Resiliência e desconfiança Publicada em 22/05/2024 15296 Visualizações
Em 2004, o Painel de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudanças produziu denso estudo, a pedido do secretário-geral da ONU, cujo relatório final amplia consideravelmente o conceito de ameaças à segurança internacional. O texto as define como “qualquer evento que cause mortes em massa ou diminuição das condições de vida ou ponha em risco a existência de Estados como unidades básicas do sistema internacional. Os integrantes do painel tentaram especificar as ameaças, mas isso não reduziu a amplitude do conceito. Listaram-se, com efeito, seis categorias de ameaças: a) socioeconômicas (incluindo pobreza, doenças infecciosas e degradação ambiental); b) conflitos interestatais; c) conflitos internos (incluindo guerras civis, genocídios e outras atrocidades); d) armas nucleares, radiológicas, biológicas e químicas; e) terrorismo; e f) crime organizado transnacional”.
Antonio Jorge Ramalho da Rocha
“A famosa frase de Bismarck segundo a qual a política é a arte do possível, contém uma advertência contra o ataque ao Estado por crianças grandes. Aos olhos do estadista, teriam permanecido crianças aqueles adultos que nunca estiveram em condições de aprender seriamente a diferença entre o politicamente possível e o impossível. A arte do possível é equivalente à capacidade de proteger o espaço da política contra exigências oriundas do impossível”.
Peter Sloterdijk
Em virtude da tragédia que acometeu o Rio Grande do Sul, desde o fim de abril, entrei num estado de aflição, angústia e melancolia.
Queria escrever algo diante das cenas pavorosas, mas não consegui. Até hoje tenho enfrentado dificuldade em absorver os acontecimentos trágicos e racionalizar acerca deles.
Os dias passados não foram fáceis. E penso nos vindouros como serão para todos nós?
Fiquei e fico me questionando sobre a morte, o sofrimento, as nossas lutas diárias em busca de reconhecimento, dignidade, amizade e amor, a solidão, os nossos tormentos, as nossas perdas, as nossas escolhas, as nossas falhas, os nossos fracassos e etc.
Ah! Nós somos levados, muitas vezes, nas encruzilhadas da vida a viver nas lembranças do passado ou nas mudanças para o futuro.
Sabemos que os mais velhos possuem a tendência mais forte de relembrar o passado com certa nostalgia, e os mais jovens constroem sua vida nos planos para o futuro.
Pois bem, o ser humano busca mudança, busca a “perfeição”, busca algo que pode ou poderia tornar a sua vida feliz. Temos dentro de nós, o impulso de “algo mais”. É algo intrínseco à natureza humana. Essa “força” que nos movimenta para algo novo damos o nome de esperança, do latim spes. É através da esperança que sentimos – de fato – a presença de nossa alma. Acredito que é graças a ela que nos mantemos verdadeiramente vivos.
Esperança não significa esperar, ou pelo menos, um esperar passivo. Ou seja, ela não é um comodismo, mas sim uma motivação que nos impulsiona para viver. Portanto, quem tem esperança, na verdade, não espera. A esperança é um sopro divino ou impulso de vida que nos retira da passividade e nos faz lutar.
Tomás de Aquino afirma que a esperança surge a partir de quatro qualidades humanas: “a bondade, a ambição por algo elevado, a capacidade de olhar para o futuro e o desejo de fazer da nossa vida terrena aquilo que é possível”. O filósofo romano Cícero descreve “a esperança como a força que nos liberta da infelicidade e nos abre portas para o futuro”.
Não duvido e percebo que quem é movido pela esperança é otimista e criativo. Não espera cair do céu os pedidos e os desejos. Mas busca conquistá-lo. Como dizia Fernando Pessoa: “a sonhar eu venci mundos”. Dessa forma, a pessoa esperançosa acredita que é capaz de algo mais, que é possível alcançar o “impossível”.
O (s) alimento (s) que move (m) a todos – direta e indiretamente - nesta terrível e repetida tragédia de enchentes e inundações no Rio Grande do Sul é a esperança. E não só!
Temos inúmeros ingredientes: fé, caridade, empatia, compaixão, altruísmo... Temos uma lista extraordinária de benevolentes sentimentos e ações voltadas aos animais humanos e animais não-humanos (cavalos, cachorros, gatos e tantos outros seres).
Infelizmente, há também uma lista nefasta de sentimentos e ações: oportunismo político, negacionismo científico, turismo de tragédia, fake News, golpes, roubos, assédio, entre outros...
Enfim, em momentos de crise, de grande sofrimento e desespero humano, tomamos consciência ou despertamos para o sentido da vida.
Há uma frase icônica de Victor Frankl que diz muito sobre isso: “Nada proporciona melhor capacidade de superação e resistência aos problemas e dificuldades em geral do que a consciência de ter uma missão a cumprir na vida”.
É o que vimos pelas mídias o incessante trabalho de heróis anônimos em suas missões de salvamento. Teremos uma longa e lenta reconstrução que será necessário muito planejamento, muita organização, monitoramento, controle e vigilância dos governos, das organizações civis-militares e da sociedade civil. Devemos ter ciência e consciência de que as ameaças ambientais são o maior risco à existência humana em nossa era.
Sobre o(a) autor(a)
Por José Renato Ferraz da SilveiraProfessor do departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM