Profissionais de Enfermagem da UFSM e o desafio do trabalho na pandemia
Publicada em
30/03/21
Atualizada em
30/03/21 20h43m
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Apesar dos efeitos negativos detectados em pesquisa da Fiocruz, há espaço para esperança

Uma pesquisa nacional divulgada pela Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), a mesma responsável pela produção da vacina Oxford/Astrazeneca, no dia 22 de março, apontou que 43,2% dos profissionais de saúde não se sentem protegidos no trabalho de enfrentamento à Covid-19. Dos 25 mil participantes da pesquisa intitulada Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da Covid-19, a ampla maioria (77,6%) são mulheres, sendo que 58,8% são enfermeiras (os).
Essa percepção de falta de proteção atingiu 23% dos pesquisados, estando relacionada à escassez, falta ou inadequação no uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Alguns dos temores detectados na pesquisa mostraram que 18% do total dos e das participantes receiam se contaminar no trabalho. E esse temor não é infundado.
Suzinara Beatriz Soares de Lima, docente do curso de Enfermagem da UFSM e chefe da divisão de Enfermagem do Hospital Universitário (Husm/Ebserh), mesmo cumprindo todos os protocolos e os cuidados cotidianos, se infectou por Covid-19 em agosto de 2020. Inicialmente, a doença se manifestou leve, mas foi se agravando, a tal ponto que a paciente apresentou um quadro de pneumonia, tendo que ficar três dias hospitalizada em uma unidade clínica, sendo destes, um dia com o uso de oxigênio.
Apesar disso, ela, particularmente, não se sente desprotegida. Suzinara explica que havia, logo no início da pandemia, um receio de que ocorreria uma contaminação em massa dos profissionais de saúde, o que, segundo ela, não se confirmou. Se no prelúdio da pandemia, havia dificuldade com máscaras e outros equipamentos de proteção, agora isso não existe mais, conforme a enfermeira. O fato de terem tido acesso à vacina também contribuiu na redução do nível de preocupação. “Mas, não é momento de relaxar. Não sabemos até quando essa pandemia vai”, afirma Suzinara (foto abaixo).
Saúde mental
O levantamento efetuado pela Fiocruz também detectou graves e prejudiciais consequências à saúde mental daqueles que atuam na assistência aos pacientes infectados. Conforme a pesquisa, as alterações mais comuns no cotidiano, citadas pelos (as) profissionais foram:
- Perturbação do sono (15,8%); irritabilidade/choro, frequente/distúrbios em geral (13,6%); incapacidade de relaxar/estresse (11,7%); dificuldade de concentração ou pensamento lento (9,2%); perda de satisfação na carreira ou na vida/tristeza/apatia (9,1%); sensação negativa do futuro/pensamento negativo, suicida (8,3%); alteração no apetite/alteração do peso (8,1%).
Para a professora Teresinha Heck Weiller, do departamento de Enfermagem da UFSM, também diretora da Sedufsm, a pesquisa “confirma aquilo que a gente sabe, ou seja, que entre os profissionais do setor de saúde existe uma sobrecarga física e emocional”. Essa sobrecarga tem uma série de causas. Entre elas, o fato de a remuneração desses (as) profissionais ser insuficiente, o que leva a que muitos (as) tenham mais de um vínculo de trabalho, comenta Teresinha.
O fato de a maioria das respostas ser de profissionais de enfermagem (58,8%), e desses, a maior fatia ser do gênero feminino leva a um outro aspecto, conforme a professora: a realidade social que atinge a mulher na sociedade brasileira, que a leva, muitas vezes, a uma tripla ou até quarta jornada de trabalho. “Essa profissional volta para casa depois de uma jornada de 12h (devido a duplo vínculo trabalhista) e tem toda a gestão da casa, afazeres domésticos. Muitas dessas mulheres, inclusive, provedoras financeiras da família”, frisa Teresinha.
Para além das questões de baixa remuneração, excessiva jornada de trabalho, a professora de Enfermagem problematiza outros dados do trabalho da Fiocruz que mostram a insegurança quanto ao trabalho em si, sobre o temor de ser infectado pelo coronavírus. A dificuldade em manter o distanciamento social, o número insuficiente de trabalhadores (gerando sobrecarga), e a falta de equipamentos, levam aos resultados objetivos mostrados pela pesquisa: “medo, angústia, dessas/es profissionais que temem se contaminar ou contaminar pessoas da sua rede de afetos”, destaca Teresinha (foto abaixo).
Falta de incentivo
Os (as) profissionais de saúde têm recebido muitas homenagens, inclusive, sendo chamados de “anjos de branco”, pelo trabalho que têm realizado mais de um ano depois de iniciada a pandemia de Covid-19, cujo prazo de término ainda não se vislumbra. Entretanto, “nunca foi diferente, pois, sempre estivemos na linha de frente. Foi assim na gripe espanhola, no combate ao HIV, no combate ao H1N1”, ressalta Vera Gomes da Rosa, que atua há 25 anos como técnica em enfermagem, atualmente trabalhando junto ao Husm, como empregada pública da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh).
Ela acrescenta ainda que “somos gratos pelas palmas, mas nossa luta vai além disso. Lutamos por respeito, valorização profissional, aprovação da lei das 30 horas, do piso salarial aos profissionais e pela não retirada de direitos como o da insalubridade”.
Se já não bastassem as jornadas à exaustão, em mais de 450 dias de combate à pandemia, Vera (foto abaixo) comenta que ainda precisam suportar “um governo negacionista desincentivando a pesquisa clínica, desqualificando a ciência, desprezando os servidores públicos e debochando dos milhares de mortos. São autoridades incapazes de lidar com o problema sanitário e a possibilidade de o sistema de saúde entrar em colapso, devido à grande demanda, com a vacinação chegando ‘gota a gota’,” desabafa.
Estresse
Para Suzinara Lima, não há como ignorar o estresse nesses tempos de pandemia. Ele tem múltiplos fatores, mas ela concorda que o aumento da demanda de trabalho é um deles. O absenteísmo (ausência, falta no trabalho) colabora muito para o excesso de demanda, analisa ela. Afora isso, acrescenta a professora, a falta de lazer também colabora para os efeitos sobre a saúde dos (das) profissionais de saúde.
“Não poder viajar, não poder fazer exercícios numa academia, hidroginástica numa piscina, não poder levar um filho na pracinha”, frisa ela, que entende que o confinamento acaba gerando efeitos indesejáveis. “Você fica em casa, mas o rádio, o jornal, a TV, só falam em Covid. Isso tira o prazer de estar em casa”, sublinha a enfermeira. Felizmente, para ela, não houve alteração no sono. “Tem faltado tempo para comer, mas isso não chega a ser um grande problema”, diz Suzinara.
Será que vai melhorar?
Teresinha Weiller analisa que a sobrecarga de trabalho, se referindo às instituições públicas, que respondem pela grande demanda da população, é originada na falta de recursos humanos. E tende a piorar, acrescenta ela. “Estamos entrando no terceiro ano do congelamento dos investimentos, fruto da aprovação da EC 95/16 (teto de gastos). Com isso, o que se prevê é a redução de recursos para a saúde pública, que responde justamente por esse atendimento massivo da população”.
Solidariedade, amor...
Mas nem tudo é só negativo nesse mais de um ano de pandemia. Para Suzinara Lima, se cresceu o estresse, também aumentaram os comportamentos solidários. “Houve uma união muito grande das pessoas. Quando alguém falta ao trabalho por motivos justificados, sempre tem alguém que se dispõe a substituir: ‘Pode deixar, eu posso, eu fico’.”
A técnica em enfermagem do Husm, Vera Gomes da Rosa, afirma que sentimentos como “insegurança, angústia, ansiedade, medo, aflição e estresse, nos acompanham todos os dias ao sair de casa para trabalhar”. Contudo, destaca ela, é importante que “esses profissionais sejam olhados, passem por uma escuta qualificada, para que se possa identificar e compreender as questões que eles passam”. E arremata: “pode-se dizer que o tripé para continuarmos nosso trabalho é o amor, comprometimento e esperança”.
Texto e entrevistas: Fritz R. Nunes
Fotos: Husm/Ebserh; arquivos pessoais
Assessoria de imprensa da Sedufsm
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