Pandemia de transtornos mentais pode suceder a de COVID-19, diz docente SVG: calendario Publicada em 04/05/20 14h36m
SVG: atualizacao Atualizada em 16/07/20 10h29m
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Vitor Calegaro, professor de neuropsiquiatria da UFSM, coordena pesquisa sobre saúde mental em tempos de coronavírus

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Pesquisa é desenvolvida pelo Centro Integrado de Atenção às Vítimas de Acidentes

A pandemia do novo coronavírus vem deixando as pessoas mais ansiosas, seja em decorrência do aumento no número de mortes, da solidão e inquietude impostas pelo isolamento ou da incerteza sobre o que será do futuro pós-pandêmico. Esse cenário descortina a necessidade do desenvolvimento de pesquisas que auxiliem no entendimento sobre os episódios de sofrimento coletivos. Conforme explica o professor do departamento de Neuropsiquiatria da UFSM, Vitor Calegaro, o foco dos estudos em uma situação de pandemia é o combate ao vírus em si. Contudo, ele, que também coordena o laboratório de psiquiatria do Centro Integrado de Atenção às Vítimas de Acidentes (CIAVA), destaca a importância de se demandar atenção para o aspecto da saúde mental, pois a pandemia em si vai passar, mas os impactos dessa situação, como é em outros desastres, devem continuar.

“Pelo menos uma parcela da população mundial vai desenvolver transtornos depressivos ou transtornos de estresse pós-traumático, seja por passar pela situação de adoecimento e/ou entubação, por exemplo, seja por perder familiares e amigos para uma doença aguda que, em questão de 5 ou 10 dias, pode fazer um grande estrago. Um trauma coletivo causa diversos impactos. Não é a primeira pandemia que acontece, e não vai ser a última. Eventualmente a humanidade é impactada por esse tipo de situação”, aponta Calegaro, que também desenvolveu trabalhos junto aos sobreviventes da tragédia na boate Kiss.

Ele explica que há três tipos de catástrofe: de natureza humana, tecnológica e natural. Diferentemente de um terremoto, que costuma ser um evento avassalador e causar uma grande devastação num curto período de tempo – muitas vezes em minutos -, a pandemia seria algo mais insidioso e com uma duração mais prolongada. “A gente pensa na situação da China ou da Itália. Eles foram pegos mais de surpresa do que a gente está sendo agora. Tanto que conseguimos, nesse primeiro momento de chegada de notícias e óbitos, já tendo outras experiências, nos organizarmos para uma série de pesquisas”.

Calegaro diz que o entendimento da relação existente entre uma doença física aguda com potencial mortal e os transtornos de estresse pós-traumáticos ainda é recente na comunidade médica. Embora a depressão já figurasse como tema de estudo, foi mais especificamente nos últimos cinco anos que começaram a sair artigos enfocando o papel da doença física na incidência de transtornos psíquicos. Exemplos são artigos que apontam o desenvolvimento de transtorno de estresse pós-traumático em pessoas que sofreram infarto agudo do miocárdio ou acidente vascular cerebral (AVC). Para o docente da UFSM, um grave adoecimento é um coevento traumático que pode guardar potencial semelhante em termos de danos psíquicos que uma situação de violência urbana, doméstica ou de abuso sexual.

O que é, de fato, a resiliência?

Calegaro alerta para os possíveis sentidos atribuídos à palavra ‘resiliência’. Embora o termo não encerre uma compreensão consensual, o docente diz que a maioria das pessoas é resiliente aos traumas, ou seja, sentirão o impacto do evento traumático, poderão desenvolver uma série de sintomas típicos de sofrimento psíquicos, mas se recuperarão rapidamente, adaptando-se à nova realidade. Ele diz que resiliência “não é a ideia de voltar a ser como antes, voltar ao normal, mas de se adaptar a algo novo, particularmente quando é uma situação que não volta mais, por exemplo quando existe a morte ou perda patrimonial, o tempo não volta mas a pessoa se adapta a essa situação e consegue permanecer relativamente bem, sem sintomas. Não quer dizer que não vá ter momentos de tristeza e choro, mas não vai ter uma depressão ou algo mais sério”. Ele ainda completa: a capacidade resiliente de cada um depende de uma série de fatores, como o impacto do trauma – por exemplo, se foi um trauma violento e de abuso sexual, onde houve a intenção de causar dano. Nesses casos, normalmente o impacto do sofrimento é maior.

“Mas considerando de maneira geral a maioria das pessoas é resiliente aos traumas, o que não significa ausência de sintomas. Se a ideia de resiliência é a de suportar simplesmente a situação e passar reto por ela, sem ficar ansioso ou sentir algo, isso não é resiliência, isso é resistência. Algumas pessoas são resistentes, mas isso não é a maioria. Então quando a gente fala que a maioria das pessoas é resiliente não quer dizer que vão passar pela situação traumática como se nada estivesse acontecendo, sem sentir um impacto emocional, bem pelo contrário”, explica.

Quais as possíveis respostas individuais ao trauma coletivo?

De forma geral, a partir de estudos longitudinais já realizados, pode-se dizer que existem quatro tipos de resposta das pessoas às situações traumáticas. O primeiro grupo é o das pessoas que são resistentes, não apresentando sintomas. O segundo grupo é o das pessoas resilientes – maior parte da população -, que desenvolve sintomas e melhora rapidamente. Um terceiro grupo é composto por pessoas que demoram mais tempo para se recuperar e demandam um tratamento mais prolongado para depressão ou transtornos pós-traumáticos. O quarto e último grupo seria composto por uma minoria de pessoas – em torno de 2% - que apresentam uma trajetória crônica e grave de sintomas, com um prolongamento do sofrimento ao longo do tempo.

“Esse [último grupo] tem um grande impacto do trauma na vida. São transtornos que duram por muito tempo e acabam trazendo outros impactos na saúde, como maior adoecimento por outros motivos. E também tem aqueles que no início de uma situação de trauma não sentem muito, têm alguns sintomas mas nada que saia muito do normal. E com o passar do tempo, com a evolução, vão piorando, e essa piora vai acontecendo ao longo de meses ou anos. Até que chega a um ponto que pode ter passado alguns anos do evento traumático e a pessoa está se sentindo muito mal, de forma muito pior do que estava no início”, esclarece Calegaro, e acrescenta: “É possível sim que aumentem os transtornos mentais na população e, para um grupo de pessoas, esses problemas vão continuar após a pandemia”.

Pesquisa sobre saúde mental

O professor Calegaro, através do Ciava, vem trabalhando em um projeto de pesquisa chamado “Covid Psiq”, que busca coletar elementos sobre os transtornos psíquicos desenvolvidos em meio à pandemia do novo coronavírus. Para tal, o grupo elaborou um questionário para ser respondido de forma online por pessoas acima de 18 anos que residam no Brasil, ou por brasileiros que atualmente morem no exterior. A pesquisa fica disponível até esta quarta-feira, 6 de maio, podendo ser respondida aqui. Os dados obtidos serão submetidos à plataforma Survey Monkey, que fornece ferramentas para análise de dados. Para acompanhar o andamento da pesquisa, curta a página de Facebook COVID Psiq

Calegaro explica que o objetivo da pesquisa não é simplesmente quantificar a porcentagem de pessoas que está com sintomas de adoecimento. “A partir do momento em que a pessoa entra no estudo, a gente vai acompanhando como vão mudando os sintomas ao longo do tempo e a gente vai poder ver se houve aumento do problema ou não. Poderemos também traçar planos e estratégias para lidar com talvez uma segunda pandemia, que é a de trantornos mentais, que pode vir decorrente de como vai ser essa situação em cada realidade".

“A pandemia ainda está em curso, em evolução. A gente não viu o pico dessa história, e com o passar do tempo, com os acontecimentos da nossa realidade local, com o impacto desses eventos, é provável que vá existir um aumento de sintomas de ansiedade, depressão, etc. Não sabemos como vai evoluir. Estamos falando de algo continuado e prolongado”, aponta o docente.

Para ele, a universidade pública tem um papel fundamental no enfrentamento tanto à pandemia em si quanto aos impactos que ela trará. “Acho que essa é a grande missão da universidade: produzir conhecimento para que possamos diminuir o sofrimento, encontrar a cura ou ao menos amenizar os danos causados por essa realidade. A universidade é motivada por interesses públicos e está em benefício de todos”, conclui.

 

Texto: Bruna Homrich

Imagens: Facebook  COVID Psiq e Arquivo Pessoal

Assessoria de Imprensa da Sedufsm

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