Fraudes na lei de cotas raciais impediram pessoas negras de serem contratadas no magistério superior, diz professora
Publicada em
26/11/25
Atualizada em
27/11/25 16h56m
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Entrevistada da edição 110 do Ponto de Pauta, Ana Luisa Araujo de Oliveira constata que racismo institucional sabota lei de cotas do país
A análise de cerca de 10 mil editais de 61 órgãos do governo federal revelou que, de cada mil candidatos negros que deveriam ter tomado posse segundo a Lei de Cotas 12.990 de 2014, apenas cinco alcançaram esse direito na carreira de professor do magistério superior. Pode parecer engano os 0,53% de efetividade da lei, mas não é. São dados de março de 2024, quando foi publicado o contundente relatório de quase mil páginas chamado A Implementação da Lei nº 12.990, um cenário devastador de fraudes. O relatório, assim como o livro A Mão Invisível do Racismo Institucional e a Sabotagem da Lei de Cotas Raciais, este último lançado em outubro deste ano, foram publicados pelo Observatório de Políticas Afirmativas Raciais, OPARÁ, vinculado à Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf).
“As pesquisas mostram que a sociedade assume que há racismo. Ninguém se diz racista, mas que há racismo na população brasileira. E esse racismo também reflete dentro das instituições”, declara Ana Luisa Araujo de Oliveira, coordenadora do Opará, em entrevista ao Ponto de Pauta 110. Ela é a primeira docente negra nomeada por cotas raciais na Univasf, em 2022, oito anos após a vigência da lei que assegurava reserva à população negra de 20% das vagas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos.
O relatório parte da constatação, em 2020, de que a Universidade Federal do Vale do São Francisco não implementava as ações afirmativas com todos os dispositivos em seus concursos públicos, promovendo um dos mecanismos de burla que acabava não reservando as vagas. O professor Edmilson Santos, integrante do Opará, constatou que não era uma singularidade da Univasf, mas um processo sistêmico nas universidades federais do país.
Segundo a professora Ana Luisa, as cotas raciais no serviço público é uma reivindicação antiga do movimento negro e o primeiro projeto de lei protocolado com este objetivo é da década de 80, por Abdias Nascimento. As cotas, explica a coordenadora do Observatório Opará, são instrumentos para trazer maior equidade, diversidade e inclusão das pessoas negras no serviço público federal, em virtude da desigualdade de contratações em relação ao percentual da população brasileira.
Em junho deste ano a lei 12.990 foi substituída pela Lei 15.142, que ampliou para 30% a reserva de vagas, incluiu indígenas e quilombolas. “Ela (nova lei) tem um avanço no sentido de ampliar o percentual e de incluir grupos historicamente vulnerabilizados no processo histórico desse país”, pondera Ana Luisa. A professora da Univasf também comemora o fato do relatório e do livro que denunciam o racismo institucional ter desencadeado um interesse por parte das universidades na busca por informações para cumprirem, de fato, a lei de cotas raciais no serviço público federal. “A gente tem visto um movimento crescente de instituições produzindo alteração dentro dos seus editais para poder aplicar a lei na íntegra, em todos os seus dispositivos e assegurar o direito da população negra. Também os órgãos de controle, como o Ministério Público Federal e o Tribunal de Contas da União estão fazendo a auditoria da lei”.
O sindicato como um grande aliado nas pautas antirracistas
Ana Luisa diz ter orgulho de estar vinculada a um sindicato antirracista. “O sindicato foi esse lugar que me acolheu, que me deu proteção, afeto e de entender que a carreira docente de uma pessoa negra, de uma mulher negra na universidade tinha seus desafios e que precisavam ser enfrentados de uma forma bastante séria ali dentro. Eu falo que o sindicato é um lugar em que me sinto segura, onde o racismo está em luta porque a gente tem campanha, tem esse diálogo aberto”. Ela diz que recomenda a filiação ao sindicato para todos que chegam na universidade por cotas. “A gente tem os desafios dentro da universidade, só que precisamos construir esses quilombos”.
A professora do curso de agronomia também destaca o fato do sindicato estar em todas as instituições e poder fazer com que as informações e mobilizações cheguem mais longe. Em janeiro, durante o Congresso do ANDES, foi aprovado um Texto de Resolução (TR) com o compromisso de lutar pela reparação das vagas que não foram reservadas durante todos estes anos em que a lei de cotas foi burlada. Ela diz que o movimento sindical, assim como as organizações do movimento negro, são fundamentais para se avançar nesse processo de reparação, que já iniciou em algumas universidades. A Universidade Federal de Pelotas é a pioneira nesse sentido, inclusive, com parecer da AGU autorizando a reparação das vagas. Recentemente a Univasf aprovou a reparação de vagas no seu Conselho Universitário. A Universidade Federal de Sergipe e a Universidade Federal de Uberlândia terão reparação das vagas a partir de uma ação do Ministério Público Federal. “A pauta da reparação é atual, necessária e urgente. A população negra não pode esperar mais”, afirma a coordenadora do Opará.
Espelho para estudantes
A presença de professoras e professores negros também é muito importante para as e os estudantes. Do estranhamento para os que nunca tiveram uma professora negra ao “espelho” para acadêmicos que agora podem ter uma referência em sala de aula. Ana conta que é procurada por estudantes negras e negros que precisam conversar, desabafar, que pensam em desistir e que ela acaba exercendo um apoio psicológico e emocional, antes de encaminhá-los para outras instâncias que possam seguir com o processo de acolhimento e ajuda.
“Eles conseguem ver em nós docentes meio que um espelho para dialogar, seguir a carreira deles. Então, acho que contribui bastante quando a gente tem um corpo docente e um corpo técnico que é diverso. Se a gente quer produzir uma sociedade de fato antirracista, é nesses espaços de formação que precisamos estar muito fortemente ancorados também. Essa formação passa pela sala de aula, pelo corredor da universidade, pela presença de pessoas negras dentro desses espaços”.
Você pode assistir à entrevista completa com Ana Luisa Araujo de Oliveira aqui:
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