Dia Mundial do Refugiado: um passo para o Comitê Municipal de Atenção a Migrantes e Refugiados SVG: calendario Publicada em 21/06/2023 SVG: views 2610 Visualizações


O dia 20 de junho é celebrado como o Dia Mundial do Refugiado e comemorar esta data é trazer à memória a luta de milhões de pessoas em todo o mundo obrigadas a deixar seus lares em busca de sobrevivência e tornar visível um dos maiores desafios dos direitos humanos, o do reconhecimento do migrante como sujeito de direitos. O refúgio, nas palavras de Said constitui “uma fratura incurável entre um ser humano e um lugar natal”, de ruptura de projetos, histórias, dos referenciais que vem do local do nascimento que representam amparo, afeto e sentido, como a família, a comunidade, a língua, a cultura, o modo de vida, ou seja, daquilo que lhe constitui como sujeito. Ruptura como condição de sobrevivência. Ao chegar em um lugar estranho, do qual não pertence, seja no campo político ou simbólico, passa a necessitar justificar a sua presença com documentos, carrega no seu corpo o desconhecido, outra língua, outra cultura. Sofre duplamente, portanto: a consequência da sociedade xenófoba que se manifesta sobretudo no racismo e no preconceito de classe.

As migrações internacionais nos convidam a refletir sobre a nossa própria sociedade e as relações de exclusão marcadas pela dificuldade que temos em lidar com o outro, a diferença e as injustiças sociais em todo o mundo. Os dados do relatório do ACNUR divulgados neste mês mostram que 35,3 milhões dos 110 milhões de pessoas deslocadas de forma forçada no mundo são de refugiados, ou seja, buscaram proteção fora das suas fronteiras. Desta população, 40% são crianças. Em relação a 2022, houve um acréscimo dos deslocamentos forçados dentro e fora das fronteiras em 19,1 milhões. O Brasil, hoje, é o quarto país da região que mais recebe migrantes forçados venezuelanos, são 459 mil documentados aqui, como residentes, destes 53 mil como refugiados reconhecidos. 

Santa Maria, embora não esteja inserida dentre as cidades conveniadas por uma das modalidades previstas de interiorização, recebe constantemente venezuelanos, já foi uma das cidades do chamado reassentamento solidário, que recebeu colombianos, no âmbito da universidade, são diversas as nacionalidades de refugiados como afegãos, paquistaneses, costa-marfinenses, dentre outras. São enormes os desafios diretamente ligados aos imigrantes, sobretudo aqueles que carregam a exclusão de raça e classe, são estigmatizados como constante ameaça, aquele que irá tomar os empregos ou sobrecarregar os serviços públicos, aquele que precisa justificar sua presença por um documento que lhe autoriza, o bode expiatório do medo humano mais profundo, o do desamparo, acirrado em momentos de crise. 

A história demonstra a importância das migrações humanas e a riqueza da diversidade humana e cultural que elas trazem, para o desenvolvimento das sociedades e dos países que as acolhem. Apesar da nossa Lei de Migração reconhecer como Política de Estado a não criminalização das migrações, a regularização documental e igualdade no acesso aos direitos e serviços, a vida cotidiana do imigrante é atravessada por muitas situações de grande adversidade, discriminação e nulificação: isso pelo desconhecimento ainda generalizado de que imigrantes são sujeitos de direito em igualdade de condições aos nacionais e independente de sua situação migratória; pelo desconhecimento por parte de empregadores sobre a contratação de imigrantes; pela potencial superexploração da mão de obra do imigrante, condicionado pela sua vulnerabilização; pela dificuldade em ter seus diplomas e títulos acadêmicos e profissionais reconhecidos; pela dificuldade que pode portar de comunicação, por desconhecer o idioma local, porta de acesso para toda a vida no espaço público, para acessar a saúde, a educação, o transporte, trabalho; por depender de um documento para ingressar no país em reunião familiar ou residir, e não ter a certeza de que irá acessar este documento; por precisar acessar serviços públicos, uma casa de passagem, uma bolsa família; e, infinitas outras situações que apenas o imigrante vivencia. 

É por isso que as cidades precisam estar estruturadas, primeiro, por meio de seus recursos humanos administrativos, segundo, pela geração da cultura da diversidade humana, social e produtiva, terceiro, por responder as mais variadas demandas associadas à condição do imigrante, de suas famílias, de suas crianças e idosos e de sua vida produtiva no território onde vivem.

Em dezembro de 2021, no encerramento do segundo curso de formação em direitos humanos para servidores públicos e atores sociais, realizado pelo Migraidh/UFSM, houve a proposição de criação do Comitê Municipal de Atenção ao Migrante e Refugiado (COMIRE), o qual foi aprovado como Projeto Sugestão pela Câmara de Vereadores, em fevereiro de 2022. 

Um COMIRE representa o espaço de fortalecimento do diálogo intersetorial e interinstitucional, com a finalidade de articular, coordenar e propor a estratégia de atenção ao migrante e refugiado na rede de serviços, equipamentos e políticas públicas municipais, bem como implementá-la, monitorá-la e avaliá-la. A composição deste comitê prevê a inclusão de instituições públicas envolvidas com a agenda, a sociedade civil organizada e imigrantes. Um passo fundamental de participação social e política e coordenado para o desenvolvimento de estratégias locais de acolhimento e fortalecimento das redes de atenção e inserção da população migrante e refugiada. 

Uma proposição situada nos exemplos de governança migratória municipal de cidades como Porto Alegre, no marco da nova Lei de Migração n. 13.445, sancionada em 24 de maio deste ano, da Lei de Refúgio n. 9.747, de 1997, dos tratados internacionais de Direitos Humanos de que o Brasil é signatário, dos regimes internacionais de proteção da pessoa humana, a exemplo do Processo de Cartagena, que pontua nas chamadas “soluções duradouras” as respostas de acolhimento e integração local, no qual o Brasil se insere, e da Constituição Federal.

Uma cidade que acolhe é aquela que oferece políticas públicas de integração, que sabe que a imigração é um fato social, que existe pois decorre da necessidade humana, independentemente da escolha de governo, mas é essa escolha que pode determinar passos para um desenvolvimento humano e social baseado na valorização da pessoa humana, que reconhece que o imigrante e o refugiado quando chega no país de destino não vem com suas mãos vazias, traz a riqueza humana produtiva, cultural e científica, que ele amplia a visão de mundo do local porque carrega a internacionalização na sua vivência e história. 

O encerramento do evento realizado em 20 de junho na UFSM, em comemoração ao Dia Mundial do Refugiado, contou com a apresentação da minuta de Decreto Municipal do COMIRE, pelo Executivo Municipal: um passo importante na construção de uma cidade acolhedora e de participação social e política da população migrante e refugiada.