Docência na UFSM é avassaladoramente branca SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 20/11/21 07h19m
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Instituição possui apenas nove professores (as) negros (as) de um total de 2.029

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Cepe: relator da proposta de ações afirmativas na pós, nesta sexta, professor Breno Pereira

Nesta sexta, 19 de novembro, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) da UFSM aprovou, de forma unânime, a implementação de uma política de ações afirmativas na pós-graduação, que se soma à medida semelhante já existente na graduação. A existência de cotas para ingresso na pós é uma das iniciativas apontadas por pesquisadores e pesquisadoras ouvidos (as) pela Sedufsm que pode contribuir para que seja ampliada a presença de negros (as) na docência da instituição. Quando se observa os números, salta aos olhos a distância entre brancos e negros no que se refere à docência. Conforme o portal da universidade, a instituição possui 2.029 docentes, sendo que destes, apenas nove (09) são negros (as), o que equivale a 0,44% do total.

Quais as causas dessa pouca presença de professores negros (as)? Leonice Mourad, docente do departamento de Metodologia do Ensino, entende que o “grande gargalo” é a pós-graduação. Para ela, há uma “falta de equidade no acesso a pós-graduação”, que agora poderá ser minimizado a partir da implementação das ações afirmativas. Aprovada nesta sexta, a medida passa a vigorar imediatamente, mas a obrigatoriedade para que todos os programas se adequem ao preenchimento de cotas é 2024 (leia mais a respeito, ao final dessa matéria).

Na visão de Cleber Martins, cientista político, professor do departamento de Ciências Sociais da UFSM, a falta de acesso à pós-graduação é apenas um dos obstáculos para negros (as) conseguirem atingir a docência. O problema, no entanto, entende ele, começa antes, já no ensino médio, onde estudantes afrodescendentes já têm dificuldade em concluir. 

O sistema de cotas na graduação ampliou o acesso à universidade, mas o passo seguinte, o de ingressar na pós, sem as cotas, causa novo entrave. Para se candidatar a uma vaga como docente no serviço público, a titulação é fundamental, sendo que esta é proporcionada justamente pela pós-graduação.

Reserva em concursos

Dessa forma, mesmo que haja uma legislação, desde 2.014 (12.990/14),  determinando que sejam reservadas aos negros (as) 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da Administração Pública Federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, há uma dificuldade no preenchimento dessas vagas.

Cleber Martins, em conjunto com a cientista política, servidora técnico-administrativa aposentada da UFSM, Ana Lúcia Melo, estão justamente pesquisando sobre os concursos realizados pela UFSM no que se refere ao preenchimento de cotas para negros (as), tanto para docentes como para técnicos (as). 

O trabalho, que ainda não foi publicado, analisa a Lei 12.990/2014 e a Portaria Normativa Nº 4, de 2018, que normatiza as “Comissões de Heteroidentificação” e os processos de formação e funcionamento da Comissão de Verificação da UFSM. O estudo analisa, ainda, os dados dos editais de concursos para docentes e técnico-administrativos de 2016 a 2019, com a respectiva nomeação de negros/negras.

Na medida em que as vagas têm sido poucas, a dificuldade em preencher a cota de 20% aumenta. No caso da UFSM, a estratégia acabou sendo a de publicar editais conjuntos, buscando que, a partir de um número “x” de vagas, o percentual legal possa ser cumprido. O objetivo da pesquisa efetuada por Martins e Ana Lúcia (que coordenou o Afirme- Observatório das Ações Afirmativas- de 2012 a 2017) é justamente verificar se a instituição tem conseguido atender ao que diz a legislação.

Olhar sobre a questão das cotas

Há um debate bastante antigo sobre a efetividade das ações afirmativas, da política de cotas, não no que se refere à ampliação numérica de negros (as) na universidade, mas sim no que tange a de que forma essa política compensatória colabora para uma real superação do “apartheid” social que ainda vigora no Brasil.

Lazaro Camilo Recompensa Joseph, natural de Cuba, que atua como professor do departamento de Economia e Relações e Internacionais da UFSM desde 2013, é um dos nove docentes negros na instituição. Ele vê as cotas como um “paliativo” encontrado, na sociedade brasileira, para “driblar" o apartheid social. Para Camilo, é necessário que o apartheid social seja eliminado. “É preciso que sejamos antirracistas e não existe ‘meio do caminho’ para isso. É uma estrutura historicamente construída e mais do que a ideia de ‘reparação’, é preciso uma transformação explícita e comprometida por toda a sociedade”, enfatiza.

Anderson Luiz Machado dos Santos, professor de Geografia do departamento de Geociências da UFSM, filiado à Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), defende a política de ações afirmativas, mas a vê como uma ferramenta em um contexto maior, de disputa de poder incessante. “Nossas lutas enquanto negras e negros na Universidade pressupõem o tensionamento das relações de poder instituídas, pelas quais permeia o racismo institucional, com vistas à genuína abertura de seu espaço para com a multiplicidade da vida, para que se faça realmente à expressão da diversidade”. 


* Anderson Machado, professor o depto. Geociências da UFSM

Para o docente, a incorporação de “um efetivo programa de ações afirmativas” no interior da universidade é apenas um ponto inicial, e que não deve se restringir apenas ao ingresso, mas, também à permanência, material e simbólica, acompanhada de políticas de acesso ao mundo do trabalho. “Este programa, que em minha visão ainda está em construção e permanente disputa, precisa estar vigilante a quais cursos nossos estudantes negros e negras têm ingressado e direcionar políticas específicas que contraponham a nossa incipiente presença em áreas altamente elitizadas”. 

Santos elenca alguns aspectos que, no seu modo de ver, precisariam ser alterados na universidade:
- É preciso repensar profundamente o significado do ensino, da pesquisa e da extensão; os currículos precisam ser descolonizados, incorporando o acúmulo de debates sobre relações étnico-raciais, frente a dispositivos legais que já conquistamos, tais como as Leis 10.639/2003 e 11.645/2011, ainda não abarcadas plenamente pela Universidade; os programas de pesquisa e extensão precisam ser incentivados de maneira robusta para a formação uma geração negra de cientistas e que sejam capazes de trazer para o espaço da Universidade as próprias questões atinentes às vidas negras no Brasil e no mundo”.

Além disso, avalia que o sistema de pós-graduação também necessita ser revisto e, nesse sentido, a aprovação da política de ações afirmativas na pós-graduação nesta sexta, 19, é vista com bons olhos. Contudo, o professor da Geografia ressalta que só ampliar o acesso não basta. Segundo ele, é fundamental reafirmar a “necessidade das condições de permanência material e simbólica destes estudantes na pós-graduação”.

Para Santos, esses são apenas alguns “aspectos possíveis para que caminhemos na direção de uma maior abertura da Universidade para estudantes, professores e técnico-administrativos em educação negros e negras, tanto quanto a manutenção e a ampliação da Lei 12.990/2014”. (lei citada em parágrafos acimas)

Universidade majoritariamente branca

Depois de 14 anos de política de ações afirmativas na UFSM (instituída em 2007), é nítida a percepção de que, na graduação, a universidade cresceu muito quanto à presença de negros (as). No entanto, os dados citados no início da matéria mostram que a docência negra é muito incipiente. E quanto à pós-graduação? Os números sustentam a ideia de uma política específica como a que foi aprovada nesta sexta, no CEPE, por unanimidade?

Os dados da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (PRPGP) não deixam dúvidas. A pós é majoritariamente cursada por alunos (as) negros (as). Assumidamente pretos, conforme a PRPGP, totalizam 130 estudantes (2,89%). Em caso de efetuarmos a soma com os que se declararam pardos (as), que totalizam 301 (6,69%), não atingindo 10% do total de estudantes, que alcança 4.501. Os (as) brancos (as) totalizam 3.790 (84,2%).


* Dados étnicos de estudantes da pós-graduação

 


* Dados estudantes da pós da UFSM

Diante dos números, torna-se pertinente a pergunta efetuada à professora Leonice Mourad, que também coordena o Mestrado Profissionalizante em História. Para além das cotas na graduação, o quanto a universidade realmente se abriu para negras e negros?

Na ótica da docente, a universidade se abriu muito pouco. "Nossos saberes e fazeres não estão presentes no espaço da universidade”, diz ela. E acrescenta: “Nossa ancestralidade foi constituída por saberes que não são científicos, mas que foram capazes de viabilizar a sobrevivência desses grupos por todo o sempre. A modernidade desqualificou esses saberes, denominados de tradicionais, e os mesmos não encontram guarida na universidade, que deveria ser o lócus dos saberes universais, mas que, desde a modernidade restringe-se aos saberes científicos”, destaca Leonice.


* Professora Leonice Mourad, do CE-UFSM

No entendimento dela, “as populações tradicionais”, destacando os negros, “têm uma contribuição importante, que não consegue chegar ao currículo, que continua sendo monocultural ainda que as cotas tenham viabilizado o acesso e a permanência de negros e negras na universidade”, argumenta.

Estamos longe de uma universidade inclusiva, igualitária, sem racismo? 

Para ter essa percepção, talvez caiba o questionamento a um docente negro, sobre se ele se sente integrado, se já sentiu na pele alguma atitude racista. Lazaro Camilo Joseph responde:

- Antes de chegar ao Brasil, em 1995, não esqueço de um jovem casal de professores brasileiros brancos, que conheci no avião. Eles me perguntaram o que eu ia a fazer no Brasil, e eu respondi que era o curso de doutorado em economia na Unicamp. Eu lhes perguntei se no Brasil existia racismo. Eles me responderam: “claro que sim”. 
Ou seja, desde que você pisa em Guarulhos até chegar ao seu lugar de destino, o olhar sobre o negro é bem diferente, muitas vezes insultante e ofensivo. Na UFSM, lógico que sinto discriminação. Basta ver os olhares das pessoas todas: funcionários, alunos, professores, etc. sem diferença. Dentro da universidade, aliás, até cartazes racistas foram pendurados no elevador do prédio onde ministro aulas. Agora, em plena pandemia, interferências e ofensas racistas contra uma professora durante sua aula online. É triste, desagradável, porém, eu ando sempre de cabeça erguida. Evito que essas coisas me contaminem. Tenho duas filhas e tenho que prepará-las contra isso e outras coisas mais, finaliza.

A decisão do Cepe

Os principais pontos na política de ações afirmativas da pós-graduação da UFSM aprovados foram:

- A UFSM implementa ações afirmativas de inclusão por meio de um sistema de reserva de vagas nos programas de pós-graduação Stricto Sensu (Mestrado e Doutorado), Lato Sensu (especialização) e Residência da Universidade Federal de Santa Maria;

- A Política de Ações Afirmativas e de Inclusão adotará reserva de vagas para o ingresso, no seu corpo discente, de pessoas pretas e pardas, indígena, pessoas com deficiência e outros grupos minoritários (conforme políticas específicas do Programas), segundo políticas específicas de cada PPG;

- Os Programas de Pós-Graduação, por curso (Residência, Especialização, Mestrado e Doutorado), deverão ofertar no mínimo 20% e no máximo 50% das vagas como reserva a partir do total das vagas ofertadas por ano;

- As coordenações dos programas de Pós-Graduação deverão instituir em seus regulamentos planejar e executar ações e atividades complementares que maximizem a possibilidade de permanência de discentes que ingressarem pelos sistemas de acesso afirmativo, realizando acompanhamento contínuo de todas as suas atividades no programa;

- Os colegiados dos cursos de graduação deverão, em suas políticas internas de distribuição de auxílios, rever as normas de concessão de bolsas considerando os discentes integrantes pela reserva de vagas, ouvidas as comissões de bolsas, os critérios definidos pelas agências de fomento e a política de ações afirmativas da Pós-Graduação;

- A organização central da UFSM, por meio de suas Pró-Reitorias e órgãos de apoio, deverá definir ações e atividades complementares que maximizem a possibilidade de permanência de discentes que ingressarem pelos sistemas de acesso afirmativo em complementação àquelas adotadas pelos programas de Pós-Graduação.

(Imagens abaixo, em anexo. E, também, anexados, os depoimentos dos professores Anderson Santos, Lazaro Camilo e Leonice Mourad, na íntegra)


Texto e print: Fritz R. Nunes (informações também do Portal da UFSM)
Imagens: Arquivo pessoal e PRPGP
Assessoria de imprensa da Sedufsm

 

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- Anderson Machado

- Leonice Mourad

- Lazaro Camilo Joseph

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