LGBTQIA+ conquistam direitos, mas comunidade ainda é vitimada pela violência SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 29/06/21 10h16m
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No dia do Orgulho LGBTQIA+, ouvimos docentes e militantes que destacam papel central da educação no combate ao preconceito

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Todo 28 de junho, Dia do Orgulho LGBTQIA+, é um marco na luta por visibilidade, acolhimento e direitos. Embora a pressão de ativistas e movimentos sociais organizados tenha inscrito algumas conquistas políticas e sociais na institucionalidade, a vida de uma pessoa LGBTQIA+ no Brasil ainda é permeada por violências, silenciamentos e exploração econômica. Se em 1969 a revolta de Stonewall foi como um arrebento de águas até então consideradas apassivadas, a luta da comunidade contra os abusos do Estado e contra  o conservadorismo de uma sociedade que prefere negar a abraçar identidades segue tão atual quanto naquela noite de 52 anos atrás.

Na base do preconceito, está a ideia de que diferenças são expressão de inferioridade. Benhur Pinós da Costa, docente do departamento de Geociências da UFSM, lembra que a própria noção de diferença é construída a partir das relações de poder observadas na sociedade. “Se existem diferenças, elas mesmas foram produzidas por um complexo “projeto” social (em diferentes escalas de relações políticas, sociais e econômicas) de neutralizar e naturalizar determinadas existências sociais e distinguir outras por seus desvios quanto a normalidades”, explica o docente, que é membro da Rede de Estudos de Geografia, Gênero e Sexualidade Ibero Latino-Americana.

Possivelmente seja essa relação muito próxima – e, podemos arriscar, de casualidade – entre o preconceito e as relações de poder que explique o fato de, embora alcançadas algumas garantias legais como o reconhecimento da união estável e da autodeterminação de gênero, as pessoas LGBTQIA+ ainda serem vitimadas cotidianamente pela violência e exclusão. Segundo relatório do Grupo Gay da Bahia, por exemplo, a cada 36 horas uma pessoa LGBTQIA+ é assassinada ou se suicida em função da LGBTfobia no Brasil.

A auto-organização da comunidade e sua vinculação a outros setores da classe trabalhadora em luta pode gerar fissuras na estrutura patriarcal e heteronormativa do Estado brasileiro, que, frente à pressão popular, reconhece alguns importantes direitos a essas pessoas. Mas há, ainda, outra tarefa urgente: construir novas relações e sujeitos sociais, que encarem a diferença não como atestado de inferioridade, mas de um mundo plural. Assim, com mudanças culturais e políticas que venham desde a base – a exemplo, de dentro das salas de aula -, seria possível diminuir a disparidade que hoje existe entre os avanços institucionais e as violências ainda observadas na materialidade cotidiana dos LGBTQIA+.

Gabriela Quartiero, psicóloga e integrante do Coletivo Voe, acredita que os avanços institucionais não têm se refletido na redução do preconceito e da violência porque a base da sociedade é machista, patriarcal, heteronormativa e cisnormativa.

“Todas as pessoas estão inseridas nesse sistema, o que acarreta na reprodução de preconceitos. Quando falamos sobre conquistas legais, estamos falando de uma luta de anos do movimento LGBTQIA+, lutas essas que são o mínimo que a sociedade deveria ter consciência como, por exemplo, o reconhecimento do amor entre duas pessoas LGBTQIA+. Nota o quão violento para uma pessoa LGBT isso é? É a deslegitimação do sentimento e dos afetos delas e a necessidade de precisar ter o Supremo Tribunal Federal para dizer que isso é possível”, diz, lembrando de outra decisão do STF: a criminalização da homofobia.

Gabriela ressalta que a instância teve de decidir sobre este tema porque o Legislativo foi omisso. Isso é o que explica não termos uma lei específica para criminalizar a homofobia, estando a prática tipificada dentro da lei de combate ao racismo.

“São diversos os projetos já encaminhados para o Congresso Nacional para que haja uma lei contra a LGBTfobia e, mesmo assim, ele se mostra resistente. Isso diz muito da nossa sociedade. Quem elege nossos deputados, senadores e governantes é o povo. Muitos políticos se elegem a partir de um discurso de ódio às pessoas LGBTQIA+. Então, o STF decidir sobre a criminalização da LGBT é um modo simbólico de urgência de mostrar para a sociedade que nós temos direito à vida. Com certeza, para nós, LGBTQIA+, essa é uma grande vitória, é uma das pautas mais importantes da luta, mas ainda temos muito o que caminhar para que seja, de fato, criminalizada a pessoa que cometer LGBTfobia”, comenta a psicóloga e ativista, acrescentando: é preciso apostar na educação como forma de conscientizar o povo.  

LGBTQIA+ na universidade

Na universidade, a pauta LGBTQIA+ tem ganhado destaque, e tal destaque é um reflexo das demandas e ações da sociedade civil organizada. A avaliação é do professor Joacir Marques da Costa, do departamento de Administração Escolar da UFSM, para quem as políticas de acolhimento e permanência às pessoas LGBTQIA+ dentro da universidade devem perpassar o ensino, a pesquisa e a extensão.

“Logo, tais políticas se dão nos avanços da criação de: disciplinas nos cursos de graduação, linhas e temáticas de pesquisa nos programas de pós-graduação, cursos de especialização, reformas curriculares, promoção de ações e projetos extensionistas, normativas a nível de gestão institucional, conexões entre a educação básica e superior, etc... A universidade como produtora/produzida desta/nesta sociedade não pode se restringir aos seus muros ou aos discursos de alguns que consideram temas de gênero e interseccionalidades como um "mimimi". Quando acolhemos e possibilitamos a permanência de LGBTs na Universidade, fazemos da sociedade um lugar mais democrático, participativo e inclusivo, quiçá um espaço que empodere tais sujeitos no enfrentamento urgente da violência”, analisa Costa.

Benhur Pinós conta que, desde 2009, quando ingressou na UFSM, tem visto aumentar, nos corredores da instituição, a circulação de pessoas negras e, aos poucos, de pessoas trans. Apesar de reconhecer a existência de dispositivos responsáveis por garantir essa democratização do acesso à universidade, o docente preocupa-se com o movimento conservador que, alinhado ao governismo, tem buscado interromper esses avanços a partir de discursos e políticas de cunho fascista.

Para ele, a própria universidade encerra estruturas, métodos de avaliação e relações que são, sim, misóginas, homofóbicas e racistas. “Neste sentido, como uma ou um estudante trans pode permanecer na Universidade (?), mesmo assegurada/o por políticas afirmativas para pessoas trans, como foram feitas na UFPEL (vejam que tais políticas para tais pessoas ainda não refletem a amplitude do sistema de ensino superior). Parece-me que os sistemas de avaliação que determinam as relações sociais da Universidade ainda estão sendo embalados por parâmetros racionalizados que escondem suas posicionalidades machistas, homofóbicas e racistas. Mulheres cis, heteros e pretas encontram muitas dificuldades em manterem seus estudos na UFSM, em virtude de suas condições sociais, cujos múltiplos sistemas de opressões atingem seus corpos e suas práticas cotidianas; imaginem uma mulher trans cujas intersecções de opressões quanto à negritude e o feminino a também instituem na vida perante complexas opressões. Quando eu falo complexas, é porque as relações sociais cotidianas na vida na Universidade fogem aos próprios esforços institucionais das suas políticas de combate às opressões”, pondera o docente.

Em sua perspectiva, os próprios professores e professoras estão imersos em racionalidades misóginas, racistas, homofóbicas e transfóbicas. “É muito difícil pensar além das racionalidades instituídas, assim como não conseguimos visibilizar tais entre linhas, porque nós mesmos pensamos reproduzindo opressões e nem sabemos”, comenta.

Gabriela Quartiero propõe que demos, ainda, um passo atrás: estamos falando da estrutura e da permanência na universidade, mas quantos(as) LGBTQIA+ conseguem, sequer, adentrar seus muros?

“Muitas pessoas LGBTQIA+ não conseguem terminar o ensino médio por conta de preconceitos e grande hostilidade, o ambiente escolar é um dos ambientes em que mais há relatos de preconceitos vividos pelas pessoas LGBTQIA+. Acredito que nós estamos ainda em um patamar de elaborar estratégias para a inserção de pessoas LGBTQIA+ no ensino superior. Pessoas LGBTQIA+ precisam ter acesso à educação, à capacitação, a uma graduação, especialização. Precisam saber que são intelectualizadas, que possuem capacidade e podem ocupar a universidade como qualquer outra pessoa heterossexual e cisgênera. É esse acesso a educação que vai garantir a elas uma perspectiva de melhora dentro do mercado de trabalho e, para além disso, melhorar a autoestima e fortalecer o empoderamento intelectual”, analisa a psicóloga.

É na escola que muitos desses debates, rompimentos e mudanças podem e devem acontecer. Joacir lembra que este espaço é marcado pela autonomia pedagógica, pluralismo de ideias, respeito à liberdade e apreço à tolerância. Frente a esses princípios, o discurso de ódio passa a ser inaceitável.

“Nossas pesquisas nas universidades e escolas demonstram um apreço pelas temáticas de gênero e suas interseccionalidades por parte de estudantes e docentes, fazendo com que a gente persista mesmo diante de investidas contrárias. Por isso da relevância da escola e da universidade, não apenas no mês de junho, mas na criação de suas potencialidades no dia-a-dia, dando visibilidade e fazendo com que pautas, temáticas e lutas sejam debatidas e recriadas por seus pares. (Re)existir é lutar, já insistir na inexistência de um grupo ou povo é demonstrar uma incapacidade intelectual”, defende Joacir.  

Mais exclusão 

A negação do direito ao trabalho e à protetividade mais básica que a justiça capitalista oferece é uma realidade para as pessoas LGBTQIA+. Informalidade, empregos intermitentes, prostituição e terceirização são elementos de uma realidade que, ao invés de ser modificada por leis que visem dirimir desigualdades, foi reforçada pela aprovação, em 2017, da Reforma Trabalhista.

Benhur Pinós pondera que mulheres, pretos e LGBTQIA+ sempre estiveram excetuados do direito aos vínculos formais e protetivos de trabalho.

“Mulheres trans e negras no Brasil dificilmente passam/passaram por experiência de trabalhos formalizados. Veja que a instituição trabalho sempre foi e sempre será algo que não fez e nunca fará parte da vida de muitas mulheres trans negras, por exemplo. Salvo alguns casos muito raros, como foi o caso da nossa amiga militante Cilene Rossi na Rodoviária de Santa Maria e que agora é assessora da vereadora Marina Callegaro, na Câmara dos Vereadores de Santa Maria. Assim como temos mais mulheres trans nesta importante instituição, como Luiza Barros, assessora da Vereadora Luci Duartes”, referencia o docente.

Gabriela comenta que a Reforma Trabalhista ajudou a escancarar a invisibilidade que as pessoas LGBTQIA+ enfrentam no mercado de trabalho. Para além do desemprego e da informalidade, pesquisas apontam, destaca a psicóloga, que mais de 60% das pessoas escondem sua sexualidade no ambiente de trabalho, pois temem perder o emprego, perder clientes, sofrer represálias de colegas de trabalho ou mesmo cair em situações de assédio.

“Além disso, sempre foram destinados certos trabalhos/empregos às pessoas LGBTQIA+, como prostituição, limpezas domésticas, setores de faxina, salão de beleza, atendentes de loja. Pouco se vê pessoas LGBTQIA+ em posições de poder. Vem a pergunta: Você já foi em alguma/o médica/o transexual? Foi atendida por pessoa trans em alguma loja? Contratou advogada/o trans? Se começarmos a mudar só a profissão nessas perguntas, já vamos nos dar conta da invisibilidade dessas pessoas no mercado de trabalho. A precarização é tanta que as pessoas LGBTQIA+ só ocupam empregos que ninguém as enxerga”, critica.

Violência em Santa Maria

Embora abrigue diversos movimentos e coletivos que centralizam sua atuação no combate à violência e na mobilização por direitos para a comunidade LGBTQIA+, Santa Maria ainda é uma cidade marcada por episódios revoltantes, como sucessivos assassinatos de pessoas trans. Entre setembro de 2019 e fevereiro de 2020, cinco transexuais foram assassinadas por aqui (Caroline Dias, Mana, Verônica - a “Mãe Loira”, Selene e Morgana).

“Eu gosto de sempre colocar o nome de todas, porque não podemos deixar que elas sejam apenas estatísticas, elas tinham nome, elas tinham uma história de vida e não podemos deixar que isso se apague. Esses assassinatos abalaram a comunidade LGBTQIA+ de Santa Maria, geraram muito medo, até porque a Verônica era tida como protetora, as outras mulheres trans consideravam ela uma mãe”, diz Gabriela.

De lá para cá, na visão da ativista, nada mudou. Os espaços destinados à comunidade LBGTQIA+ ainda são escassos, reservando a essas pessoas a já conhecida marginalização e invisibilidade. “O que mudou foi o ar de Santa Maria, que virou um ar pesado, que carrega 5 mortes transfóbicas e que até agora não proporcionou nenhuma reparação”, conclui.

Joacir da Costa frisa que, infelizmente, essa é uma realidade nacionalizada. "Mesmo diante de dados que apresentem uma redução de mortes (homicídios, suicídios e latrocínios), a população LGBTQIA+ continua morrendo pelo fato de ser quem se é, por expressarem seus comportamentos, por lutarem por liberdade... somos ceifados em nossas mentes e corpos num tempo  em que se relativizou o ódio, o preconceito, e com isso a capacidade de empatia, respeito e acolhimento é minimizada. Ou seja, temos muito pelo que lutar ainda", sugere o docente. 

Benhur Pinós argumenta que somos constantemente disputados para o egocentrismo e o individualismo, contra os quais se opõe a urgência de coletividade. "O outro é aquele que deve lutar comigo em relação ao que me oprime, mesmo não sendo alvo da opressão, assim como eu contribuo com este outro nas lutas contra suas opressões, mesmo não fazendo parte das minhas. Precisamos contar cada vez mais com homens cisgêneros, héteros e brancos que lutem contra o racismo, o machismo e a homofobia". 

Texto: Bruna Homrich

Arte: Bruno Silva

Assessoria de Imprensa da Sedufsm

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