O impacto da inteligência artificial na humanidade SVG: calendario Publicada em 03/12/2025 SVG: views 60 Visualizações

No início do primeiro semestre letivo de 2008, foi deflagrado o processo eleitoral para a Reitoria da Universidade Federal de Viçosa (UFV), e três candidatos postulavam o cargo: o então vice-reitor, a ex-diretora do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes e o ex-chefe do Departamento de Engenharia Agrícola, Luiz Cláudio Costa. Numa tarde de quarta-feira, depois das “pesadas aulas” de Teoria Microeconômica I, ao me dirigir à biblioteca, veio até mim um senhor alto e grisalho, que soube depois tratar-se do professor Luiz Cláudio, acompanhado de sua candidata a vice, Nilda de Fátima Ferreira Soares. Eles me entregaram um folder com suas propostas, o qual agradeci e coloquei na minha pasta.

Ao chegar em casa, fui ler o material. Contudo, o que mais me marcou foi um depoimento, pedindo voto na dupla Luiz Cláudio e Nilda, de uma das maiores mentes da cultura, da educação e da luta pelos direitos humanos: o ex-frade franciscano e teólogo Leonardo Boff, autor do clássico Igreja: carisma e poder, no qual defende a tese de uma igreja que valorize mais a sinergia com o povo do que uma estrutura de poder centralizada e hierárquica.

De certa forma, foi o que o saudoso Papa Francisco tentou fazer ao promover a tão necessária reforma na Cúria Romana. Devido à publicação desse livro, Boff submeteu-se a um julgamento conduzido pelo então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, antigo tribunal da Inquisição ou Santo Ofício, presidido, à época, pelo teólogo e Cardeal Joseph Aloisius Ratzinger, posteriormente Bento XVI.

O encontro desses dois teólogos pode ser considerado um verdadeiro “duelo de titãs”, parafraseando o nome do filme dirigido por John Sturges, em 1959, com Kirk Douglas e Anthony Quinn, visto que antagonizavam-se duas figuras intelectualmente brilhantes, mas com visões de Igreja completamente distintas. Contudo, o resultado é de que Boff foi condenado ao silêncio obsequioso. Aliás, são momentos de forte emoção a reverência que ele fez à cadeira de Galileu e aos julgamentos inquisitoriais ocorridos naquele espaço. E o mais impressionante é que, passado tudo isso, nunca guardou mágoa ou rancor, tendo sido, inclusive, convidado para dar um depoimento quando Bento XVI completou noventa anos. No folder, Boff defendia o voto em Luiz Cláudio e Nilda para que se tivesse uma UFV menos agrária, mais humana e mais próxima dos setores mais vulneráveis da sociedade.

O resultado foi que a dupla venceu a eleição no primeiro turno, com quase 60% dos votos, e a gestão foi marcada por uma relação de sinergia com o Governo Federal, o que possibilitou importantes recursos para a universidade, além de uma estratégia moderna e arrojada para a época: o consórcio das universidades federais mineiras, que promoveu a integração entre os campi por meio de projetos de pesquisa e extensão, melhor aproveitamento de recursos e transferência de tecnologias.

O professor Luiz Cláudio, em janeiro de 2011, renunciou ao mandato de reitor para assumir a Secretaria de Educação Superior (Sesu), do Ministério da Educação, e guardo como uma das minhas “pequenas relíquias” o fato de que meu diploma de Doutorado em Economia Aplicada tenha sido um dos últimos assinados por ele enquanto reitor da UFV. Em Brasília, o professor foi presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e, posteriormente, secretário-executivo do Ministério da Educação (MEC), sendo, em alguns momentos, ministro interino da Educação. Atualmente, exerce o cargo de conselheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), é reitor do Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB), bem como referência internacional em assuntos relacionados a mudanças climáticas e inteligência artificial, tendo participado, no ano passado, em Pequim, do Diálogo do G20 – Educação, Tecnologia e Qualidade na Era Digital.

Em setembro deste ano, o professor Luiz Cláudio lançou o livro O impacto da inteligência artificial na humanidade: explorando educação, saúde, ética, economia, emprego, inovação e poder, publicado pela editora Appris. A obra é composta de cinco capítulos e conta com o prefácio do ex-ministro da Educação e atual presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o filósofo Renato Janine Ribeiro.

O livro, em certo sentido, guarda semelhança com o clássico O mundo de Sofia: romance da história da filosofia, escrito pelo norueguês Jostein Gaarder, visto que, por meio do diálogo entre João e a inteligência artificial Ella, com participações especiais de pensadores como Sócrates, Platão, Aristóteles, Einstein, Gandhi, dentre outros, vão sendo discutidos os limites e as possibilidades da inteligência artificial.

Nesse livro, o professor Luiz Cláudio, aproveitando-se de sua erudição e de seus conhecimentos na área de tecnologia da informação, faz um cotejo sobre a importância da inteligência artificial nas mais variadas áreas do conhecimento, concluindo que se abre uma nova oportunidade para a construção do conhecimento e da inovação, com impactos nas questões econômicas e sociais. Conforme alertado pelo autor, é urgente a democratização dessa ferramenta, ou seja, é necessário que comunidades de regiões mais afastadas, bem como pessoas de baixa renda, tenham acesso a essa tecnologia, sob pena de se criar mais um instrumento restrito a um nicho da sociedade.

Ainda sob essa perspectiva, um ponto que merece ser saudado no livro é a relação entre ética e inteligência artificial, sobretudo no momento em que a Igreja Católica, por meio do Dicastério para a Doutrina da Fé, lança a Antiqua et Nova – Nota sobre a relação entre a inteligência artificial e a inteligência humana – na qual se observa preocupação quanto ao uso dessa ferramenta para a construção do bem comum. No livro, o professor Luiz Cláudio também demonstra essa inquietação, principalmente em momentos de forte tensionamento político, proliferação de fake news, utilização de armas de destruição em massa e incertezas sobre o futuro das relações internacionais, mais especificamente no tocante à promoção da paz e à busca pelo desenvolvimento sustentável. Nesse contexto, merecem destaque as cartas de Albert Einstein e Sigmund Freud, de 1932, intituladas Por que a guerra? Na correspondência entre esses dois grandes personagens da história científica, observa-se, sobretudo, a preocupação e as inquietações de ambos quanto à utilização da energia atômica para fins que não se limitem a questões ambientais, sociais e de segurança energética.

Enfim, a forma como essa tecnologia será utilizada e a maneira de democratizar o acesso são alguns dos grandes desafios colocados para a humanidade. Tais questões exigirão reflexões que ultrapassam os limites da epistemologia moral e política, envolvendo elementos como responsabilidade social, cultural e educacional do ser humano em relação à sociedade em que vive, bem como sua capacidade de refletir sobre a maneira como interage com o mundo, pautando-se por honra, tolerância, responsabilidade, autocrítica e autoanálise. Tarefas que não serão fáceis, mas, como diz o teólogo Leonardo Boff: “As tarefas que nos propomos devem conter exigências que parecem ir além de nossas forças. Caso contrário, não descobrimos o nosso poder, nem conhecemos nossas energias escondidas e, assim, deixamos de crescer”. 

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por Daniel Arruda Coronel
Professor do departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM

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