Tempos sombrios SVG: calendario Publicada em 12/11/2020 SVG: views 250 Visualizações

No cenário dramático de 2020 coexistem dois polos antagônicos: um sentimento de pertença cosmopolita e de aspiração a uma emancipação dos persistentes egoísmos nacionalistas, étnicos, religiosos, identitários e a resistência dos particularismos, que se erguem muitas vezes plenos de rancor, de ódios fratricidas e formas insidiosas de xenofobia.  

Conforme Georges Didi-Huberman, “a crise generalizada intima profundamente a dimensão cultural, artística, política, ecológica, espiritual e filosófica do nosso tempo, pois todas estão tocadas, no seu âmago, por um sentimento de desorientação e de incerteza”. 

Vivemos um período de transição crítica. A teoria do capital social tem apontado que sociedades mais desenvolvidas têm mais relações de confiança interpessoal e que as menos desenvolvidas têm menos relações de confiança. Então, podemos concluir que a confiança dos cidadãos, seus laços de cooperação e solidariedade entre si levam à criação de riqueza, ao desenvolvimento econômico, social e confiança nas instituições políticas. Por outro lado, a economia e o próprio crescimento econômico têm um efeito importante sobre as instituições políticas da democracia. Patamares muito baixos de crescimento econômico e distribuição de renda ameaçam a crença na democracia, nos direitos e liberdades fundamentais. 

Como afirma o cientista político Everton Rodrigo Santos: “em momentos de crise econômica aguda, é comum que as pessoas, principalmente em países de forte tradição autoritária como o Brasil, apostem em líderes messiânicos ou mesmo carismáticos para a solução de seus problemas de curto prazo em prejuízo da crença em si mesma e em suas potencialidades. Assim, quanto mais desesperada está à sociedade, maior é a “crença na necessidade” de lideranças “fortes”, “populistas”, “salvadoras”, ao passo que, quanto menos desesperada está a sociedade, menor é a necessidade de lideranças “salvadoras”. No Brasil, apela-se sempre para entidades grandiosas em momentos de desespero nacional, como a figura de Deus ou do Estado”.

Enfim, estamos vivendo em tempos sombrios. Hannah Arendt dizia que os tempos sombrios são as épocas das guerras, mas também das guerras sombrias declaradas ou pretensas pazes sombrias, é quando o “domínio público perdeu o poder de iluminar”. 

Como diria Bertolt Brecht: 

Eu vivo em tempos sombrios.
Uma linguagem sem malícia é sinal de
estupidez,
uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ainda ri é porque ainda não
recebeu a terrível notícia.

Que tempos são esses, quando
falar sobre flores é quase um crime.
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?
Aquele que cruza tranquilamente a rua
já está então inacessível aos amigos
que se encontram necessitados?

É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.
Mas acreditem: é por acaso. Nado do que eu faço
Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.
Por acaso estou sendo poupado.
(Se a minha sorte me deixa estou perdido!)

Dizem-me: come e bebe!
Fica feliz por teres o que tens!
Mas como é que posso comer e beber,
se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome?
se o copo de água que eu bebo, faz falta a
quem tem sede?
Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por José Renato Ferraz da Silveira
Professor do departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM

Veja também