Reitor da Estácio de Sá contesta eficiência da Dedicação Exclusiva
Publicada em
21/03/16
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Sedufsm discorda de argumentos do professor Ronaldo Mota

A aula inaugural do Centro de Ciências Naturais e Exatas (CCNE) e do Centro de Tecnologia (CT) da UFSM, realizada no dia 8 de março, trazia como tema “Educação contemporânea e tecnologias digitais”. Na condição de conferencista, o atual reitor da Universidade Estácio de Sá, Ronaldo Mota, falou especialmente sobre a necessidade urgente de os métodos educacionais se adaptarem, agregando os mecanismos que a tecnologia oferece ao exercício da docência. Além disso, defendeu um “ensino hibrido”, onde os métodos clássicos (baseados na presença em sala de aula) e os mecanismos digitais, são complementares, e não excludentes. Contudo, as inovações na educação as quais Mota se referiu, não estiveram centradas exclusivamente na adoção de ferramentas tecnológicas no contexto da sala de aula. Na visão do reitor da Estácio, uma das maiores universidades privadas do país, nesse pacote de mudanças necessárias entram, também, algumas questões muito caras ao movimento docente, como a Dedicação Exclusiva (DE).
Em resposta a um questionamento da plateia, sobre a real possibilidade de mudanças frente ao atual e “engessado” modelo de educação, especialmente em comparação com o de outros países como a Alemanha, Motta apontou: “Veja, a maior diferença na educação superior particularmente da Alemanha, não é o aluno, é o professor. A gente tem aqui como pressuposto fundamental a questão da Dedicação Exclusiva. (Na Alemanha) Um professor que é Dedicação Exclusiva ele é mal visto, porque o, entre aspas, ideal de um professor, é alguém que metade do tempo está trabalhando sua aula clássica, mas a outra metade do tempo ele vai para o laboratório, ele vai lá para entender quais são as demandas. Então ele não é DE. Esse instituto de educação que eu continuo participando ativamente, em Londres (Institute of Education na University of London), não tem ninguém DE. O diretor lá que é DE, e que não faz muita coisa. O resto tá na rua”.
100% desatualizado
Segundo Mota – que é professor aposentado da UFSM e teve toda a sua formação acadêmica dentro da universidade pública –, os fundamentos desse raciocínio estão no fato de que, por exemplo, um docente da área de Ciências Contábeis que não possui contato com o mercado, tem 100% de chances de estar desatualizado. E nesse quesito, a DE seria um “desserviço”. “Nós temos o paradigma oposto aqui (ao da Alemanha). A minha percepção, e alguém pode cobrar ‘ah, mas você está no setor privado’, não. Como educador, hoje, o estímulo exagerado à DE é um desserviço. Quer dizer, eu acho até que você pode preservar o salário”, ressaltou Ronaldo Mota.
Em complemento, contudo, o reitor da Estácio de Sá faz questão de frisar que não se trata de extinguir a DE, mas de oferecer uma maior flexibilidade. “A gente não pode ter nada contra alguém que, acertada a vida funcional para manter suas funções, queira ir para o mundo privado ao mesmo tempo, ganhar conhecimento e trazer experiência aqui pra dentro. Num curso de administração, se eu falar assim ‘esse curso de administração é bom porque todos os professores são Dedicação Exclusiva’. Na minha opinião, como educador, deve ser uma porcaria. Não quer dizer que um curso de administração não tenha professores de Dedicação Exclusiva, mas parte deles”, concluiu Mota.
Para o professor da UFSM e presidente da SEDUFSM, Adriano Figueiró, o argumento apresentado pelo professor Ronaldo Mota trata-se de um sofisma clássico quando se discute a relação entre academia e mercado. “Esse argumento tenta dar a entender que apenas a venda de serviços é o caminho para o contato necessário com o setor privado, enquanto que, na verdade, este é o papel da extensão; ou seja, se eu desenvolvo um programa de extensão fortemente alicerçado na realidade e demandas da sociedade e do mercado, eu estarei plenamente integrado à realidade do mercado, mas sem, contudo, precisar chancelar de forma privada esta relação”, aponta Figueiró.
Dedicação exclusiva e ciência
Hoje a DE representa a maior linha no contracheque, isto é, o grosso do salário dos docentes das instituições públicas de ensino superior – inclusive, saliente-se, é luta histórica do movimento docente a unificação de todos os valores em apenas uma linha do contracheque. Contudo, segundo defendem as entidades representativas da Educação – entre elas o Andes-SN e a Sedufsm –, para além de uma questão salarial, a DE é fundamental para a autonomia científica, já que, com ela, vem a obrigação legal de se ter a atividade acadêmica como única fonte de renda.
Ou seja, além de fornecer estabilidade econômica, a DE proporciona também a independência científica da universidade pública, que tem por obrigação se debruçar sobre os temas de interesse da sociedade e a partir de sua perspectiva. “O contato com o mercado ocorre no espaço e no tempo da universidade, segundo os interesses da própria universidade. Do contrário, eu teria que admitir, por exemplo, que aqueles que trabalham com formação de professores, a fim de conhecer mais proximamente a realidade das escolas, precisariam abrir mão da DE para trabalhar parte do tempo em escolas. Como se a universidade, por meio da extensão, não pudesse oportunizar este espaço de contato com a realidade”, destaca o presidente da Sedufsm. Além disso, para Figueiró, infelizmente a maioria dos casos de quebra de DE não se tratam de uma troca de informações entre academia e mercado, e sim de complementação salarial. Para o movimento docente, nenhuma novidade; afinal, é inclusive por situações como essas que as entidades lutam por um plano de carreira e políticas salariais que efetivamente atendam às necessidades da categoria. Para que docentes possam se dedicar por completo às suas tarefas, com segurança financeira e autonomia científica.
Texto: Rafael Balbueno
Foto: Agência de Notícias da UFSM
Edição: Fritz Nunes
Assessoria de imprensa da Sedufsm
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