Ouriques diz que universidade falha em não defender soberania nacional
Publicada em
31/07/19
Atualizada em
05/08/19 14h01m
3467 Visualizações
Nildo Ouriques, professor de Economia da UFSC, ministrou palestra na Sedufsm

Foi uma palestra para desacomodar certezas e levantar inquietudes. Talvez essa seja a melhor síntese da exposição de Nildo Ouriques, professor do departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que esteve em Santa Maria ministrando, na noite da última terça-feira, 30, o debate “Crítica da razão acadêmica: a função da educação no capitalismo dependente”. Com o auditório da Sedufsm lotado, o professor, também presidente do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA), problematizou, principalmente, o modelo de universidade que temos hoje, desalojando algumas bandeiras aparentemente consensuais.
Defensor do modelo de universidade proposto por Darcy Ribeiro no livro “A universidade necessária”, Ouriques acredita que a universidade brasileira vem falhando sistematicamente naquela que deveria ser sua tarefa central: a luta contra o subdesenvolvimento e em defesa da soberania nacional.
Um dos consensos problematizados por ele é a defesa, propagada por praticamente todas as reitorias, da internacionalização das universidades. Para o docente, ao internacionalizar, exportamos nossos melhores cientistas e, por consequência, tornamo-nos dependentes de ciência e tecnologia dos países de capitalismo central, tendo de pagar royaltes a estes países pela tecnologia de ponta que ajudamos a construir. Em 1994, salienta Ouriques, o Brasil pagava R$ 260 milhões de reais anualmente em royaltes. Em 2017, tal cifra havia subido para R$ 5 bilhões anuais.
Por este motivo, o palestrante mostra-se contrário a programas como o ‘Ciências sem Fronteiras’. “Temos de nacionalizar as universidades, não internacionalizar. Não temos de mandar cientistas para fora, e sim trazer os melhores projetos para o Brasil. Todos os anos, a Universidade de Harvard e o Exército dos Estados Unidos fazem seleção para recrutamento de estudantes em São Paulo. Nossos talentos são sugados”, critica Ouriques.
Fetiche acadêmico
As universidades e institutos federais brasileiros vêm sendo acometidos, na avaliação do economista, por um profundo antiintelectualismo que desestimula o pensamento crítico. E o esvaziamento da crítica viria sendo preenchido pela lógica produtivista, que avalia cursos e programas de pós-graduação a partir de indicadores numéricos e não validados socialmente. E o pior de tudo, explica o professor, é que os órgãos de fomento responsáveis por estabelecer os critérios de avaliação são formados pelos próprios professores, que naturalizam essa dinâmica.
“A universidade conserva fetiches, como a avaliação numérica de cursos e programas. Nós publicamos artigos em revistas de outros países, mas não temos patentes de pesquisa. Produzimos mercadorias com alto valor de uso e de troca. É preciso criticar o modelo de universidade que temos hoje: os currículos, em geral eurocentristas, têm sido peça de alienação dos estudantes. Vivemos uma crise pedagógica, os professores não são educados para dar aula e as reitorias são cúmplices dessa crise. O Brasil está ‘agringalhado’ e a universidade precisa se nacionalizar para ser uma potência contra isso”, pondera Ouriques.
O cenário de cortes orçamentários que assola as universidades e institutos federais exige uma postura firme de contrariedade e enfrentamento, contudo, para o professor, é preciso ir além e criticar a estrutura e a lógica que rege tais instituições. “Vamos nos opor aos cortes, mas a universidade, tal como é hoje, está longe do que precisamos. A crítica desapareceu completamente de seu interior. As instituições estão empobrecidas material e intelectualmente”, opina, ressaltando que a esquerda, ao ficar presa em seu ‘bom mocismo’ que mina a possibilidade de críticas mais duras, deixou o monopólio da crítica à academia para a direita.
Ao fim de uma fala que suscitou diversas intervenções e questionamentos por parte da plateia, Ouriques aponta que a universidade tem duas opções: “ou sucumbe à sua mediocridade, ou sai às ruas para defender outro modelo. Precisamos de um novo radicalismo de esquerda”.
A realização do evento foi do Kairós (Grupo de Estudos e Pesquisa sobre trabalho, educação e políticas públicas) da UFSM, com o apoio do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe) e da Sedufsm.
Confira a íntegra da palestra abaixo:
Texto: Bruna Homrich
Fotos e vídeo: Ivan Lautert e Rafael Balbueno
Assessoria de Imprensa da Sedufsm
Galeria de fotos na notícia
