Bolsonaro quer transformar país em área de “plena mineração”, diz pesquisador
Publicada em
14/12/18 23h20m
Atualizada em
15/12/18 15h29m
1532 Visualizações
Seminário do ANDES-SN em Rio Grande teve relato de pescadora que acompanhou tragédia da Samarco
Os Estados Unidos e a China lideram uma nova “corrida ao ouro” em caráter mundial, em busca de minerais que são fundamentais para sustentar a ‘revolução tecnológica’. E essa revolução não pode ser feita sem minerais básicos, assim como o agronegócio precisa, por exemplo, do potássio. A constatação é de Márcio Zonta, formado em Comunicação Social (Relações Públicas), e que acompanhou de perto conflitos importantes entre mineradoras e populações locais, tanto no Peru como em Carajás (Pará).
Zonta, que pesquisa os conflitos na mineração e integra atualmente o MAM (Movimento pela Soberania Popular na Mineração), disse também que, diante desse quadro, em que o capital global busca com urgência novas áreas para extrair riquezas, o governo eleito de Jair Bolsonaro vê a possibilidade de incrementar a economia do país, transformando o Brasil em área de “plena mineração”.
O pesquisador participou, na manhã de sexta (14), da mesa “Panorama da mineração no Brasil”, no Auditório do Hospital Universitário da FURG, em Rio Grande. Esse foi mais um dos temas abordados no II Seminário Regional sobre impactos dos projetos de mineração, iniciado na quinta (13) e organizado pelo GTPAUA/ANDES-SN, Secretaria RS do ANDES-SN, além das demais seções sindicais de docentes do estado. Fizeram explanações nesta mesma mesa, a pescadora artesanal de São Mateus (ES), Adenisia Sena, e a doutoranda do Programa de Desenvolvimento Rural da UFRGS, a mineira Elenice Coutinho.
Quando fala em área de “plena mineração”, Márcio Zonta quer dizer que, na realidade, o que o presidente eleito e sua equipe econômica ultraliberal pretendem é seguir exemplos do que foi feito no Chile, com o desrespeito ou, até mesmo, a aniquilação da legislação ambiental, não se importando em permitir que seja feita mineração em área indígena ou quilombola, ou mesmo junto a populações tradicionais. Zonta vai ainda mais longe. Para ele, os projetos para mineração na metade sul do RS, como os do rio Camaquã, e o de Retiro, em São José do Norte, poderão redundar em um colapso ambiental e cultural da região.
Testemunho do sofrimento
O destaque das mesas do II Seminário sobre os impactos dos projetos de mineração foi a mescla de pesquisadores, acadêmicos e trabalhadores e trabalhadoras da área de pesca. Foi o caso de Adenisia Sena, pescadora da região de São Mateus (ES), que integra também o MPP (Movimento Nacional de Pescadores e Pescadoras) e outros movimentos como a Articulação Nacional de Pescadoras. Adenisia, bem-humorada, mas ao mesmo tempo emocionada, é uma testemunha dos efeitos do vazamento da lama tóxica da barragem da Samarco, em Mariana (MG), e que chegou até o Espírito Santos, destruindo vidas humanas, animais, e vegetação pelo caminho.
Logo que começou falar, a trabalhadora pediu que todos os presentes dedicassem um minuto de silêncio para lembrar as mortes resultantes da tragédia da Samarco. “A vontade é de chorar”, disse Adenisia. Ela também denunciou que as mineradoras, através do seu poder econômico, fazem diversas promessas às comunidades próximas aos empreendimentos, mas depois não cumprem. Ainda em tom de denúncia, a capixaba ressaltou que o Brasil está vivendo um momento de “grande angústia”, pois os pescadores artesanais correm cada vez mais riscos de perder suas identidades, a partir da expulsão de seus territórios, após a implantação de projetos de mineração.
Elenice Coutinho, do programa de pós-graduação em Desenvolvimento Rural da UFRGS, centrou sua exposição na análise no Programa Nacional de Mineração, que também tem seus reflexos nos estados. Segundo ela, o documento foi elaborado de forma participativa, mas na grande maioria por entidades ou empresas interessadas em explorar o serviço de mineração, ignorando setores que tem posição crítica. Segundo ela, há várias fases da exploração da mineração no Brasil, e atualmente, estaríamos passando para o “estágio 3”, o que, na prática, significa a expansão para as terras da Amazônia legal.
A luta em documentário
Ao final da manhã desta sexta, após a mesa que tratou dos projetos de mineração no Brasil, o documentarista Tiago Rodrigues apresentou o “Dossiê Viventes: o pampa sobreviverá”. O documentarista aproveitou o evento para fazer o pré-lançamento do filme que retrata a mobilização das comunidades que fazem parte da bacia do Camaquã, e que lutam contra a instalação do projeto de uma mineradora de chumbo, das empresas Votorantim Metais e Iamgold às margens do rio. Cerca de 40 depoimentos, entre pesquisadores e lideranças, foram ouvidos pela equipe do documentarista. Para 2019, Rodrigues prepara uma série de agendas pelo Rio Grande do Sul para divulgar o filme. No momento dos debates, Rodrigues disse que chegou a ser procurado por uma mineradora, que queria "apoiar" as filmagens. Ele se recusou a conversar a respeito.
Texto e fotos: Fritz R. Nunes
Assessoria de imprensa da Sedufsm