Professor (a): um trabalho em busca de valorização SVG: calendario Publicada em 30/04/21 19h20m
SVG: atualizacao Atualizada em 30/04/21 19h56m
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Docentes das áreas particular, federal, estadual e municipal abordam dilemas da profissão

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Categoria docente vive situação difícil tanto na esfera pública como na particular

Ao chegarmos em mais um 1º de maio sempre surge aquela pergunta: o trabalhador e a trabalhadora têm algo a comemorar? Existe uma realidade que perpassa a qualquer categoria que é a precarização do mundo do trabalho. Isso, inclui, e de maneira muito forte, os professores e as professoras. Para Fernando José de Paula Cunha, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPb), doutor em Educação, e que realiza estudos sobre trabalho docente e produtivismo acadêmico, a precarização do trabalho não é algo recente.

Na ótica do professor, é uma realidade que vem se impondo no mundo há várias décadas, trazendo como resultado, a partir da automatização, da robotização, e de outras mudanças, a perda de direitos, o desemprego e a informalização. O mundo capitalista busca, cada vez mais, uma mão de obra mais barata, com a exclusão de direitos, mas, ao mesmo tempo, sendo intensificada cada vez mais.

E como fica a situação da categoria docente? A realidade nos diferentes níveis (entidades particulares, federais, estaduais e municipais) é diferenciada, mas o traço comum é justamente a falta de valorização da educação, não apenas discursivamente (como por exemplo, projetos que tornam o ensino essencial para obrigar o retorno das aulas), mas também em termos práticos. Como valorizar a educação sem valorizar o (a) trabalhador (a) desse segmento profissional?

Fernando Cunha (foto abaixo) ressalta que o trabalho de professores é eminentemente intelectual, mas, que, na reconfiguração do mundo do trabalho, passa a ter a exigência de uma produtividade no qual o peso maior é para a quantidade e não exatamente a qualidade- é o que se tem conceituado como produtivismo acadêmico. E isso se manifesta muito no ensino superior, com uma lógica gestada nas agências de fomento à pesquisa, destaca o pesquisador da UFPb.

Esse componente do produtivismo, argumenta Cunha, tem mudado a essência do trabalho docente, que em sua gênese sempre primou pela ação coletiva, pois, afinal, o processo de ensino-aprendizagem se caracteriza por uma inter-relação de esforços conjuntos. Daí a estruturação do ensino superior público do país em cima do tripé ensino, pesquisa e extensão, mas que, com esse novo desenho, perde seu objetivo maior, o de dar um retorno à sociedade.

O pesquisador da UFPB lembra, ainda, que a situação de professores do ensino superior privado é ainda mais difícil. Em boa medida, essa categoria de docente enfrenta uma carga de trabalho maior, muitas vezes sem vínculo empregatício, atuando como horista e, portanto, sem condições de poder pensar em cumprir o tripé ensino, pesquisa e extensão, frisa Cunha.

Precarização, pandemia e adoecimento

A questão do produtivismo e da precarização do trabalho docente é debatida no artigo “A nova organização do trabalho na universidade pública: consequências coletivas da precarização na saúde dos docentes”, na revista ‘Saúde & Ciência Coletiva’, volume 22, número 11 (RJ), de autoria de Kátia Reis Souza, Andrea Maria Santos Rodrigues, Eliana Felix, Liliane Teixeira, Maria Blandina Santos, Marisa Moura, todas pesquisadoras do Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh), da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz-RJ), além de André Luis Oliveira Mendonça, do Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Em um dos trechos do artigo, as autoras avaliam que “na perspectiva das publicações a respeito do trabalho dos professores universitários se destaca a ideia de acordo com a qual o processo de precarização do trabalho advém do processo de reestruturação produtiva, combinando evolução tecnológica com flexibilização do trabalho”. Diz ainda o texto que “de acordo com os autores, prepondera no cenário das universidades o uso de fortes pressões organizacionais e como consequência, produz-se a intensificação do trabalho, com destaque para o tema do aumento da exigência de produtividade acadêmica”.

Kátia Reis, da Fiocruz

Durante a pandemia, todos esses problemas se agravam, avalia o professor Fernando José de Paula Cunha (UFPb). Entram novos elementos, como por exemplo, o fato de os professores não estarem devidamente preparados para as aulas remotas. “O trabalho remoto é desregulamentado, sendo que os professores não possuem amparo da legislação”. Em síntese, diz Cunha, “os professores não têm preparo para o remoto, não têm uma boa infraestrutura para as aulas, pois faltam equipamentos compatíveis, como por exemplo, internet de qualidade”.

Qual o resultado dessa situação descrita acima? Para o pesquisador da UFPb, no que se refere aos estudantes, é um “salve-se quem puder”, já que, para as instituições e o governo, têm importado apenas os que têm acesso ao ensino remoto. Haverá ainda, no entendimento dele, um custo bastante alto a ser pago, que é o rebaixamento teórico em grande escala, fruto desse processo precário de ensinar.

No que se refere aos educadores e educadoras, destaca Cunha, é sobre eles (as) que recai todo o ônus. São eles que precisam melhorar sua infraestrutura para poder atender as aulas, investindo em melhor internet, computador, além de pagar pelo custo no aumento da energia. Todo esse conjunto de situações, em que se pode acrescentar o aumento da carga horária tendo que trabalhar de casa, leva a um adoecimento, frisa o professor da UFPb, com aumento da ansiedade, depressão, e até mesmo a ampliação de suicídios entre professores e alunos. (Leia mais sobre os transtornos psíquicos na UFSM em matéria postada no site).

O que pensam alguns e algumas dirigentes sindicais

Laura Regina da Fonseca, professora do departamento de Serviço Social da UFSM, e presidenta da Sedufsm, avalia que, quando se trata de indicar os principais obstáculos ao trabalho docente, isso implica considerar o campo institucional em que ele se realiza. Ou seja, convém ressaltar que a universidade, especialmente nos últimos cinco anos, está em progressivo declínio orçamentário e de investimentos públicos, e isso afeta o ensino, a pesquisa, a extensão. E o cenário se agrava a partir da pandemia de Covid-19 e a implementação do ensino remoto, frisa ela.

Além disso, Laura (foto abaixo) destaca a importância de pensar as condições precárias do trabalho, com salários defasados e uma carreira pouco atrativa na mobilidade e no retorno financeiro das progressões e promoções, notadamente ao chegar na Classe de Associado e Titular. A soma desses fatores “compromete o presente e o futuro da situação de ser professor/a”, argumenta.

Para a dirigente da Sedufsm, “a  precarização do trabalho docente provoca diversos prejuízos concretos na esfera pessoal e profissional, com destaque para o adoecimento físico e mental; o impacto restritivo no orçamento familiar com as despesas do ensino remoto; a ausência de sociabilidade efetiva para o convívio no ambiente laboral; o atraso, ou cancelamento de projetos, ou, ainda, o andamento limitado de pesquisas, etc.”.

“Uma categoria doente”

A educação sempre foi tratada com descaso por sucessivos governos. Quem afirma é o secretário-geral do 2º Núcleo do Cpers/Sindicato, professor Lúcio Ramos, que também leciona História na Escola Estadual Paulo Devanier Lauda, na Cohab Tancredo Neves. E a desvalorização salarial é um dos principais problemas, destaca ele. “Estamos sem reajuste há sete anos, e somente poucos meses atrás, depois de vários anos, deixamos de receber sem atraso”.

O desrespeito ao piso salarial é uma questão relevante para docentes da rede pública estadual. No Rio Grande do Sul, na década de 80, a categoria já teve um piso correspondente a 2,5 salários mínimos. Hoje, destaca Ramos, um (a) professor (a) com carga horária de 20h ganha pouco mais de 1 salário mínimo (mil e poucos reais).

Além da questão salarial, a falta de estrutura nas escolas, muitas delas com pouca manutenção, é um problema sério também, perspectiva o sindicalista. E na pandemia, avalia Ramos (foto abaixo), o professor teve que se reinventar. “Não houve apoio para poder trabalhar no ensino remoto. Estamos trabalhando mais que no presencial enquanto nos acusam de não trabalhar”, lamenta.

Um aspecto importante na atual conjuntura foi a dificuldade com as novas tecnologias. Ramos cita o exemplo da sua escola, a Paulo Devanier Lauda, em que aproximadamente 30% dos e das docentes já têm uma idade mais avançada e pouca ou nenhuma intimidade possuem com informática e internet.

Essa pressão para atuar no ensino remoto gerou um estresse enorme, frisa ele. “O resultado foi que alguns colegas chegaram a pedir exoneração, outros entraram em depressão, tendo havido até um caso em que o desfecho do adoecimento foi o cometimento de suicídio”, constata o diretor do Cpers. E, do ente estatal, complementa ele, nenhum cuidado maior mesmo após essa situação. “Já chegamos a uma triste conclusão: somos uma categoria doente”.

Condições de trabalho

Dentre os muitos problemas enfrentados pelos professores da rede municipal, Juliana Moreira, coordenadora de Finanças do Sinprosm, cita a defasagem salarial em relação ao piso nacional do magistério, que tem se agravado em função da falta de reposição salarial desde 2019. Além disso, Juliana relata a falta de uma solução para a questão da hora-atividade dos professores e professoras da Educação Infantil e dos anos iniciais, garantida na Lei nº 11.738, que vem sendo discutida há anos e até o momento não cumprida pelo executivo municipal.

A dirigente do Sindicato dos Professores acrescenta ainda a esse rol de dificuldades o ensino remoto implementado após a pandemia. “Atualmente, toda a estrutura vem sendo mantida pelos professores com recursos próprios, como por exemplo, pacotes de internet, computadores, etc.”, diz ela. A situação estrutural das escolas também não é das melhores, afirma Juliana (foto abaixo). “A maioria está em condições bastante precárias e vêm sendo mantidas heroicamente pelas gestões escolares com os parcos recursos que recebem, o que nos preocupa nesse momento de retorno presencial iminente”, conclui.

Ensino privado

Maria Lúcia Coelho Corrêa, diretora do Sindicato dos Professores do Ensino Privado no RS (Sinpro/RS), avalia que vivenciam um momento “altamente complexo”, pois existe, de um lado, uma conjuntura sanitária, política e econômica dificílima e, por outro, os professores trabalhando presencial e remotamente para manter a qualidade do ensino- aprendizado neste contexto.

Segundo ela, a categoria está empenhada em se adaptar e se aprimorar no atual contexto, “superando limites diante do acúmulo de atividades, funções e responsabilidades, o que tem gerado uma sobrecarga de trabalho”. Maria Lúcia cita, por exemplo, que docentes têm se preocupado em investir no seu espaço de trabalho em casa, para poderem transmitir suas aulas remotas. Com isso, diz a sindicalista, “o agravamento nas condições de saúde, seja ela física ou mental, o adoecimento laboral, pela pressão sofrida, muitas vezes, sem um serviço de apoio, foi inevitável”.

Maria Lúcia avalia ainda que a continuidade da pandemia “precariza a empregabilidade, limita a atratividade e as potencialidades da educação e por consequência, compromete a própria atividade do professor, gerando inseguranças de toda a ordem”.

Diante do agravamento do cenário atual, com a ameaça de colapso total do sistema de saúde, e os riscos continuados de infecção dos professores em atuação nas atividades presenciais  das escolas, o Sinpro/RS, conforme Maria Lúcia, tem insistido, assim como diversas outras entidades, na necessidade de implementação urgente da vacinação dos professores e dos demais trabalhadores da comunidade escolar, de forma a dar condições indispensáveis para a retomada da convivência social.

Qual a saída?

Em uma perspectiva mais teórica, que consta no trabalho realizado pelas integrantes da Cesteh/Fiocruz, entre elas, Kátia Reis, junto com André Mendonça (UERJ), diante do panorama das relações de trabalho e saúde dos docentes presente na literatura, “compreende-se como necessário pensar em espaços de apoio aos docentes, onde esses profissionais possam dialogar a respeito de ansiedades e dúvidas sobre a saúde”. Acrescentam ainda nas considerações finais que é “importante que estes espaços assumam um caráter pedagógico, de troca entre os participantes, um espaço de fala e de escuta”.

Em uma perspectiva sindical, para que se consiga enfrentar o atual contexto adverso, não há alternativa fora da organização da categoria, argumenta a presidenta da Sedufsm, Laura Regina da Fonseca. “A precarização do trabalho docente é uma realidade coletiva, em que pese o rebatimento na individualidade subjetiva e material de cada um/a professor/a”, enfatiza ela.

 


Texto: Fritz R. Nunes com a colaboração de Bruna Homrich
Fotos: Divulgação; Cristina Haas e Arquivo pessoal
Assessoria de imprensa da Sedufsm

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