O ensaio da nova cena partidária no Brasil SVG: calendario Publicada em 14/05/2025 SVG: views 304 Visualizações

A cena política já foi comparada – muitas vezes – a um palco de teatro no qual se representam dramas e mesmo tragédias. O sociólogo norte-americano Erving Goffman lançou luz sobre essa analogia ao utilizar a ação teatral para nortear sua análise das interações sociais, interpretando a vida cotidiana como um palco no qual os indivíduos desempenham papeis e representam suas identidades diante de um público. Nesse contexto, a política se apresenta como um espaço privilegiado dessa encenação, no qual sua ação se desenrola segundo as três fases clássicas do drama: a) uma situação de crise que se caracteriza pela existência de um desordem social de que os cidadãos (ou uma parte da coletividade) são as vítimas; b) uma fonte do mal, razão de ser da desordem, que pode encarnar-se numa pessoa, que deve ser achada e denunciada; c) uma possível solução salvadora, que pode encarnar-se na figura de um salvador que proporá reparar a situação de desordem.

É o velho esquema cristão da Redenção, que tem suas raízes em mitos sacrificiais muito antigos (o bode expiatório) e que, no domínio político, se desenvolve segundo o mesmo roteiro.

Na Nova República brasileira, notamos que esse roteiro está bem presente com tons de indignação ou de angústia. Partidos políticos são responsabilizados pela desordem social, pela corrupção e pela suposta decadência moral do país, enquanto figuras públicas são sacralizadas ou demonizadas, assumindo papeis simbólicos de salvadores ou vilões.

Nesse cenário de intensa polarização e disputa, a nova trama da política brasileira tem como fato extraordinário o encolhimento dos partidos com fusões, incorporações e federações. A recente federação entre União Brasil e PP, somada à fusão entre PSDB e Podemos, impulsiona um movimento iniciado há alguns anos e que resultou no corte de 30% do número de forças partidárias existentes.

Em 2015, o país alcançou 35 legendas distintas. Desde então, medidas legislativas e mudanças institucionais vêm promovendo um processo gradual de redução desse número, que deve cair para cerca de 24 agremiações com as novas uniões. Esse enxugamento deve ser ainda maior no Congresso Nacional, onde a redução do número de partidos pode chegar à quase metade, resultando em 16 agremiações.

Diante desse panorama, Ranier Bragon aponta que “a marcha em direção ao enxugamento da sopa de letrinhas partidária brasileira deve continuar nos próximos anos e é reflexo de quatro projetos aprovados pelo Congresso de 2015 a 2021”. Estas medidas, de acordo com o Jornal Folha de São Paulo:

1) Em 2015, buscou dificultar a criação de partidos. Só naquele ano foram autorizados a funcionar pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) três novas legendas, Novo, Rede e PMB (Partido da Mulher Brasileira). Minirreforma aprovada na ocasião exigiu que as legendas em formação conseguissem o apoio mínimo de eleitores (hoje em pouco mais de 500 mil) em até dois anos (antes não havia prazo), sendo que nenhum deles poderia ser filiado a partido já existente (antes, podia). Essas novas regras foram cruciais para barrar, por exemplo, a tentativa de criação da Aliança pelo Brasil, partido que Jair Bolsonaro (PL) e apoiadores tentaram colocar de pé de 2019 a 2022, mas que acabou em fracasso. Desde 2015, só o nanico UP (Unidade Popular) foi criado, em 2019.

2) As principais regras contra a excessiva pulverização do quadro partidário brasileiro vieram, porém, em 2017, quando o Congresso aprovou e promulgou a emenda constitucional 97. A medida acabou com a possibilidade de coligação entre os partidos para eleição de deputados e vereadores, o que dificultou a eleição de representantes por partidos pequenos e nanicos.

3) Estabeleceu uma cláusula de barreira (ou cláusula de desempenho) que promove o estrangulamento de partidos que não tenham um desempenho mínimo nas eleições para a Câmara dos Deputados. A cláusula passou a valer em 2018 e tem as suas regras endurecidas eleição a eleição, até 2030, quando os partidos terão que obter ao menos 3% dos votos válidos nacionais para deputado federal, distribuídos de forma uniforme em pelo menos nove estados, ou elegerem pelo menos 15 deputados federais, também distribuídos em pelo menos um terço das unidades da federação. O descumprimento da cláusula não obriga a extinção dos partidos. Sem atingi-la, entretanto, eles não recebem o fundo partidário, que vai distribuir R$ 1,3 bilhão neste ano, nem têm acesso à propaganda partidária e eleitoral na TV e rádio, entre outras implicações — eventuais deputados e vereadores eleitos por essas siglas podem migrar para outras sem risco de perda do mandato. Em 2018, quando o piso era de 1,5%, 14 partidos não atingiram a cláusula. Em 2022, quando o piso subiu para 2%, foram 15. Nove partidos desapareceram do mapa político brasileiro nesses anos: PPL, PRP, PHS, PSL, DEM, PROS, PSC, Patriota e PTB.

4) A quarta medida foi aprovada em 2021 com o objetivo de melhorar as chances de partidos pequenos e médios de elegerem parlamentares, além de servir como uma prévia a uma fusão ou incorporação. Trata-se das federações. Pela regra, os partidos são obrigados a atuar em conjunto por ao menos quatro anos, como se fossem uma única agremiação. Ou seja, não há, por exemplo, como lançar dois candidatos a prefeito de partidos diferentes de uma mesma federação, apenas um. No ano seguinte, três federações foram formadas: 1) PSDB e Cidadania, 2) PSOL e Rede e 3) PT, PC do B e PV. Agora, desenha-se a concretização da quarta, entre União Brasil e PP, que representará a principal força do Congresso e cujo lançamento simbólico ocorreu no final de abril.

Essas medidas podem contribuir para mitigar os efeitos negativos advindos do pluripartidarismo exacerbado no Brasil, uma vez que, conforme destacam as advogadas Marisa Amaro dos Reis e Laís Sales do Prado e Silva, tanto o excesso de partidos quanto a alta dispersão partidária configuram-se entre as principais causas da instabilidade política e da crise de governabilidade e de representatividade, sendo um empecilho à formação de maiorias consistentes e estáveis no processo decisório.

Nesse sentido, esses projetos indicam uma clara tendência de encolhimento ainda mais acentuada dos partidos no Congresso Nacional. Grandes partidos de direita e de centro, como o MDB, o Republicanos e o PSD, têm articulado a formação de novas federações. Tal dinâmica se intensifica ao se considerar que a cláusula de barreira de 2026 será ainda mais rígida e chegará ao seu ápice em 2030. Diante disso, espera-se que partidos pequenos e nanicos deixem de existir.

O cenário que se desenha para os próximos anos é o de um Congresso Nacional composto por aproximadamente uma dezena de partidos, com predominância de legendas de perfil centro-direitista e com apenas dois partidos de esquerda com possibilidade de manter representatividade expressiva.

 

(*) O artigo é assinado também por Laryssa Andrade Cavalheiro, graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e integrante do Grupo de Teoria, Arte e Política (GTAP).

 

Referências citadas:
https://tse.emnuvens.com.br/estudoseleitorais/article/view/129/102

https://periodicos.unb.br/index.php/revistapos/article/view/19557

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por José Renato Ferraz da Silveira
Professor do departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM

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