Professores e educadores populares posicionam-se pelo adiamento do Enem SVG: calendario Publicada em 16/05/20 12h09m
SVG: atualizacao Atualizada em 19/05/20 14h27m
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Desigualdade de condições para estudo remoto estão no centro da defesa pelo adiamento

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Recentemente, quando questionado sobre a possibilidade de adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) devido à pandemia do novo coronavírus, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse, ao defender a manutenção da data da prova, que o objetivo do exame não seria “corrigir distorções”, tratando-se, segundo ele, de uma “competição”. O antecessor de Weintraub no Ministério da Educação (MEC), Ricardo Veléz, afirmou, certa vez, que as universidades brasileiras deveriam ficar reservadas a uma “elite intelectual”. Para docentes e educadores populares, afirmações como essa, quando somadas à defesa intransigente do governo Bolsonaro de que a prova ocorra na data prevista originalmente, revelam um projeto de universidade bem específico. Mais: não adiar o Enem seria desconsiderar a desigualdade social que impera no seio da população brasileira, levando à assimetria de acesso aos meios tecnológicos e demais ferramentas de estudo remoto. Cabe destacar que, mesmo com os pedidos de adiamento, as inscrições para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foram abertas na última segunda-feira, 11, sob severas críticas.

A docente do departamento de Letras Vernáculas da UFSM, Francieli Pinton, acredita que manter a data de aplicação do Enem significa desconsiderar os diferentes ‘Brasis’ que nos constituem, “e ir de encontro a uma proposta de inserção democrática de estudantes de todas as regiões deste país. Ainda que seja um exame seletivo, o Enem possibilitou a diminuição de fronteiras geográficas e sociais”. Na avaliação da docente, a manutenção ou adiamento do Enem deve levar em conta a natureza pobre e desigual de nosso país, que impõe barreiras e exclui aqueles que não têm acesso às ferramentas digitais.
“Além disso, é preciso considerar que estudar remotamente não significa ter um celular à mão e um acesso precário à internet, mas sim ter fluência digital; ou seja, projetar, criar e expressar-se com os recursos tecnológicos.
Por fim, a manutenção promove a angústia e amplia as incertezas de nossos estudantes neste momento de pandemia. Precisamos promover a saúde mental dos estudantes, construindo redes que fortaleçam a solidariedade e o respeito à diversidade. Menos competição e mais consciência social”, argumenta Francieli.

Cursinhos populares

O Práxis é um cursinho pré-vestibular de caráter popular que funciona desde 2000 em Santa Maria. Totalmente gratuito e voltado à preparação de estudantes de baixa renda para o ingresso na universidade, as aulas e atividades são realizadas majoritariamente por estudantes de cursos de graduação da UFSM. Diorge Konrad, docente do departamento de História da UFSM, integra a coordenação do cursinho desde 2003, e explica que a maioria dos (as) educandos (as) são trabalhadores (as), com origem em escola pública e com carência de acesso às tecnologias digitais, assim como, devido ao seu caráter de classe, mais expostos ao vírus.

“A realidade da pandemia do coronavírus, somada com a quarentena dos sistemas educacionais, particularmente dos ensino médio e superior, bem como a pressão da maioria dos estudantes brasileiros, dos movimentos sociais e sindicais em torno da educação, deverão pressionar o adiamento da data do ENEM, mas para além de 2020, provavelmente janeiro e fevereiro do ano que vem. Mas a razão fundamental para o necessário adiamento deve se basear na exclusão de parcela significativa dos estudantes que não têm acesso de qualidade ou não têm acesso nenhum ao ensino online, os quais enfrentarão as provas de forma absolutamente desigual!”, opina Konrad.

Kauan Machado, estudante de Ciências Sociais na UFSM e educador de sociologia no Práxis, esclarece que o cursinho objetiva preparar os estudantes para os processos seletivos de acesso à universidade mas também para eles entenderem o funcionamento e a importância da universidade. “Utilizamos recursos pedagógicos para que a experiência de frequentar o curso vá muito mais além do que apenas realizar a prova. Frequentar um curso pré-vestibular possibilita que os estudantes tenham uma rotina de estudos com matérias preparadas por pessoas que já frequentam as universidades, e possibilita o contato com as pessoas não só para sanar dúvidas sobre o conhecimento das diferentes áreas, mas também para entender como funciona a universidade e como se dá esse acesso à universidade, o que é muito importante para além de estudar. O Enem acontecendo esse ano faz com que a prova seja muito mais difícil para os educandos do Práxis que teriam o ano inteiro de estímulo pedagógico e que não está sendo possível devido à pandemia”, salienta Machado, que integra a coordenação do cursinho.

O educador ainda critica a defesa do governo de que quem está realmente interessado pode dar um jeito de estudar. “A gente sabe que não é assim que funciona. Estudar é uma tarefa árdua e é preciso ser feita de forma correta, com as ferramentas corretas. É por isso que nós, do Práxis, nos posicionamos pelo adiamento do Enem, pelo fora Bolsonaro e todos seus aliados que estão tocando esse projeto entreguista e covarde no Brasil”, diz Machado, lembrando que, segundo o IBGE, em 2018, 46 milhões de brasileiros não tinham acesso à internet. “Hoje, por exemplo, boa parte dos estudantes de ensino médio e as demais pessoas que vão realizar o Enem não têm acesso à internet, e esse é um ponto crucial para as pesssoas que vão realizar a prova”, aponta.

O Práxis lançou uma nota pública em defesa do adiamento do Enem. Leia aqui.

Projeto elitista de educação

Kauan Machado cita o sociólogo Carlos Rodrigues Brandão para falar de divisão social do saber, categoria que explica o porquê de algumas pessoas já estarem historicamente destinadas ao trabalho braçal e precarizado, enquanto outras ocupariam altos cargos des gestão, por exemplo. Para o educador, quando Veléz dizia que as universidades deveriam ser reservadas a uma elite intelectual, ou quando Weintraub diz que o Enem não foi feito para “corrigir injustiças”, deixavam explícito o projeto de educação que está sendo desenvolvido no Brasil e em quase todo o mundo.

“Na última década, a gente teve um grande aumento no número de estudantes populares ocupando a universidade, local historicamente frequentado por uma elite econômica. E pensando bem, uma década de gente pobre frequentando a universidade pode causar diferentes impactos nessa ordem que já está estabelecida pelo capital”, opina Machado.

Diorge Konrad também frisa que as declarações de Veléz e Weintraub integram um mesmo projeto de elitização e privatização da educação brasileira, e em especial da universidade pública e estatal. “Tais concepções expressam a visão histórica das classes dominantes brasileiras na qual os trabalhadores, as trabalhadoras e seus filhos devem ter formação no máximo técnico-profissional, qualificados no limite de serem mão de obra semi-especializada e barata. Não somos contra as novas tecnologias, ao contrário, pois as usamos regularmente em nossas aulas e atividades, Mas somos educadores, com formação didático-pedagógica para a atuação nas redes de ensino, não meros técnicos em educação robotizados por uma lógica no qual o EAD [Educação a Distância] tem sido preponderante. Daí a nossa crítica ao pensamento predominante e elitista, senão segregacionista e até eugênico pelo atual governo, a exemplo de como o governo vem tratando a pandemia. Por sua vez, o ENEM sim, corrigiu muitas injustiças nos últimos anos, mesmo que ainda não as tenha solucionado, haja vista sua origem social, pois, com outros programas, democratizaram o acesso ao ensino superior. E este governo atual veio para destruir ao máximo a luta histórica pelo acesso universal ao ensino superior, o que tornariam nulos até projetos como o Práxis!”, conclui o docente.

Notas de repúdio e pedidos de adiamento

Os reitores das Instituições de Ensino Públicas do estado do Rio de Janeiro e o Fórum de Reitores das Universidades Estaduais da Bahia divulgaram notas com a defesa de que o MEC postergue as datas de inscrição e de aplicação das provas, como recomendado pelo próprio Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed). A União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes) entraram com mandado de segurança no Superior Tribunal de Justiça para adiar a realização das provas. O Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), que representa gestores dos institutos e Cefet, também solicitou ao ministro Weintraub o adiamento das inscrições e das datas das provas do exame.

Na tarde desta terça-feira, 12, o ANDES-SN assinou, com outras entidades, uma Solicitação Coletiva de Suspensão do Calendário do ENEM. O documento é direcionado ao Ministério da Educação, Ministério Público Federal, Congresso Nacional, Conselho Nacional de Educação e à Sociedade Civil em Geral. Acesse o documento na íntegra.

Manifeste-se contra!

O ANDES Sindicato Nacional convoca a categoria para que, virtualmente, repudie a decisão do Ministério da Educação. Para tal, basta assinar a petição eletrônica que pede o adiamento do ENEM, clicando aqui. Você também pode publicar fotos em suas redes sociais com cartazes escrito: #AdiaENEM e participar desse movimento.

 

Texto: Bruna Homrich

Imagem: ANDES-SN e Práxis (facebook)

Assessoria de Imprensa da Sedufsm

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