Da gripe às eleições: por que a era da desinformação exige regulamentação urgente SVG: calendario Publicada em 16/07/2025 SVG: views 234 Visualizações

A expressão fake news vem sendo usada para se referir a qualquer conteúdo falso ou impreciso que circula nas plataformas digitais - ou mesmo a matérias jornalísticas que desagradam certos grupos. As tentativas de pesquisadores por delimitar o termo não fazem muito sucesso fora do meio acadêmico. Desordem informacional, desinformação, pós-verdade - são conceitos que se diferenciam apenas entre estudiosos. E tudo bem, desde que a ciência e a educação sigam firmes nessa disputa. O problema real, no entanto, tem crescido na velocidade das mudanças climáticas, também vítimas da desinformação e do negacionismo.

Suas consequências já estão aqui, agora, no nosso dia a dia, estampadas em manchetes reais e nada falsas. O Rio Grande do Sul bateu recorde de mortes de idosos por gripe. O Brasil, pela primeira vez em décadas, aparece entre os países com os piores índices de vacinação infantil. Adultos que optam por não se vacinar ou não levar os filhos pequenos para receber as imunizações são vítimas de campanhas antivacina pesadas, que chegam aos seus grupos e redes on-line, promovendo o encontro perigoso entre o viés de confirmação e laços de afeto e confiança. Estamos falando de campanhas coordenadas mundialmente por grupos políticos cujo interesse é fragilizar para controlar.

As estratégias lembram aquelas usadas pela indústria do tabaco, décadas atrás, para arregimentar defensores, e que hoje são replicadas por fabricantes e vendedores de suplementos alimentares que prometem prevenção e cura de doenças sem qualquer evidência científica. Em nome do lucro a qualquer custo, influenciadores vendem a alma para anunciar jogos de aposta, produtos enganosos e ideias que transformam legiões de seguidores em presas fáceis. Não por acaso, o Fórum Econômico Mundial e a Unesco já classificam a desinformação como o principal risco global de curto prazo.

Indústrias e grupos políticos sem escrúpulos têm usado a desinformação - ou as fake news - como estratégia de captação para fins nada nobres. A cada dia, vemos ao redor pessoas que lembram zumbis ou as vítimas da máfia dos opioides nos Estados Unidos, retratada em produções como A Máfia da Dor. O filme mostra como uma empresa farmacêutica lançou no mercado um opioide tão viciante quanto a heroína, desencadeando uma das maiores crises sanitárias daquele país. Por trás das mentiras, havia lobby, médicos cooptados e eventos glamourosos.

Em 2026, teremos eleições no Brasil. O cenário é alarmante diante do que a desinformação, aliada à popularização da Inteligência Artificial Generativa (IAG), tem demonstrado ser capaz de produzir. Já circulam vídeos inteiros, com apresentadores e plateia gerados por IA, simulando programas de auditório com realismo assustador. E uma parcela considerável dos usuários sequer possui o letramento digital necessário para distinguir realidade de ficção. Mesmo pesquisadores e profissionais da comunicação, à primeira vista, hesitam diante dessas produções. Com o tempo, os olhos se acostumam, e conseguimos identificar o caráter sintético do conteúdo. Mas a IA também evolui. Em breve, até especialistas terão dificuldade de separar o que é real do que é fabricado.

Vimos um prenúncio do que veremos no ano que vem, há poucos dias, na guerra de narrativas sobre as novas taxas do IOF: governo, oposição e influenciadores se enfrentaram com vídeos e discursos artificiais, numa disputa digital marcada por desinformação. Se nada for feito, mergulharemos de vez num mundo distópico em que verdade e fato serão apenas questão de opinião. A regulamentação das plataformas digitais e da Inteligência Artificial não é mais um debate sobre o futuro - é uma urgência civilizatória. Sem ela, corremos o risco de voltar às cavernas, com a diferença de que, agora, elas terão wi-fi.
 

(* Luciana Carvalho também é líder do grupo de pesquisa Desinfomídia UFSM/CNPq)