O tempo dos senhores da universidade SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 18/06/21 10h16m
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De 1964 até 1984, reitores eram indicados pelo governo ditatorial

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José Mariano da Rocha Filho, fundador da UFSM, esteve como reitor durante 14 anos

O artigo 207 da Constituição Federal, que foi promulgada em 1988, com o objetivo de enterrar o entulho autoritário, prevê que “as universidades gozam, na forma da lei, de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.”

Em que pese o fato de que há divergências sobre a amplitude dessa autonomia, especialmente no que se refere aos constantes cortes no repasse de recursos pelo governo federal, o fato é que, com o fim da ditadura civil-militar, que se estendeu de 1964 até o início de 1985, as universidades, depois de muita luta, vivenciaram anos de liberdade de organização e de manifestação política, que passaram a sofrer um grande retrocesso nos últimos anos, especialmente a partir da ascensão do bolsonarismo, na eleição de 2018.

Será que as experiências vividas a partir do início do governo Bolsonaro, em 1º de janeiro de 2019, podem ser comparadam com as do período ditatorial? Desde que assumiu, o governo atual já fez algum tipo de intervenção em pelo menos 25 universidades e Institutos Federais, conforme dados do ANDES-SN. Em algumas instituições, Bolsonaro nomeou o menos votado da lista enviada pelo Conselho Universitário (como é o caso da UFRGS), em outras chegou a indicar reitores pró-tempore, de fora da lista encaminhada, o que gerou uma ação no Supremo (STF), através da qual a Corte determinou que o nome precisa sair da lista encaminhada, sem garantir, no entanto, que deva ser o mais votado.

Mas, de que forma eram escolhidos os dirigentes das universidades federais no período da ditadura?

Segundo o professor Ricardo Rossato, aposentado do Centro de Educação da UFSM, e que foi eleito em votação direta para vice-reitor do professor Gilberto Aquino Benetti, tendo assumido em 1987 (Benetti assumiu em 1985, pois as nomeações eram em prazos distintos), na época, “a determinação era que as universidades enviassem uma lista sêxtupla elaborada pelos conselhos superiores das instituições. Dentro desta lista, o presidente poderia escolher qualquer nome”.

E quais os critérios para ser indicado dirigente da universidade?

Diz o professor que “o preenchimento da lista dependia de muitas composições internas e poderia ocorrer que houvessem nomes com posições políticas distintas, contudo, o alinhamento ao regime militar era fundamental”. E acrescenta: “Isto significava que quem efetivamente pleiteasse uma indicação, deveria representar um alinhamento à direita e um pensamento conservador”.

Ricardo Rossato

Mas, esse alinhamento não significava que inexistisse algum tipo de disputa, mesmo entre os simpatizantes do regime. “Ocorria com frequência que havia mais candidatos com este perfil (direita conservadora) e, então, se travava, uma luta de bastidores entre os mesmos, utilizando todos os meios para obter a indicação. Aconteceu muitas vezes que este critério levou pessoas medíocres a ocupar o mais alto posto numa universidade, mas que se mostravam subservientes ao regime. E isto tinha um peso decisivo”, analisa Ricardo Rossato.

Em relação às qualidades necessárias ao dirigente máximo da universidade, o professor Edson Nunes de Morais, ex-diretor do Centro de Ciências da Saúde (1990-94), e diretor da Associação dos Professores (Apusm) entre os anos de 1985/86, corrobora a opinião de Rossato.

“Quem escolhia os reitores das federais era o Ministro da Educação. O principal critério para que fossem escolhidos era o de que precisavam ser filiados à Arena (Aliança Renovadora Nacional), antigo partido que dava sustentação política ao governo militar”. Morais lembra que “em 1981, quando Armando Vallandro foi o escolhido (a reitor), vi uma entrevista dada pelo professor na TV local, quando o repórter lhe perguntou ‘por que o senhor foi escolhido?’. Vallandro respondeu: ‘porque sou da Arena’. Provavelmente, outras experiências, como as administrativas, também contassem, mas não eram as mais importantes”, ressalta Edson Morais.

Quais os efeitos da indicação do reitor pelo governo?

Luiz Roberto Simon do Monte, mais conhecido como ‘Beto São Pedro’, cursou jornalismo na UFSM entre os anos de 1973 e 1978, e mais tarde, já nos anos 80, desempenhou o mandato de vereador (1983-88), pelo PT. Do tempo em que foi estudante, Beto São Pedro reconhece que, para a grande maioria, o “sistema de indicação dos dirigentes era normal, pois havia uma despolitização muito forte”.

Simon do Monte, o Beto São Pedro

Conforme o hoje servidor público municipal aposentado, “era muito temerário fazer oposição ao sistema naquele período. A oposição era reduzida e a esquerda mais ainda. Para se ter uma ideia, quando se conseguia fazer uma reunião do campo da oposição, sempre fora dos domínios da universidade, e conseguia mobilizar 30 a 40 pessoas, era tido como um sucesso. Essa situação só começa a se inverter no final dos anos 70, início dos anos 80”, destaca.

Na visão do professor Ricardo Rossato, “o principal efeito se refletia em medidas que visavam controlar ideologicamente a comunidade interna”. Segundo ele, “buscava-se um alinhamento de pensamento atendendo à linha política (do governo). Isto se irradiava nos conselhos e em todos os órgãos hierárquicos da universidade, nas diferentes chefias ou representações”. Em relação às universidades em geral, acrescenta o professor, “várias se apressavam em implantar rapidamente reformas propostas pelo sistema, que entendia, assim, conseguir desmantelar movimentos internos e enquadrar ideologicamente a comunidade universitária”.

Para Edson Morais (foto abaixo), o principal reflexo interno era que essa estrutura de indicação se espraiava na nomeação de diretores de unidades (centros), que eram, na prática, também cargos de confiança do governo ditatorial.

E com relação à questão das indicações dos reitores naquele período, Morais acrescenta algumas peculiaridades relacionadas à UFSM.

O golpe civil militar ocorreu em 1964, quando Edson Morais estava no primeiro ano da faculdade de Medicina, e, portanto, foi testemunha ocular dos fatos. O primeiro reitor da UFSM foi o fundador da instituição, professor José Mariano da Rocha Filho. Ele se manteve como dirigente máximo da universidade por 14 anos, quando, então, muda a legislação, e o reitor deveria ser nomeado a cada quatro anos. Normalmente, o então vice-reitor sucedia o reitor.

Segundo Morais, na época, os militares “granjeavam de alguma simpatia, especialmente no sul do país”, pois alguns presidentes eram de origem estadual ou haviam servido em organizações militares gaúchas. (Emílio Garrastazu) Médici era de Bagé, (Ernesto) Geisel de Estrela; (Artur da) Costa e Silva comandou a 3ª DE (Divisão de Exército) aqui em Santa Maria”. Sendo assim, analisa o docente, talvez por haver esses vínculos “afetivos” com o estado e com Santa Maria, a UFSM detinha alguns “privilégios” políticos, através de seus dirigentes, com membros do governo.

Um tempo de perseguições (e resistência)

Estudante de jornalismo da UFSM entre 1973 e 1978, Beto São Pedro diz que havia perseguições dentro da universidade, mas que elas vinham de fora, com a conivência das autoridades universitárias. “A polícia política do governo, como era a Polícia Federal, por algumas vezes, entrava em salas de aulas para prender estudantes que eram da oposição”. Em razão de dispositivos legais autoritários que haviam à época, no caso da organização do movimento estudantil, os decretos lei 228 e 477, constata Beto, “era um parto difícil montar uma chapa para disputar uma eleição interna nos cursos, único momento de voto direto no processo que culminava com a eleição indireta do presidente do Diretório Central”.

Mariano da Rocha, o reitor Helios Bernardi e o vice-reitor, Derblay Galvão


Ele comenta ainda que não eram raras as vezes em que, quando a chapa de oposição estava pronta, o candidato recebia a “sinistra abordagem de um policial, ou pretenso policial, perguntando se os seus pais gostariam de saber que ele estava envolvido com comunistas”. Esse tipo de abordagem, acrescenta o servidor aposentado, era o que bastava para que ali mesmo se encerrasse a incipiente carreira política estudantil do candidato ou candidata. Sem contar que, pela legislação, neste caso, o decreto 228, só poderiam concorrer alunos que não tivessem sido reprovados em nenhuma disciplina.

Contudo, na ótica de Beto São Pedro, “a falta de democracia interna só era possível de senti-la quem a necessitava, quem tinha consciência do período de arbítrio que vivia o país. E isso só era percebido por aquele pequeno grupo de ‘subversivos e eternos insatisfeitos’ como eram classificados todos os indivíduos que buscavam questionar os rumos do país e da universidade. Para a grande maioria era tudo normal, das escolhas administrativas às definições do conteúdo do ensino ministrado”.

E de que forma se podia resistir? No caso dos estudantes, analisa Beto, a busca de democracia interna foi feita com “insistência, diálogo e discussões em pequenos grupos e movimentos de oposição, até assumir uma dimensão de massas”. Para ele, também contribuíram as ações que se davam de fora para dentro, por parte do que ainda se chama sociedade civil organizada. “E do próprio movimento de professores e funcionários que também buscaram se organizar em defesa de suas pautas específicas e da democratização da universidade”.

Então, diante dessa síntese rememorativa de que como eram escolhidos os dirigentes das universidades federais no período do regime ditatorial, é possível ver semelhanças com o governo de Jair Bolsonaro?

Essa questão demanda um debate mais amplo, em um momento posterior. Porém, ressaltamos aqui, a opinião da servidora técnico-administrativa da UFSM, Cerlene Machado (Tita). Ela foi coordenadora do sindicato dos Servidores (Assufsm) nos anos 90, mas ingressou nos quadros da UFSM em meados dos anos 80, ainda quando existia somente a Associação Beneficente de Servidores (ABS), pois os sindicatos no setor público eram proibidos.



Para Tita (foto acima), o bolsonarismo é mais que um retrocesso democrático. “É algo pior do que ocorria na ditadura, pois naquela época sabíamos onde era e quem era o inimigo. Hoje, a era medieval se apresenta com cara de democrática, porque teve um processo eleitoral e o senhor Jair (Bolsonaro) teve mais votos. A democracia brasileira está doente”, faz questão de sublinhar.

Segue amanhã, no site da Sedufsm,a  segunda reportagem.

 

Texto: Fritz R. Nunes
Imagens: DAG/UFSM e arquivo pessoal
Assessoria de imprensa da Sedufsm

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