Vamos como o pólen no vento SVG: calendario Publicada em 11/10/2022 SVG: views 3851 Visualizações

Daqui alguns dias, lá vem um dia que eu gosto. O dia 15 de outubro. Dia da professora e do professor. Dia de comemorar o que se ensina, mas, principalmente, o que se aprende. E eu aprendi muito nessa minha vida de sala de aula. Muito antes dela. Muito antes de eu saber que seria professora. Antes mesmo de eu ser aluna, aprendi vendo minha mãe sendo professora. Docência não é sacerdócio, eu sei. Mas coisa linda é ver alguém que ama o que faz.

Qualquer dia, qualquer inverno, qualquer tempo: mochila nas costas e gosto pelas pessoas. E lá se vai a professora. Mas hoje não tem luz na escola. Faltou merenda para as crianças. O ônibus quebrou, atolou, tantas outras chances de não dar certo no interior do interior da nossa pequena cidade. Mas segue em frente. Porque sempre tem alguém querendo que a educação não dê certo. Mas também sempre tem uma professora teimando em fazer dar. Teimando ensinar a juntar as letras e cantar as palavras.

Teimando em fazer dos números, contas, contos. E segue em frente, porque sempre tem mais alguém querendo que a educação dê certo. Lá no fundo, bem fundo da minha memória, a imagem da minha mãe e das colegas dela de magistério. Sineta nas mãos. Leoas. Era mais um pacote de ataques, mais um corte, menos um benefício.


Depois da luta, a volta para a sala de aula, muitas vezes, com o gosto amargo da desvalorização. Que despenteia a juba. Dá uma rasteira, coloca no chão. Mas peraí. Nessa vida de lições, eu vi a professora se levantar. Muitas vezes. Na semana passada, me doeu mais uma vez. Mais um corte. Profundo na educação. Cortina de fumaça, talvez. Caso pensado. Capítulo ensaiado de um governo que ficou de puxa e frouxa conosco durante quatro anos. Fez, desfez, disse que não fez, voltou atrás e, ao final, piorou tudo. Pode ser. Mas saber como funciona esse jogo, não faz com que a gente sinta menos o pênalti roubado. Baixou a minha juba. Bolsas cortadas, eventos cancelados e uma grande chance da universidade não sobreviver. Grandes chances da democracia não sobreviver.

Não que na época da minha mãe fosse pouco ou fosse fácil, mas agora o ataque é por todos os lados: um megazord que combina anti-ciência, anti-gente, anti-futuro, que trabalha muito pouco e faz muita motociata por aí. E, pouco humano que é, debocha de quem sofre. Mas eu sou filha de professora, das brabas, das que teimam. Voltei para a sala de aula com mais gana. Pensei em mil projetos novos. Sentei em roda com estudantes, falamos do futuro, de como ser feliz com a profissão que escolheram. Me refiz em cada sonho daqueles. "Eu quero fazer intercâmbio, profe". "Quero me formar o quanto antes". "Ainda quero aprender mais sobre…". E eu quero que cada pessoa ali possa continuar acreditando. Porque eu acredito nas pessoas e no ensino.

Que no dia 15 a gente siga acreditando. E de solavanco em solavanco, a gente sempre encontre uma mão ou um sorriso de gente com esperança no futuro, que nos faça levantar. Que a gente conserve no peito essa mania de ter fé na vida. Que nossos exemplos nunca cessem e que a gente também possa ser força motriz para alguém. Que as rasteiras não nos alcancem, mas quando (e se) alcançarem, que a gente saiba fingir que tropeçou. Eu não caí, eu juro. Continuo em movimento. Que depois das tempestades a gente consiga brotar. Porque no final, é chuva também. E que a gente continue multiplicando, como diz Jorge Drexler, como o pólen no vento.          

                    

 

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por Juliana Petermann
Professora Associada do departamento de Ciências da Comunicação da UFSM

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