Mito, Duce e Führer SVG: calendario Publicada em 13/07/2022 SVG: views 3070 Visualizações

A palavra mito, de origem etimológica grega mytos, possui ricos e múltiplos significados. De noção complexa e polissêmica, o mito não pertence unicamente aos povos primitivos, tampouco as civilizações nascentes, pois existiu e existe em todos os tempos e culturas como componentes intrínsecos da maneira humana de compreender, absorver e enfrentar a realidade.

Um dos significados mais atuais e utilizados para definição de mito surge quando as personalidades tornam-se passíveis de serem “mitologizadas”, como afirma Joseph Campbell.

Muitos artistas, políticos, esportistas e demais se tornam “mitos” ao longo do tempo para o seu “clube de fãs”. Estas personalidades tornam-se – no imaginário coletivo – todos os tipos de anseios que as pessoas buscam em suas vidas: sucesso, poder, beleza, reconhecimento, entre outros.

E como num “rito sagrado”, há uma “busca desenfreada” de emular tais seres “sobre-humanos”. De forma resumida, pode-se admitir que os “mitos” podem servir como modelos para as pessoas. A opinião delas é valiosa para os seus seguidores, ainda mais, em tempos de inúmeras redes sociais.

Os “mitos” propõem, estimulam, provocam ideias, comportamentos e atitudes. E cá pra nós, esta influência pode servir para o bem ou para o mal na vida em sociedade, de uma coletividade, de um país. Por exemplo, um nefasto e execrável líder político pode mobilizar atos de ódio, ressentimentos com grupos políticos/partidários/étnicos/identitários, negacionismo da ciência e de muitas teorias científicas bem consolidadas, construções de conspirações, fake news, além do hiperindividualismo (baseado na liberdade a qualquer custo, a liberdade “acima da própria vida e do próprio oxigênio”).   

Neste sentido, relembro de um “Líder” italiano. Há quase cem anos atrás, na Itália, tivemos a “Marcha sobre Roma” de Benito Mussolini (1833-1945) em 28 de outubro. Mussolini afirmava-se como Primeiro Ministro em 31 de outubro de 1922.

Ele nasceu em 1833. De início, um destacado jornalista socialista. Mas mudou de ideologia de modo dramático. Era um porta-voz do orgulho ferido da Itália quando o acordo de paz - pós “Grande Guerra” (1914-1918) - falhou em conceder os ganhos esperados.

Sem demora, em 1919, lançou seu movimento fascista, que utilizava táticas violentas, terror e intimidação contra os oponentes de esquerda. Industriais, empregadores e empresários italianos estavam preocupados com a ocupação das fábricas pelos “elementos subversivos” que lutavam pela propriedade comum dos meios de produção.

Os donos da terra também estavam alarmados pela inquietação rural. Estes grupos da elite econômica italiana – tanto nas cidades como nos campos – viam Mussolini e o dinamismo do fascismo como a melhor solução para resolver os “terríveis males”. Logo, Mussolini adotou o título de “Líder” – Duce em italiano. A autoridade inquestionável do homem frente ao movimento. É criada toda uma estética da representação dele. 

A historiadora Vanessa Beatriz Bortolucce pondera: “como acontece com todo governo totalitário, a produção de imagens deve estar a serviço da ideologia do governo, reforçando os valores desejados e legitimando as práticas vigentes. Neste processo de produção de um universo imagético, as representações do líder do governo são de suma importância: para além dos propósitos de propaganda, a imagem do ditador deve penetrar o cotidiano dos indivíduos, no micro e no macro espaço. Sua presença é aquela do Big Brother orweliano: capaz de conciliar os papeis de pai e de carrasco, de conselheiro e de delator, de verdugo e de salvador, a imagem do líder, quanto mais papeis abarcar, mais forte será seu efeito em todas as camadas da sociedade e das consciências”.

O exemplo bem sucedido de Mussolini levou Hitler a adotar a mesma estratégia de “marketing político” e ser chamado de Führer (Líder em alemão) e criar também toda uma elaborada estética nazista.

Houve o crescente culto de personalidade nos dois países. Acreditavam os dois que eram eles destinados a liderar a Itália e a Alemanha para um futuro renascimento nacional. No fim, trouxeram a guerra, um monte de entulho, ossuários, gerações perdidas e um horizonte sombrio.

 

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por José Renato Ferraz da Silveira
Professor do departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM

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