Legado de Bolsonaro é de desequilíbrio entre poderes e fragilização democrática SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 25/11/22 18h44m
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Docentes da área de Ciência Política e de História analisam possibilidades de reconstrução da democracia

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Apoiadores e apoiadoras de Bolsonaro pedem intervenção militar

Os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro, que será encerrado somente em 31 de dezembro deste ano, foram marcados pelo constantes enfrentamentos ao Supremo Tribunal Federal (STF), ataques à imprensa e ameaças de resolução de questões através do poder militar. Quais os impactos para a sociedade brasileira? É possível afirmar que as instituições funcionaram dentro da normalidade, dentro do que é conceituado como um equilíbrio entre os poderes?

Para Reginaldo Perez, professor de Ciência Política do departamento de Ciências Sociais da UFSM, “o que vimos foi o que historicamente assistimos no Brasil, com as exceções históricas dos períodos democráticos (1945-1964 e 1985 em diante, até 2018), ou seja, o Poder Executivo prevalecendo no relacionamento institucional, dando sinais claros de que era merecedor de uma posição destacada diante dos demais poderes”. E acrescenta: “Não fosse a reação do Poder Judiciário aos arroubos autoritários do Governo Bolsonaro, não conseguimos imaginar o que teríamos tido”, assevera.

Odilon Caldeira Neto, professor de História Contemporânea da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), também pesquisador sobre temas como “extrema-direita” e “neofascismo”, afirma que “ao longo do governo Bolsonaro houve um nítido desequilíbrio entre os poderes. Alguns setores dos poderes, e, especialmente no Judiciário, tiveram que exercer fortemente um processo de continuidade e de validade dos mecanismos da democracia, atuando no que chamamos de freios e contrapesos”. Sendo assim, ressalta Caldeira Neto, na prática, o que tivemos “não foi um equilíbrio, mas um tensionamento constante, que demonstra a existência de um processo marcado pela postura autocrática e antidemocrática do presidente Jair Bolsonaro, que buscou colapsar as outras instituições”.

Rosana Soares Campos, cientista política, docente do departamento de Ciências Sociais da UFSM, destaca que “o equilíbrio entre os poderes acontece quando todos têm liberdade de ação e cumprem suas funções estabelecidas pela Constituição”. Entretanto, na visão dela, o que vemos “é um presidente tentando dominar os três poderes – querendo legislar e julgar. É um governo de decretos. O uso abusivo de decretos mostra a incapacidade governativa”. Ainda segundo a docente, “a ameaça (no governo) está sempre presente em seus discursos e ações”, mas que há uma racionalidade nesse tipo de ação. “O medo, a insegurança, o pânico – essa sensação de caos é um método político que se utiliza para deslegitimar o adversário, visto por eles como o inimigo”, frisa.

Fragilização do sistema democrático

Na análise de Odilon Caldeira Neto, o principal efeito institucional das posições do atual governo foi não somente de uma normalização do discurso da extrema-direita. Para além do discurso, o historiador da UFJF pontua que “esses anos de governo Bolsonaro foram fundamentais para formar uma sólida rede de interlocução e solidariedade da extrema-direita brasileira”. Esse segmento, além de crescer politicamente, formando novas lideranças, também conseguiu debruçar-se sobre demandas mobilizadoras da extrema-direita. Então, diz o pesquisador, o ataque ao Judiciário e a parcelas do Legislativo, os ataques ao presidente eleito Lula, são pautas mobilizadoras desse setor.

Além disso, enfatiza Caldeira Neto, a própria questão militar se coloca como um processo de retomada de uma forte tradição de militarização da política brasileira. Portanto, diz ele, é possível afirmar que esses últimos quatro anos representaram o “fortalecimento das redes e um aumento da capilaridade na extrema-direita em diversos setores, como na cultura, na religião, etc.”.

Na ótica de Rosana Campos, um dos principais efeitos do período Bolsonaro é a “fragilização da democracia”. Na prática, segundo ela, isso se deu, por exemplo, através da violação dos direitos das minorias, da redução dos mecanismos de controle sobre o governo, da tentativa de controle moral sobre a sociedade através da institucionalização de normas de conduta, guiadas pelo ataque acirrado à pluralidade e à diversidade.

Além disso, os ataques ao STF, ao sistema eleitoral e uma forte defesa à intervenção militar demonstram, na perspectiva da professora de Ciência Política, que o atual governo e o grupo societal que o apoia, querem “desestruturar a democracia”. E completando a análise: “Os argumentos de que os partidos e o Congresso não servem para nada -  de que  a Suprema Corte é parcial contra o governo – o ódio visto no ataque, verbal e físico, a quem pensa diferentes deles, combinadas com outras ações, se refletem no baixo apoio do brasileiro à democracia e nas percentagens de quem acha que tanto faz qual forma de governo do país – autocracia ou democracia.

Baseando-se em dados do ‘Latinobarômetro’ de 2020, Rosana pinça informações, como por exemplo, as de que, dos brasileiros entrevistados, apenas 40% apoiam a democracia, enquanto 11% apoiam um governo autoritário e, para 27%, tanto faz. O restante, diz ela, não sabe ou não respondeu. No que se refere à confiança em outras instituições, o Congresso Nacional tem 23% de apoio, os partidos políticos de 13% e o Poder Judiciário (36%). Em contrapartida, as Forças Armadas têm confiança de 57% e a Igreja de 67%.

Aparelhamento da polícia e proeminência dos militares. Qual a solução?

Vimos nas manifestações pós-eleição integrantes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) se associando a protestantes no fechamento de rodovias, manifestantes acampados em frente de quartéis do Exército pedindo a volta do regime militar. Antes mesmo do pleito em si, interrogações pairavam a partir da confirmação de que urnas eletrônicas seriam auditadas via Ministério da Defesa. São fatos como esses que fogem à “normalidade” e chamuscam o funcionamento das instituições democráticas. É possível fazer com esse tipo de situação seja estancada?

Para o professor Odilon Caldeira Neto, torna-se um “imperativo” que essas situações sejam revistas e não se repitam.  Diz ele que “em certa medida é necessário tensionar isso que se tornou uma tradição inventada em torna da ideia de conciliação na sociedade brasileira”. Caldera entende que “o olhar deve ser voltado para outras experiências relacionadas à política de memória e também questões do campo jurídico, como por exemplo, o que houve ao longo da metade do século XX, quando o processo de desconstrução dos regimes autoritários levou também a uma discussão sobre os crimes cometidos”.

Na visão do historiador, esse é um aspecto que precisa se tornar um elemento fundante naquilo que deve ser o “processo de fortalecimento e em certa medida de reconstrução da democracia brasileira”. Em outras palavras, frisa ele, é necessário “romper com uma ótica de conciliação e discutir efetivamente os crimes cometidos, pois isso é um imperativo para evitar que toda a rede construída no sentido de antepor-se a métodos antidemocráticos seja comprometida”.

Reginaldo Perez avalia a questão dos protestos “ilegais” trancando rodovias e a suspeita lançada sobre a eficácia das urnas eletrônicas e até mesmo em relação á própria forma de condução do processo por parte das autoridades da Justiça Eleitoral como fatos de grande impacto político. Na visão do cientista político, será preciso aguardar as investigações para se ter clareza se mais objetivos haviam por trás dessas orquestrações que levaram apoiadores do atual governo a trancar estradas e protestar em frente a prédios militares.

“Fugir à normalidade institucional é dar um passo a uma normalidade autocrática”, sublinha Rosana Campos. Para ela, o comportamento da PRF (no caso da possível leniência com os trancamentos de estradas) “é a perfeita demonstração do aparelhamento do Estado. Uma instituição de manutenção da ordem e cumprimento da lei expondo uma preferência ideológica, e que vai contra toda a construção de uma sociedade democrática em que as regras devam ser respeitadas por todos/todas.”

Para a docente, é preciso ficar atento com essas tentativas de desestabilização do regime democrático. E alerta: “uma autocracia já não é mais instaurada através de golpe militar. Há as autocracias eleitorais, que preservam certas instituições democráticas, mas alteram seus funcionamentos”. Esse é o perigo, diz Rosana, porque as mudanças vão acontecendo em um ambiente de “aparente normalidade” e quando se vê "é imprensa sendo ameaçada, o presidente e seus ministros questionando as instituições democráticas, pessoas de outros credos e orientações sexuais sendo perseguidas", conclui.

Confira a íntegra das entrevistas dos professores Odilon Caldeira Neto, Reginaldo Perez e Rosana Campos, abaixo, em anexo.

 

Texto: Fritz R. Nunes
Imagem: Divulgação/Brasil de Fato
Assessoria de imprensa da Sedufsm

 

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- Depoimento professora Rosana Campos

- Depoimento professor Reginaldo Perez

- Depoimento professor Odilon Caldeira Neto

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