A educação de Santa Maria adoece
Publicada em
27/05/2025
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Como docente formadora de professoras, frequento as escolas municipais de Santa Maria desde que entrei na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em 2017. Meus projetos (pesquisa, ensino e extensão) e as práticas docentes das disciplinas que leciono ocorrem nestas escolas. É uma escolha política estar nas escolas públicas municipais e não nas estaduais. E o que vejo hoje é uma educação que está doente e adoece.
Semana passada, estava na sala das professoras de uma escola quando uma monitora entrou, com crise de ansiedade. Uma estudante de ensino médio, sem preparo algum para estar auxiliando professoras com estudantes neurodivergentes. Eu a acolhi. Passados alguns minutos, duas professoras entraram na sala, enquanto outra, na porta, comentou: queria ter tempo para um café. Ela havia pedido, mais cedo, que uma das minhas alunas, que estava em observação docente, fosse para a sua turma, que não tinha ninguém para auxiliá-la. As duas professoras comentaram das dificuldades diárias, entre elas a falta de auxiliares e de momento para planejamento.
Na mesma semana, participei da audiência pública no Legislativo municipal e me emocionei com uma mãe. Ela disse que trabalha 44 horas semanais e que no seu horário de descanso (à noite), estava ali, lutando por um direito básico constitucional, a educação de sua filha.
Não quero aqui me ater à falta de aumento salarial, à iminente reforma da previdência, nem às condições de infraestrutura das escolas. Tudo isso afeta a sala de aula. Mas quero discutir dois temas que, para mim, também afetam a formação docente. Como dar aula sem planejar? Como atuar com crianças neurodivergentes sem pessoal capacitado? Como querer ser docente vendo esta realidade diária?
Pergunto às minhas estudantes como foi a observação docente e a resposta esmagadora foi: um caos. Não há Pé de Meia Licenciaturas que pague a manutenção de estudantes em cursos de formação de docentes se a realidade da educação básica é adoecedora.
Pergunto-me: o que aconteceria se a partir de hoje as professoras de Santa Maria chegassem e simplesmente não dessem aula, estando em sala? Não estou falando em greve. Estou dizendo em não trabalhar o conteúdo previsto, uma vez que não há espaço, dentro da grade horária de muitas delas, para o planejamento das atividades. Ora, se eu não estou sendo remunerada para planejar, por que vou planejar fora do meu horário de trabalho? A comunidade de Santa Maria já se perguntou o que ocorreria se as docentes pensassem assim?
Desde o início do ano, além de todas as condições de infraestrutura, milhares de docentes estão dando suas aulas tendo de planejar em seus horários de folga. Ou seja, não têm descanso. Qual o limite de saúde para isso? E entram em salas de aula sem auxiliares para o trabalho com crianças neurodivergentes. E quando têm, são pessoas não qualificadas.
Há anos a prefeitura de Santa Maria legalizou a gambiarra: contrata pessoas sem qualificação para serem auxiliares. E o sindicato local denuncia a falta de estagiárias e monitoras. Não faltam. O que faltam são profissionais! Deveria haver concurso público para profissionais capacitados para o trabalho com crianças neurodivergentes. E não o uso indiscriminado de mão de obra barata e não qualificada.
Como manter a qualidade de ensino diante disso? Ano passado, fazendo estágio em uma turma, uma aluna falou que era impossível lecionar para metade da turma neuro divergente sem auxiliar, que se sentia impotente diante desta realidade. Felizmente, a aluna não desistiu da Licenciatura.
Semana passada, uma professora agradeceu o fato de, apesar do caos, eu não ter abandonado sua escola. E eu tento fazer com que minhas alunas, diante do caos, não abandonem a escola pública. É adoecedor, pra todas nós.
Sobre o(a) autor(a)
Professora do curso de Dança-Licenciatura da UFSM, diretora da Sedufsm