobre o papel das universidades em relação à crise sanitária, social e política enfrentada pela população, em função da pandemia de Covid-19, Saviani ressalta que “apenas as universidades públicas vêm tentando dar respostas positivas diante dessa crise social, política e sanitária que estamos vivendo. Não noto nenhuma iniciativa por parte das instituições privadas. Ao contrário, elas, afetadas pela crise, estão tomando medidas defensivas com demissões de docentes em grande escala como se noticia, agora, no caso da Uninove”.

Quando se toca no tema dos ataques do governo Bolsonaro às instituições, como o STF e o Congresso Nacional, Dermeval Saviani é taxativo ao dizer que já vivenciamos um “Estado de exceção”. Para o professor, falar em um golpe contra a democracia, violando o chamado ‘Estado democrático de Direito’ nem cabe mais. Saviani defende que a democracia já foi golpeada e ainda considera que “as instituições democráticas, salvo em um ou outro momento, se mantêm apenas de fachada, legitimando um regime que já é autoritário”.

Confira a seguir, a íntegra da entrevista com o professor Dermeval Saviani.

Homenageado na UFSM, em agosto de 2019
 

Pergunta- Professor Saviani: em 15 de agosto, quase um ano atrás, o sr. discursou durante o recebimento do título de ‘Doutor Honoris causa’ pela UFSM. Na oportunidade, o sr. questionou se, no Brasil, em algum momento, a educação tinha sido prioridade, sendo que haviam se passado sete meses do governo Bolsonaro. Hoje, com um governo que já ultrapassou um ano e sete meses, o sr. mantém essa percepção de que a educação segue colocada em um segundo plano?

Resposta- Sem dúvida. Aliás, é exatamente agora que a educação, explicitamente, não é prioridade. Antes havia pelo menos um discurso favorável à prioridade da educação o que, entretanto, não chegava a se traduzir em medidas efetivas especialmente no âmbito orçamentário. Agora a não prioridade se expressa na forma de corte de recursos, no descaso, em acusações descabidas às universidades públicas e aos profissionais da educação, numa visão obscurantista, numa ideologia retrógrada, em ministros incompetentes culminando na vacância do próprio cargo de ministro da educação.

Pergunta- No mesmo evento do ano passado, na UFSM, o sr. falava que a tarefa dos educadores era defender a civilização contra a barbárie. No seu entendimento, o Brasil está conseguindo resistir à barbárie?

Resposta- Várias formas de resistência estão se manifestando, mas não conseguimos, ainda, articular um movimento capaz de, envolvendo a grande maioria da população de maneira forte, fazer recuar a barbárie e retomar a senda civilizatória.

Pergunta- As inúmeras derrotas do governo Bolsonaro no STF, e as diversas investigações policiais no entorno político dele, apontariam que as instituições estão funcionando dentro do que prevê a ordem constitucional?

Resposta- Infelizmente, as instituições próprias do assim chamado "Estado Democrático de Direito", desde 2013, estão sendo cúmplices, por ação ou omissão, da erosão do Estado de Direito, incluído o STF, que demorou muito – e ainda demora – para tomar medidas de contenção das violações de direitos e das próprias normas legais, incluída a Constituição. De fato, no clima de ódio contra o PT incentivado com a insistência da mídia diariamente esmiuçando denúncias não comprovadas contra Dilma, Lula e o PT criou-se uma  situação muito grave porque todas as instituições da República (Judiciário, Ministério Público, a própria Ordem dos Advogados do Brasil, as entidades empresariais, Parlamento, Partidos políticos, toda a grande mídia televisiva, escrita e falada) foram conspurcadas e obcecadas com o único objetivo de destruir o PT e impedir Lula de voltar a se candidatar. E, para isso, não têm tido pejo em violar as normas jurídicas relativas aos direitos mais elementares, inclusive dispositivos constitucionais, desembocando no golpe parlamentar-jurídico-midiático desencadeado em 17 de abril na Câmara dos Deputados e consumado no Senado em 31 de agosto de 2016 que foi legitimado pela eleição de Bolsonaro, em 2018, consumando o suicídio da democracia brasileira. Com efeito, democracia suicida significa precisamente que o povo, iludido por falsas promessas e enganado por informações mentirosas, no exercício de sua soberania vota contra si mesmo, elegendo seus próprios algozes. Tanto o Tribunal Superior Eleitoral como o Supremo Tribunal Federal tiveram diversas evidências das ilegalidades cometidas pela campanha de Bolsonaro e pela Lava Jato, mas não tomaram as medidas cabíveis. Conforme reportagem do Jornal Folha de S.Paulo de 18 de outubro de 2018, a campanha de Bolsonaro contratou empresas de disparos de mensagens em massa que, pelo aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp, espalharam notícias falsas contra a candidatura do PT em flagrante violação do artigo 222 do Código Eleitoral Brasileiro que define como “anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação...”.

Mas o TSE nada fez diante dessa flagrante violação. E o STF vem sendo conivente, por omissão, com as evidentes ilegalidades denunciadas pela defesa de Lula não julgando os recursos e os "Habeas Corpus" e ignorando também as provas publicadas denominadas de "Vaza Jato" da "Intercept Brasil" em colaboração com outros órgãos de imprensa. Agora há a investigação das "fake News" no STF que, no entanto, está se arrastando e apenas se aproximando dos filhos de Bolsonaro deixando, ao menos por enquanto, à margem o próprio Bolsonaro. Se o STF estivesse, de fato, rigorosamente cumprindo sua função como guardião da Constituição atuando, portanto, como o supremo garante da democracia, poderia ter posto um basta a tudo isso já em 17 de abril de 2016 determinando a prisão em flagrante delito de Bolsonaro pelo crime de aclamação à tortura quando, ao declarar seu voto, prestou homenagem a Brilhante Ustra classificado por ele como "o terror de Dilma Rousseff". Também caberia ao STF abortar o processo de impedimento de Dilma diante do não cumprimento da exigência constitucional da existência de crime de responsabilidade.

Pergunta- A constante citação aos militares como elementos de equilíbrio na disputa política entre o governo Bolsonaro e as demais instituições é algo que pode ser visto como ameaça à democracia ou estamos longe de um novo regime autoritário?

Resposta- Na verdade, a partir das violações que apontei na resposta à questão anterior, a democracia já foi golpeada e nós já vivemos, de fato, num "Estado de exceção". E os militares já se encontram, em grande número, no governo, ou seja, eles já são governo. Além disso, os militares no governo têm manifestado apoio explícito a Bolsonaro até mesmo se contrapondo ao STF. Então, o golpe, se houvesse, não seria contra Bolsonaro. Poderia ser, como o próprio Bolsonaro vinha instigando junto à sua súcia, um golpe contra o STF e o Congresso. Mas acho que, estando já no governo e considerando que mesmo que Bolsonaro seja defenestrado eles continuarão, pois, um general é o vice, por que eles embarcariam numa aventura golpista? Assim, me parece que não cabe falar de ameaça à democracia porque ela já foi golpeada. As instituições democráticas, salvo em um ou outro momento, se mantém apenas de fachada, legitimando um regime que já é autoritário.

Pergunta- Na sua avaliação, a universidade, especialmente a pública, tem conseguido dar respostas positivas em meio à crise social e política que o país atravessa?

Resposta- Eu não diria "especialmente" a pública. Eu diria "apenas" as universidades públicas vêm tentando dar respostas positivas diante dessa crise social, política e sanitária que estamos vivendo. Não noto nenhuma iniciativa por parte das instituições privadas. Ao contrário, elas, afetadas pela crise, estão tomando medidas defensivas com demissões de docentes em grande escala como se noticia, agora, no caso da Uninove. As públicas, em sua maioria, vêm procurando resistir por meio de "lives" que se multiplicam debatendo os problemas e possíveis saídas.

Pergunta- Na sua percepção, do ponto de vista educacional, social e cultural, como estamos nos comportando em meio à pandemia do novo coronavírus?

Resposta- Aqui é preciso distinguir. O governo federal está se comportando pessimamente. Os governos estaduais e municipais estão oscilando entre medidas de enfrentamento e de relaxamento. E um comportamento louvável está se manifestando por parte das populações das periferias e dos movimentos sociais populares. Exatamente os mais vulneráveis, que mais necessitam do apoio dos governantes por meio de políticas sociais, continuam sendo os mais sacrificados e vêm dando um exemplo de solidariedade provendo, por meio de iniciativas comunitárias, as necessidades básicas como alimentação e produtos de higiene e limpeza. Nesse âmbito destaca-se o MST que vem doando milhares de toneladas de alimentos e agora está criando, com a assessoria do economista Eduardo Moreira, um instrumento socializado de crédito em apoio à agricultura familiar. Essa mobilização popular é uma esperança, mas precisa ter sua consciência social e política elevada de modo a direcionar suas forças para as ações efetivas de construção de uma nova sociedade fazendo recuar as hostes reacionárias que insistem em manter a atual (des)ordem social que cada vez cria mais problemas que já não consegue resolver. Para essa elevação da consciência popular uma educação autenticamente crítica é fundamental aliada à ação dos partidos de esquerda que precisam priorizar a atuação junto às massas trabalhadoras para impulsionar sua organização e canalizar politicamente suas lutas.

Enfim, cabe registrar que o Brasil perdeu uma grande oportunidade de se constituir em exemplo para todo o mundo no enfrentamento da pandemia. Tinha condições bastante favoráveis para esse protagonismo. Dispondo do SUS, o maior Sistema Universal de Saúde do planeta e sendo um dos últimos países a ser afetado, se beneficiava, também, do conhecimento das ações levadas a efeito pelos países que tiveram êxito como Nova Zelândia, Coréia do Sul, Alemanha e a própria China podendo, então, planejar o enfrentamento levando em conta essas experiências bem sucedidas. Mesmo com o sucateamento do SUS e a destruição do Programa "Mais Médicos", o governo federal deveria, assim que foi anunciada na China a manifestação do Corona vírus, reforçar o orçamento do SUS repondo os bilhões que haviam sido subtraídos no processo de sucateamento e acrescentando recursos novos com a aprovação do "estado de emergência" e coordenar o enfrentamento nacional reequipando os hospitais e celebrando contratos de aquisição dos insumos necessários que, feitos em âmbito nacional, pela maior magnitude teriam melhores condições de vencer a concorrência a preços bem mais acessíveis. Omitindo-se e até mesmo agindo em sentido contrário, o governo federal fez com que governos estaduais e municipais tiveram de procurar adquirir de forma isolada submetendo-se a preços abusivos além de transtornos quanto à entrega dos equipamentos necessários. Com o presidente da República agindo como aliado do vírus numa atitude que, mais do que irresponsável pode ser mesmo classificada como genocida, o Brasil não só perdeu a oportunidade de ouro de confirmar sua competência reconhecida no enfrentamento anterior de epidemias; acabou se transformando no país que disputa com os Estados Unidos a pior posição no combate à pandemia.

 

Texto: Fritz R. Nunes

Fotos: Arquivo/Sedufsm

Assessoria de imprensa da Sedufsm

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