Coggiola: esquerda precisa mirar no coração do poder político institucional SVG: calendario Publicada em 06/09/19 15h49m
SVG: atualizacao Atualizada em 06/09/19 15h52m
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Historiador avalia ser importante pressão para convocar uma Assembleia Nacional Constituinte

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Osvaldo Coggiola: necessidade de recuperar papel dos sindicatos e ter a juventude agindo junto

O economista e professor de História da Universidade de São Paulo (USP), Osvaldo Coggiola, publicará, em breve, o livro intitulado “De FHC a Bolsonaro: Elementos para uma História Econômico-Política do Brasil”, no qual propõe uma espécie de inventário econômico e político sobre o Brasil dos últimos 40 anos, a fim de entender melhor as condições que alçaram Jair Bolsonaro ao poder. Todo o livro é marcado por uma forte percepção de Coggiola acerca do não abandono completo do passado colonial no Brasil contemporâneo.

Na entrevista que você lerá abaixo, realizada durante o 64º Conselho do ANDES-SN (Conad), que ocorreu de 11 a 14 de julho, em Brasília, o historiador traz sua análise sobre os primeiros seis meses do governo Bolsonaro, além de traçar perspectivas para uma organização estratégica da esquerda brasileira. Alguns pontos destacados pelo docente foram o deslocamento do poder político para o parlamento, a fragmentação política e sindical no Brasil, e a necessidade da esquerda constituir uma alternativa real de poder.

A entrevista foi publicada em parte na última edição do jornal da Sedufsm, que pode ser lida aqui. A íntegra do bate-papo segue abaixo.

Sedufsm – Professor, na sua avaliação quais as principais características do governo Bolsonaro nesses primeiros seis meses?

Coggiola - O governo Bolsonaro foi caracterizado como uma vitória da extrema direita, que iria lançar, por um lado, políticas de destruição de conquistas sociais e, por outro, políticas de caráter obscurantista. E ele fez tanto uma quanto outra coisa. Desse ponto de vista, correspondeu às expectativas. O que não correspondeu às expectativas foi a resistência que essas medidas suscitaram, tanto do ponto de vista da luta contra o projeto Escola Sem Partido, por exemplo, quando da resistência que suscitaram os cortes educacionais e a reforma previdenciária, que levaram, nos primeiros seis meses de governo, a três grandes jornadas de luta (15 de maio, 30 de maio e 14 de junho). E agora, no Conad, acabamos de votar uma nova paralisação geral para 13 de agosto (já efetivada).

O que o governo Bolsonaro fez foi, basicamente, acirrar a polarização social e política do país. A reforma previdenciária votada na Câmara foi mais uma articulação do parlamento do que de Bolsonaro. Ou seja, temos uma situação de crise, em que o centro do poder político se deslocou curiosamente para o parlamento, sendo que Bolsonaro se elegeu com um discurso condenando os políticos em geral, inclusive aqueles do parlamento, e prometendo uma moralização do país de modo autoritário. Estamos diante de uma situação de crise institucional que é de longo prazo e terá mais manifestações no futuro.

Sedufsm – Qual tem sido o papel dos partidos da oposição nesse período?

Coggiola – Na votação da Reforma da Previdência na Câmara, vimos que parte do que se supunha ser a oposição, ou seja, os partidos do centrão, estariam na oposição a Bolsonaro, mas não na oposição às suas políticas reacionárias. A oposição parlamentar, formada pelos partidos de esquerda, não tem muito futuro, pois é muito minoritária.

Mas temos a oposição social, que é muito mais importante: sindicatos, movimento estudantil, etc, que convocaram as manifestações e demonstraram um grande poder de mobilização, contrariando quem afirmava que estavam derrotados pela vitória de Bolsonaro. O problema é que carecemos de uma alternativa política de poder que denuncie a crise em que se encontram as instituições – o Executivo porque não consegue fazer um governo do executivo; o Legislativo porque é considerado o centro da corrupção do país; e o Judiciário porque está dividido e sua principal carta de triunfo, a Operação Lava Jato, está sob questão pelas revelações do site The Intercept e pelo fato de que Moro assumiu o cargo de ministro da Justiça, o que deixou claro, mesmo sem interceptações, que seu interesse na Operação Lava Jato não foi levar adiante a justiça de modo imparcial, mas utilizá-la como plataforma para chegar ao poder político.

Diante de uma crise de todas as instituições, cabe colocar como ponto de unificação política das oposições sociais uma reivindicação que aponte ao coração do poder político institucional. Essa reivindicação não pode ser hoje a de que organismos de outra base política substituam o regime existente, porque esses organismos por enquanto não existem. O que existem são movimentos que conseguem se articular para convocar manifestações, mas não como alternativa política de poder.

Numa situação como essa temos impasse. Esse impasse poderia ser resolvido se a oposição lançasse uma oposição política que não se limitasse a reclamar a saída de Bolsonaro ou a mudança de um regime político de tal forma que o presidencialismo se transformasse em parlamentarismo. Os movimentos sociais de oposição não podem se conformar com uma perspectiva dessa, ou seja, trocar Bolsonaro por Rodrigo Maia. Ao contrário, está colocado que intervenham audaciosamente na crise política lançando, por exemplo, uma palavra de ordem como a da assembleia constituinte, que manifestaria o desejo de destituição dos poderes políticos existentes e enfatizaria o caráter legislador e o povo em luta. Mas essa discussão ainda está pouco amadurecida, não tem nenhum consenso desse tipo.

Sedufsm – Como o senhor analisa o papel do movimento sindical no atual momento político? Não lhe parece que os últimos movimentos de massa, principalmente de 15 e 30 de maio, foram muito capitaneados pelos estudantes e pela bandeira da educação?

Coggiola - A massa na rua foi basicamente de estudantes, de jovens na verdade. Mas não devemos esquecer que mesmo que a massa fosse composta por estudantes, a convocatória foi feita por sindicatos. E sem essa convocatória os jovens não teriam ido para a rua. As primeiras grandes manifestações contra Bolsonaro foram convocadas por sindicatos, o que demonstra que o papel deles continua sendo decisivo. O problema é que o movimento sindical no Brasil tem certa peculiaridade, a começar por estarmos divididos em mais de 10 centrais sindicais, o que já põe logo de cara um obstáculo decisivo, de tal modo que os sindicatos mais combativos têm que propor instâncias sindicais ou de organização que superem essa divisão entre sindicatos. Ou seja, propor formas de organização através das quais se possa incluir, inclusive, a base dos sindicatos que operam claramente como entraves ao movimento.

É preciso lançar uma iniciativa audaciosa e de base do movimento operário e sindical, que inclua a juventude. Isso acontece de modo muito parcial por enquanto, como em iniciativas de caráter regional. Mas não há uma iniciativa nacional nesse sentido, porque não existe consenso político dentro da esquerda. A questão do ‘Lula Livre’ não se mostrou um fator de mobilização importante. Houve algumas manifestações, mas não se comparam ao que foi capaz de convocar a luta contra os cortes na Educação ou a Reforma da Previdência. Lula claramente é um preso político, mas fazer disso o centro da questão já mostrou que não funciona.

Temos que superar a confusão política dentro da esquerda. Mas esse é um processo que se dá no tempo, através de debates políticos e da configuração de outras forças de esquerda, que por enquanto têm caráter muito embrionário.

Sedufsm – O que dá para esperar dos próximos meses em relação ao governo? A tendência é o governo enfraquecer ou continuar forte?

Coggiola – A classe empresarial nacional e estrangeira declarou sua alegria pela vitória, na Câmara dos Deputados, da Reforma da Previdência. Mas o herói da reforma foi Rodrigo Maia e não Bolsonaro. Portanto, cabe esperar que a crise institucional permaneça. Em segundo lugar, as afirmações que foram feitas em relação à reforma foram de que sua votação suscitaria uma onda de crescimento econômico. Acontece que a crise e o desemprego não dependem de uma reforma previdenciária, e sim de fatores que se vinculam com a crise econômica mundial, com a re-primarização da economia brasileira, com a queda dos preços das matérias-primas no mercado mundial. Portanto, não dá para prever que vai haver uma recuperação econômica. Não havendo isso, o efeito mágico provocado pela Reforma da Previdência vai durar pouco tempo e os movimentos vão se ver obrigados a sair à luta, pois será questão de sobrevivência, empregando métodos de luta mais ousados que os atuais e que incluam a organização dos desempregados, pouco desenvolvida no Brasil. Quando houve a grande crise de 2001 na Argentina, isso pôs em vidência um movimento ‘piqueteiro’, que tinha como base uma enorme massa de desempregados. Acho que teremos de chegar a um movimento dessa natureza.

Os sindicatos não devem se limitar a organizar suas próprias bases, mas organizar os desempregados das diversas categorias, ao passo que a juventude, com sua própria dinâmica, deve atuar coordenadamente com esse movimento. É isso que esperamos.

A política por cima está marcada pela crise institucional, e por baixo está marcada pela diferenciação política. Portanto, o debate político deve continuar. O ANDES-SN é uma exceção, pois tem elevado grau de debate político.

Temos que ter movimentos como nos anos 80, de recuperação dos sindicatos. Naquele momento foi contra os pelegos que vinham da ditadura militar. Agora tem que ser contra os ‘pelegos modernos’, que vêm do processo de integração da esquerda ao Estado nos últimos anos, chamados democráticos.
 


Entrevista: Fritz R. Nunes

Foto: Arquivo/Sedufsm

Texto e edição: Bruna Homrich

Assessoria de imprensa da Sedufsm

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