Ebserh: privatização disfarçada, avalia professora
Publicada em
10/10/13
Atualizada em
13/10/13 12h14m
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Governo transfere serviços públicos para o setor privado

Diferentemente da privatização escancarada, também conhecida como ‘clássica’, da época de Fernando Henrique Cardoso (FHC), as políticas de contra-reforma estatal implementas pelas duas gestões petistas (Lula/Dilma) apresentam, em princípio, um verniz menos agressivo, mas, na prática, também transferem serviços públicos à instituições privadas. E um exemplo disso é a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), empresa pública de direito privado proposta pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva no final de 2010, no último dia de seu mandato. A análise é da professora Claudia March, do curso de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF), que faz parte da diretoria da ADUFF e milita na Frente Nacional contra a privatização da Saúde.
As opiniões da docente foram esquadrinhadas em abril deste ano, quando o ANDES-SN se preparava, junto com Fasubra e outras entidades, para promover o plebiscito sobre a Ebserh. Ela concedeu uma entrevista ao programa de tevê ‘D Docente’, da Sedufsm, quando discorreu sobre os principais problemas envolvendo a empresa como gestora dos HUs.
Inicialmente apresentada como Medida Provisória (MP) 520, em 31 de dezembro de 2010, a proposta da Ebserh acabou caindo por decurso de prazo, mas foi reapresentada pela presidente Dilma Rousseff em forma de projeto de lei, em regime de urgência. Aprovado ainda no final de 2011, o projeto se transformou em lei e, na prática, as administrações das universidades passaram a ser pressionadas pelo governo a aderir à Ebserh, já que o MEC repassou para a empresa os recursos destinados aos hospitais universitários.
Cedência da universidade à empresa
Em relação aos aspectos perniciosos na relação entre a Ebserh e a universidade, Claudia March explica que, a partir do momento em que a universidade assina o contrato, faz a cessão de tudo que é o hospital universitário, desde seu patrimônio até seus trabalhadores. “As práticas que nós desenvolvemos hoje nos departamentos de ensino, nos cursos de graduação, pós-graduação e grupos de pesquisas, e que são feitas dentro do hospital universitário, têm toda uma discussão prévia no interior da comunidade universitária. A partir da Ebserh, esse gestor de ensino, pesquisa e extensão, que sequer precisa ser docente ou trabalhador da universidade, vai definir com os demais gerentes as atividades a serem desenvolvidas”, frisa ela. Para Claudia, os projetos docentes no âmbito do ensino, pesquisa e extensão estarão subordinados aos gestores do hospital.
A professora e sindicalista destaca ainda que a empresa tem como objetivo uma lógica de mercado, de obtenção de lucro, e de atingir metas para o SUS [Sistema Único de Saúde] ou outras metas com os convênios que a Ebserh vier a fazer com o setor privado. Então, diz ela, “vamos ter que nos subordinar nossas práticas de ensino, pesquisa e extensão a uma lógica em que não há nenhuma forma de a gente interferir dentro das instâncias da universidade”, avalia.
Ataque aos trabalhadores
Um dos principais problemas que acompanham a aprovação da Ebserh nas universidades é o nível de precarização que se apresentará aos trabalhadores. Claudia alerta para o desenrolar de um cenário: a empresa provavelmente acarrete o maior impacto visto desde o período de FHC na redução de cargos do Regime Jurídico Único (RJU). A professora analisa que no futuro poderá acontecer inclusive a extinção desses cargos do RJU nos hospitais, já que os trabalhadores que hoje migrassem para a gestão da Ebserh iriam, progressivamente, chegar à aposentadoria.
Diz ela: “outro ataque vem afetar diretamente a organização dos trabalhadores técnico-administrativos em educação (TAEs). Vamos imaginar que próximo período venha uma política governamental de redução de direitos, congelamento de salários, etc., e que os TAE discutam e deliberem greve. Vamos imaginar como vai se dar essa forma de mobilização: esses trabalhadores cedidos estão sendo regidos pela Ebserh, mas em tese teriam seus direitos. Vai ser uma enorme dificuldade a partir de então conseguir conciliar as lutas e conseguir a mobilização, já que esses trabalhadores vão estar fora do espaço coletivo da universidade. Vão estar sendo administrados por um outro gestor”, enfatiza Claudia.
Estudantes e a mercantilização
Já os estudantes também sofrem impactos diretos com a chegada da Ebserh às instituições, já que o caráter de hospital escola dos HU é seriamente comprometido. Claudia destaca que a nova lógica apresentada aos hospitais não se referencia, necessariamente, na melhoria da formação dos estudantes da graduação e pós-graduação. “E uma coisa que já acontece ilegalmente: alguns hospitais, através de fundações privadas ditas de apoio, já vendem seu espaço para universidades particulares poderem lotar seus estudantes ali, diminuindo com isso o espaço público para os estudantes das universidades públicas. A universidade através da fundação vende um espaço para ser ocupado pelo setor privado. Isso, com a Ebserh, não vai poder sequer ser questionado legalmente. Então, avaliamos que esse formato pode colocar dentro do hospital universitário uma lógica de mercantilização que pode prejudicar a formação dos estudantes na área de saúde”, diz Claudia.
Conflito de interesses
Em um determinado momento haverá o confronto inevitável entre as proposições da Empresa e aquelas que serão frutos de discussões coletivas nas instâncias das universidades. Claudia explica que o ANDES-SN se preocupa com a situação, já que haverá contradição entre duas lógicas distintas: a proposta pelos movimentos sindicais e sociais, que pautam o caráter público da universidade – defendendo, por exemplo, o desenvolvimento de pesquisas que interessem ao conjunto da população – e a lógica da Ebserh, que prevê convênios com o setor produtivo da sociedade – como indústrias farmacêuticas e de equipamentos -, visando ao lucro.
“Então a partir desse momento vai haver um conflito de interesses progressivamente, porque a Ebserh vai subordinar a sua definição do que se faz no interior dos hospitais universitários a lógicas que são distintas e nem sempre são as lógicas compartilhadas pelos projetos político pedagógicos dos cursos das universidades. Isso é um ataque muito grave”, explica.
Por fim, Claudia ressalta a necessidade do diálogo com todos os departamentos das universidades, para que o conjunto dos trabalhadores entenda que a Ebserh vem para legalizar práticas de privatização interna. “Não basta o setor da saúde resistir. É necessário que o conjunto da comunidade universitária e o conjunto dos docentes tenham clareza de que é uma proposta que hoje é só para os hospitais universitários, mas que a contra-reforma administrativa já foi tentada com fundação estatal de direito privado, e a fundação estatal é para todos os setores, inclusive a educação. Temos que resistir hoje à Ebserh, porque é um grande balão de ensaio para termos que resistir, no futuro, à Empresa Brasileira de Serviços Educacionais, por exemplo”.
Acompanhe aqui o vídeo com a entrevista.
Texto: Bruna Homrich (estagiária)
Edição: Fritz R. Nunes
Foto: ANDES-SN
Assessoria de Imprensa da Sedufsm
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