Permanência estudantil na UFSM, um grande desafio
Publicada em
26/08/22
Atualizada em
26/08/22 19h18m
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Cortes no orçamento da instituição geram incertezas quanto ao futuro

Maria Victoria de Souza Folha, 18 anos, veio de São Paulo para Santa Maria para ingressar no curso de Odontologia, neste segundo semestre de 2022. Contudo, a situação vivenciada por ela para poder fazer o curso, tem tons de dramaticidade. Questionada sobre como está lidando com os gastos, seja com alimentação, transporte e moradia, Victoria relata:
“No momento, estou tendo que escolher entre almoço e janta para conseguir juntar dinheiro para pagar o aluguel. E o panorama atual não dá nenhum sinal de estabilidade. Honestamente, não sei como poderei me manter na universidade. Para mim, a maior dificuldade é essa ansiedade gerada pela imprecisão do futuro”.
O caso de Victoria, certamente não é isolado. Segundo ela própria, “os cortes de verba do governo federal para a educação prejudicam, e muito, a prestação de assistência estudantil, e torna o futuro muito incerto para os estudantes que, assim como eu, estão em situação de vulnerabilidade econômica”. A acadêmica de Odonto pretendia acessar o Benefício Socioeconômico (BSE), mas não conseguiu.
“Entrei no segundo semestre e pretendia entrar na Casa do Estudante, pois eu e minha família não possuímos condições de me manter em outro estado (sou de São Paulo). No entanto, não pude nem participar da seleção para entrada na Casa, pois não foi liberada a inscrição para o BSE. Como resultado, tive que, às pressas, procurar um quarto para ficar na cidade, juntando economias até de onde não tinha para conseguir pagar um mês de aluguel, para setembro. Quando esse setembro acabar, não sei o que terei que fazer para me manter”, lamenta Victoria. (foto abaixo)
O aperto pelo qual está passando a estudante advém da crise atravessada pelo Brasil, mas, sobretudo, pela redução contínua de recursos para as Instituições Federais de Ensino (IFEs), que obriga as gestões a diminuir investimento e custeio, prejudicando as mais diversas áreas, o que inclui a assistência estudantil.
Orçamento de 2022 corresponde a 41% do que era em 2015
Conforme os dados da Pró-Reitoria de Planejamento (Proplan), de 2015 a 2022, a inflação atingiu 57,29%. Porém, o orçamento atual da UFSM corresponde a somente 41,90% do que era em 2015. Enquanto, naquele ano, o recurso total alcançava R$ 181 milhões, em junho de 2022, após o corte de 7,2% (R$ 9,3 milhões) está em R$ 120,19 milhões. Se o valor acompanhasse a inflação, em 2022 deveria ter atingido R$ 285,63 milhões. (Gráfico logo abaixo)
Quando se olha o gráfico que aponta a diminuição de recursos para as IFEs nos anos recentes, percebe-se que a Lei do Teto de Gastos (EC/95) é uma das principais causas desse encurtamento. No entanto, a pandemia de Covid-19, agregou ainda mais problemas, já que, conforme constatação da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), governos mundo afora não deram a devida prioridade à educação.
Entre os dias 28 e 30 de junho, cerca de 2 mil participantes de todo o mundo se reuniram na sede da Unesco, em Paris, em preparação à Cúpula para a Transformação da Educação, convocada pelo secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, para o mês de setembro. Durante o encontro, Audrey Azoulay, diretora-geral da Unesco, foi taxativa: “a pandemia exacerbou a crise global da educação”. Além de uma crise de aprendizagem, há uma crise de financiamento, constatou-se na reunião.
De acordo com um estudo da Unesco em parceria com o Banco Mundial, 40% dos países de renda baixa e média reduziram seus gastos destinados à educação durante a pandemia. A redução média foi de 13,5%. No entanto, constata esse estudo, no final do primeiro semestre de 2022, os orçamentos ainda não haviam retornado aos níveis de 2019.
Impactos visíveis e os ainda não constatáveis
Os sucessivos cortes no orçamento da UFSM têm impactos já dimensionados, como por exemplo, a quase ausência de novos investimentos na instituição, o enxugamento de funcionários(as) terceirizados(as), a suspensão de viagens para congressos, o iminente aumento no preço da refeição para estudantes sem Benefício Socioeconômico (BSE). Todavia, há outros efeitos que, talvez, só o tempo permitirá percebê-los.
Quando se fala em evasão (abandono da universidade), essa realidade ainda não está determinada. Conforme o pró-reitor de Graduação, professor Jerônimo Tybusch, a taxa de evasão na UFSM atinge entre 17% e 18%, o que fica abaixo da média nacional, que alcança 25%. No entanto, destaca o titular da Prograd, a verificação sobre a evasão só poderá ser feita de forma completa no início do próximo ano.
Da mesma forma, no que se refere ao preenchimento das vagas na graduação, o nível de ociosidade só poderá ser medido nos próximos meses, após terem findados todos as chamadas. Enquanto na pós-graduação, a ociosidade das vagas chegou a 27%, um patamar nunca antes alcançado, na graduação, segundo Tybusch, o preenchimento de vagas relativo ao primeiro semestre de 2022 atingiu entre 92% e 93%, pouco abaixo do habitual, que é de 95% a 97%.
Na ótica do pró-reitor, o abandono da universidade ainda não tem números preocupantes, mas, segundo ele, a gestão já se prepara para alteração do quadro no próximo ano. E o que poderia gerar o aumento da evasão? Para Tybusch, a difícil conjuntura econômica pode levar a um agravamento da situação, já que muitos estudantes acabam tendo que priorizar a geração de renda para si ou para familiares.
Um dos obstáculos elencados pelo professor é o fato de que estudantes tiveram aumento de gastos com transporte, alimentação, entre outras coisas, mas, por outro lado, dificuldade em acessar recursos que buscam apoiar a permanência devido aos cortes de verbas governamentais. “Apesar de não termos sentido fortemente o problema (da evasão), já estamos nos preparando para isso, com medidas de articulação internas”, destaca.
O cobertor curto
Quando se olha para os números orçamentários em queda, a imagem é a de um cobertor curto, insuficiente para cobrir todas as despesas. No caso da universidade, a política de assistência estudantil (PNAES), financiada por recursos federais, garante uma série de bolsas e auxílios, agora ameaçada pela falta de verba.
No que se refere à alimentação de acadêmicos/as que não são BSE, por exemplo, a UFSM subsidiava com recursos próprios as refeições, mas, após os últimos cortes, anunciou a redução no subsídio para quem não preenche o requisito BSE (enquadramento exige renda per capita de até 1,5 salário mínimo).
A pró-reitora de Assuntos Estudantis, professora Gisele Guimarães, explica que, em 2019, ano considerado referência, já que foi o último ano com atividades administrativas e acadêmicas presenciais de forma integral antes da pandemia, foram destinados R$ 5.118.382,17 para bolsa/auxílios estudantis. Em 2022, houve um pequeno aumento, para R$ 6 milhões. Para o próximo ano, frisa Gisele, a previsão é de que esse valor permaneça estagnado.
Perguntada sobre de que forma esse cenário de diminuição de recursos/bolsas afeta estudantes, a pró-reitora diz acreditar que “o impacto é de nível bastante significativo.” Gisele afirma que “recebemos relatos de unidades e bolsistas de que contar com a concessão de bolsa/auxílio estimula e contribui substancialmente em sua jornada acadêmica e, portanto, em sua permanência na UFSM”.
Quando não há essa infraestrutura proporcionada pela universidade, Gisele argumenta que isso faz com que “alunos de baixa condição socioeconômica acabem abandonando o curso, em decorrência da insuficiência de recursos financeiros para a sua manutenção, tendendo a submeter-se a subempregos de baixa remuneração como recurso de sobrevivência, abandonando, em alguns casos, definitivamente, a chance de qualificação profissional”.
O que pensa a estudante do primeiro semestre de Odontologia, Maria Victoria, e cujo relato iniciou essa reportagem, sobre que tipo de apoio os (as) estudantes mais necessitariam? Ela responde: “Facilitação de acesso à moradia para estudantes em situação de vulnerabilidade e vindos de outros estados”.
A causa dos cortes e como revertê-los
Quando se analisa as causas dos cortes orçamentários é preciso vê-las em um contexto mais amplo, segundo entendimento da vice-presidente da Sedufsm, Marcia Morschbacher, docente do departamento de Metodologia do Ensino da UFSM.
Segundo ela, a redução no orçamento da educação, assim como a redução dos investimentos em serviços públicos e nos direitos sociais em geral, é uma tendência mundial. “Na Europa, especialmente nos países vinculados à OTAN, a marca tem sido reduzir gastos sociais e ampliar o orçamento militar”, sublinha.
Deveria ser o contrário, ou seja, após a pandemia, os governos deveriam ampliar os gastos em educação, em ciência e tecnologia, nos serviços públicos em geral. Contudo, frisa Marcia, isso não combina com a visão de Estado mínimo, com um sistema que tem o lucro como eixo central.
Sobre as formas de reversão desse cenário dramático, a professora elenca alguns pontos que considera fundamentais. Na sua ótica, é preciso ter um governo comprometido com o desenvolvimento do país e com as necessidades da maioria da sua população. E, isso, passa, por exemplo, pela revogação da lei do teto de gastos (EC 95). Isso porque, ressalta Marcia, essa lei é um verdadeiro obstáculo para os investimentos sociais, e, no caso específico, para a recomposição orçamentária das Instituições Federais de Ensino (IFEs). “Essa recomposição é uma medida emergencial necessária”, insiste.
Mas, é preciso ir além, acrescenta a diretora da Sedufsm. Para ela, é preciso ainda ampliar o orçamento e não apenas recompô-lo dos cortes. “Importante lembrar que, antes mesmo dos cortes, já tínhamos inúmeras demandas abertas com a expansão e interiorização das universidades. Com os cortes, a situação se tornou ainda mais grave”, frisa ela. Junto com a recomposição do orçamento de custeio e investimento, a recomposição do orçamento de ciência e tecnologia.
Por fim, destacou Marcia, avançando na questão da recomposição e ampliação do orçamento, também é imprescindível que sejam implementadas políticas públicas que visem à qualificação do acesso e permanência dos estudantes dentro das IFEs.
Texto: Fritz R. Nunes
Imagens: Arquivo/SEDUFSM, Proplan e Arquivo pessoal
Assessoria de imprensa da Sedufsm
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