A estética do Blues SVG: calendario Publicada em 06/10/2020 SVG: views 2609 Visualizações

Eu me pergunto que cinquentão, que nem eu, sabe quem é B.B. King, Budy Guy, Natalie Cole, John Fogerty, Celso Blues Boy, Jimmy Reed, Robert Cray, Macy Gary, Bill Cosby, Eric Clapton e o conjunto histórico dos que eregiram o Blues a um gênero universal da linguagem musical da Arte? Assim como cânones dessa sublime forma da arte, quem desfruta e ama esse gênero, estamos virando peças de museu ou juntando poeira nas estantes surradas e poeirentas de algum maluco antepassado.

Olhem o gigantesco paradoxo: gostar de negro, de pobre e as gigantescas brancas plantações de algodão, onde o escravo preto plantava e colhia, é coisa para alguém que devaneia nesse contemporâneo tempo onde existe, descaradamente, um preconceito de cor e de classe. O Blues era uma música que servia para informar que o carrasco estava se aproximando. O Senhor, quase sempre ligado a Ku Klux Klan, podia escolher uma negra, ao seu gosto, para satisfazer seus instintos animalescos.

O Blues era um aviso e uma forma musical para aliviar as dores do corpo e as ranhuras da alma. A sublimação diante dos acordes de uma guitarra, do blueseiro hoje, representa a fuga da submissão de seres humanos pobres e pretos da chibata do senhor proprietário de terra e de gente. Segundo a História, o país e império norte-americano, assistia, pacificamente um gigantesco número de negros pendurados em árvores e o cheiro da morte de negros eram naturalizados por uma condição étnica e de classe.

Os negros e blueseiros fizeram de sua capacidade musical e de resistência um cântico de alerta para um contexto de submissão e banditismo contra grande parte da raça humana. O grande e único B.B. King afirmou que trabalhar nos campos de algodão, maltrapilho, ensinou ele a olhar para frente e vislumbrar um outro futuro. Entender o outro e ver uma possibilidade de construção de uma nova possível história. Também deu-lhe o conhecimento para ser resiliente e fazer de cada pedra eregida no seu cotidiano uma forma de ser paciente e pensar num novo futuro. 

B.B. King afirmou que nunca foi impaciente e nunca foi capaz de ver um infindável mal e sempre acreditou na possibilidade da existência da fraternidade, aprendendo a acreditar num possível ser humano diferente. Sejamos sinceros: o sangue do preto e do pobre não escoava livre e impunemente apenas no sul dos Estados Unidos da América. Faz-se presente até hoje nas periferias, guetos e favelas. O preto marginalizado por essa indústria do consumo e o pobre morador do mesmo espaço só possui CPF para seu atestado de óbito. Tiram o encargado das contas do Estado.

Para pobre e preto, flores e aromas somente em seu esquife mortuário. Favelas, ruelas e as sobras dos banquetes estão submersos na escuridão das ruas e sendo roídos pelo submundo inteligente dos ratos, no secreto mundo dos ralos e fedorentos buracos dos esgotos. Não fica longe a travessia inicial de B.B. Kingo e a realidade de quem não tem conta bancária ou contracheque. Dizia o grande Paulo Freire que eu escrevo em favor dos esfarrapados do mundo e contra as malvadezas neoliberais.

O amor é um universo não explorado. Não amados desse egoísta mundo: uni-vos! O gênio do Blues usou calça curta, plantou e colheu algodão. Sua mãe e vovó lhes ensinaram premissas sobre a existência. Ele trabalhou feito escravo nos campos de algodão, mas ele desenvolveu o aprendizado sobre amar as mulheres e seus semelhantes. A guitarra se transformou no instrumento para mudar seu mundo e uma perspectiva para poder enxergar um outro mundo. Ser submisso e escravo não era seu ideal de mundo. O amor pelas plantações, a imponência de um trator lhe provou que era possível um mundo novo.

B.B. King sabia que não poderia ser um bom pastor. Segundo ele próprio, era um pobre gago que lidava mal com as palavras. Enquanto jovem, queria conquistar as meninas que circulavam ao redor de sua vida. Acordes da guitarra eram melhores que dar conselho num púlpito de um bom pastor. A singeleza do humano, sua mãe o ensinou. Depois que ela morreu, foi levado a morar com seu pai, que sentimento não tinha. Fugiu. Voltou para seu passado e o branco do algodão. Lá tinha domínio da plantação e as meninas da igreja.

Através de sua negritude foi aprendendo as maldades dos brancos e a famigerada estúpida Ku Klux Klan. Esse pernóstico mundo não subverteu sua forma de amar e a importância da lógica da vida. Os pretos aprendem com a dor e a morte, o que é o amor. Nós, pobres, sabemos desse inverso dos diante das necessidades da vida. Pretos e pobres são o resto ou o fragmento dos pratos do rico. O rico dita as normas dessa pocilga da sociedade meritocrática dos bem-aventurados e ricos. Diz Albert Camus: que não ser amado é uma contingência da vida; não amar é a grande desgraça. Onde escoa e ecoa a voz dos pretos, pobres e excluídos? No cântico da vertente histórica do Blues. Segundo B.B. King: "a minha bisavó, que também tinha sido escrava, falava sobre antigamente. Falava o começo do Blues e como cantar ajudava o dia passar. Cantar sobre sua tristeza tirava o fardo da alma". Essa é a importância da linguagem da alma para um pobre cheio de espírito. Diz o poeta que a alma é muito mais dilacerada que a vida. Viva a alma que é como as andorinhas, possuí asas e voa...

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por Luiz Carlos Nascimento da Rosa
Professor aposentado do departamento de Metodologia do Ensino do CE

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