Professor explica desestruturação da carreira de docentes das IFES SVG: calendario Publicada em 15/03/22
SVG: atualizacao Atualizada em 15/03/22 16h57m
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Ricardo Rondinel analisa e debate o assunto desde meados da década de 80

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Professor Rondinel durante exposição sobre a carreira docente no período em que esteve na CPPD

Os docentes das Instituições Federais de Ensino (IFEs), em conjunto com as demais categorias do funcionalismo público federal, estão em campanha salarial reivindicando 19,9% correspondente às perdas dos três anos de governo Bolsonaro. Entretanto, a falta de reajuste no atual governo é apenas uma parte de uma questão bem mais ampla quando se traz a lume o problema da desestruturação da carreira docente.

A atual carreira do magistério superior foi oficialmente criada em 23 de julho de 1987, através do PUCRCE (Plano Único de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos), com a estruturação de regimes de trabalho (20h, 40h, 40h/DE), com classes (Auxiliar, Assistente, Adjunto e Titular), com níveis, ‘Steps’. Tudo isso somado oferecia uma organização racional à carreira. Contudo, ao longo dos últimos anos, essa estrutura de carreira foi sendo desmontada.

A assessoria de imprensa da Sedufsm conversou com o professor Ricardo Rondinel, do departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM. O docente estuda a questão da carreira desde os tempos em que ingressou na UFSM, na década de 80. Rondinel integrava o GT de Assuntos Econômicos quando da fundação da Sedufsm e, depois, compondo a diretoria da seção sindical, tanto como vice-presidente entre 1992 e 1994, como também na presidência, entre 1994-96, entre 2014 e 2021, ocupou os cargos de Presidente e também de Secretário Técnico de Pessoal Docente da Comissão Permanente de Pessoal Docente (CPPD).

Na entrevista à Sedufsm, Ricardo Rondinel enfatiza que a estrutura da carreira lá do início do PUCRCE “não se mantém de forma nenhuma. Houve uma desestruturação”. E esse desmonte, acrescenta ele, não foi obra de um governo, mas de todos os governos. Uma das principais mudanças, segundo ele, foi a criação, em 2006, da classe de Professor Associado. Essa iniciativa prejudicou docentes já aposentados, tendo em vista que o topo da carreira, até então, era de Adjunto 4, e com a criação de Associado, eles (elas) não poderiam mais progredir e chegar até a classe de Associado. Para ter acesso à classe de Professor Titular era necessário fazer novo concurso público, o qual dependia de vaga e o MEC oferecia pouquíssimas vagas. O objetivo dos governos ao longo do tempo, conforme o professor, tem sido sempre economizar com a folha de aposentados

Além disso, outras alterações foram feitas no plano de carreira original, que geraram o achamento das promoções e das progressões,  prejudicando especialmente as classes que possuem os salários mais baixos, o que, inclusive, pode ser constatado por estudo recente do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Acompanhe mais detalhes na íntegra da entrevista com o professor Ricardo Rondinel, logo abaixo.

Sedufsm- Professor, a carreira do Magistério Superior foi criada por lei, em 23.07.1987, através do PUCRCE. Qual a importância para os docentes das Instituições Federais de Ensino de ter sido instituída uma carreira de forma racional, organizada?

Rondinel- A carreira docente formulada em 1987 foi o resultado da unificação das carreiras das Autarquias e das Fundações Federais de Ensino. As Fundações pagavam remunerações, entre 40% e 50 %, maiores do que as das Autarquias. Assim, ocorreu naquela época uma isonomia salarial entre as Universidades Federais Brasileiras que atuavam como Autarquias com aquelas que tinham o Estatuto na forma de Fundações.

O Plano Único de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos (PUCRCE) de 1987 abrangia três carreiras: magistérios Superior e do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico e a dos servidores técnicos administrativos.

Nesta resposta, vou-me restringir à carreira do magistério superior, na qual se enquadram 90% dos docentes da UFSM. A carreira docente foi organizada da seguinte forma. Existiam três regimes de trabalho: 20 horas, 40 horas e Dedicação Exclusiva. Os vencimentos dos docentes em 40 horas seriam acrescidos em 100% sobre o vencimento dos docentes em regime de trabalho 20 horas, ou seja, seriam o dobro. Os vencimentos dos docentes em dedicação exclusiva seriam acrescidos de 55% do vencimento do docente em 40 horas semanais de trabalho.

A carreira era composta por 4 classes: Auxiliar, Assistente, Adjunto e Titular. Poderia haver progressão funcional desde Auxiliar-1 até Adjunto-4. Já a promoção a Professor Titular, somente seria possível por concurso público de títulos e provas. Cada classe teria quatro níveis ou degraus, com excepção da classe de Titular, que tinha um único nível.

O vencimento básico inicial mais baixo na carreira seria o do professor auxiliar, nível 1, em regime de trabalho de 20 horas semanais. A esse vencimento básico seriam acrescidos os incentivos de titulação que eram de 25% para Doutor e 15% para Mestre. Os incentivos por titulação faziam parte do vencimento básico.

Dentro de cada classe, que tinha 4 níveis, existia um “step” ou degrau de 5% entre cada nível. De uma classe para outra o “step” ou degrau era de 10% e para a classe de titular o “step” chegava a 25%. Com isso a curva salarial seria de 135%, ou seja, o vencimento básico de um docente em final de carreira (Titular, Doutor, nível único) seria 135% maior do que o vencimento em início de carreira (Auxiliar, nível1).

Em síntese, havia no PUCRCE uma hierarquia organizada entre os regimes de trabalho, os de 40 horas ganhando vencimentos 100% superiores aos dos docentes em regime de 20 horas e os docentes em regime de dedicação exclusiva ganhando um vencimento 55% superior ao dos docentes em 40 horas.

Deve-se ressaltar que os incentivos por titulação formavam parte do vencimento básico e desse modo não poderiam ser alterados por decisão de governo ou do ministério da educação. Além disso, deve-se acrescentar que a progressão funcional poderia ocorrer por avaliação de desempenho a cada dois anos de efetivo exercício.

Esta carreira estava bem formulada. O problema era que existia inflação elevada. Os governos sempre tentaram diminuir os gastos e dar o menor reajuste possível. E não somente isso: foram sendo criadas sucessivas “gratificações” que, pouco a pouco, alteraram a hierarquia da carreira, gerando distorções.

Rondinel: após a classe de Associado, achatamento em promoções e progressões reduziu curva salarial de 135% para 113%.


Sedufsm- Ao longo das últimas décadas, a carreira do Magistério Superior foi sendo alterada por diferentes governos. Na sua avaliação, a essência da carreira, criada através do PUCRCE, se mantém?

Rondinel- Não se mantém de forma nenhuma.  Houve uma desestruturação da carreira. A seguir vou apresentar os argumentos para explicar o que aconteceu.

Primeiro: a partir de 01/05/2006 foi introduzida uma nova classe na carreira docente, entre as classes de adjunto e titular. Com a criação dessa nova classe, a de professor associado, apenas para docentes em atividade e portadores do título de doutor, os docentes aposentados foram prejudicados, porque aposentado não pode ter promoção na carreira. Houve uma alteração nas regras do jogo, uma alteração no instituto da carreira docente. O objetivo, foi o de sempre, gastar menos com os aposentados.

Com a criação dessa nova classe (professor associado) os “steps” entre as classes foram achatados e a curva salarial foi comprimida em relação a curva original do PUCRCE de 1987. Os “steps” (degraus) dentro de cada classe que eram de 5% no PUCRCE foram reduzidos para 4%, desse modo o ganho com a progressão funcional foi reduzido. Com as promoções de uma classe para outra aconteceu algo parecido. Os percentuais dos “steps” de promoção no PUCRCE que eram de 10% foram reduzidos para 5,5% nas promoções para as classes de assistente e de adjunto. Na promoção para titular o “step” no PUCRCE era de 25% e foi reduzido para 10%. Assim, houve um rebaixamento na hierarquia dos professores titulares, na promoção à classe de professor a titular houve uma perda de 15%. Contraditoriamente, na promoção de adjunto 4 para a classe de associado foi atribuído um “step” de 25%, uma contradição que quebrou a hierarquia da carreira. O objetivo neste caso foi claro, apenas beneficiar aos docentes ingressaram na carreira a partir de 2006, ano da criação dessa classe.

A consequência deste achatamento nas progressões e nas promoções foi uma redução na curva salarial para 113%, sendo que no PUCRCE era de 135%. Ou seja, a relação entre a remuneração de um professor Titular e a de um professor Auxiliar-1 sofreu uma perda de 22 pontos percentuais.  Deve-se ressaltar que na carreira atual foram introduzidos quatro níveis de professor associado entre as classes de professor titular e de professor adjunto, desse modo o que deveria ter acorrido é um aumento na curva salarial e não uma redução na curva salarial como efetivamente ocorreu.

Segundo: a relação que existia entre os vencimentos básicos dos regimes de trabalho também sofreu um achatamento. No PUCRCE um docente em regime de trabalho de 40 horas ganhava o dobro do que um docente em 20 horas. Hoje com o PCCMF (Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal, Lei nº 12.772/2012) o ganho adicional é de apenas 40%, ou seja, houve uma perda de 60%. Já o docente em dedicação exclusiva no PUCRCE tinha um adicional de 55% em relação ao docente em 40 horas semanais de trabalho, atualmente no PCCMF o docente em dedicação exclusiva tem um vencimento equivalente ao dobro (100% a mais) do vencimento do docente em 20 horas. Ou seja, no vencimento básico não existe mais dedicação exclusiva. E então como foram contornadas estas perdas? Foi através da criação da retribuição por titulação (RT). A RT não faz mais parte do vencimento básico e tem valores diferenciados conforme a titulação e o regime de trabalho. A remuneração (vencimento mais RT) de um docente em dedicação exclusiva deveria ser 3,1 vezes superior à remuneração de um docente em regime de trabalho de 20 horas, isso de acordo com o PUCRCE de 1987. O que aconteceu?

Como houve reajuste diferenciado nos valores da RT, o governo vem manipulando os valores da RT de tal modo que atualmente, existem perdas na remuneração em todos os níveis de titulação. Comparando as remunerações dos docentes em regime de trabalho de “20 horas” vis-à-vis as remunerações dos docentes em Dedicação Exclusiva se têm o seguinte quadro. Os docentes em regime de trabalho de Dedicação Exclusiva perderam remuneração, entretanto essa perda foi diferenciada, dependendo da titulação. O docente com graduação na prática, não estaria recebendo o valor de Dedicação Exclusiva de 55% prevista no PUCRCE. Por quê? Porque sua remuneração é equivalente a 100% do que ganha um docente em regime de trabalho de 20 horas.

Os docentes que recebem alguma RT, também tiveram perdas na dedicação exclusiva. O valor da Dedicação Exclusiva deveria ser de 55% para todos os docentes, independentemente do nível de titulação, mas comparando a remuneração de docentes em 20 horas com a remuneração em dedicação exclusiva, verifica-se que os docentes com titulação de Aperfeiçoamento recebem (como Dedicação Exclusiva) o equivalente a 4,8%, os com Especialização 9,1%, os com Mestrado 20% e os com Doutorado 36,5%. Concluindo, na remuneração todos os docentes não recebem os 55% de dedicação exclusiva previsto no PUCRCE, todos foram prejudicados, o prejuízo foi menor para os que tem maior titulação (doutorado).

Sedufsm- A carreira foi sendo alterada em função de que o governo queria conceder reajuste, mas sem fazer uma revisão geral nos salários de servidoras e servidores. Na sua avaliação, que tipo de distorção isso ocasionou?

Rondinel- O governo nunca quis conceder aumentos reais. O que ocorre é que existe no país regime de inflação de preços e na Constituição de 1988, Artigo 37, Inciso X , ficou “assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices”. O legislador previu que deveria existir uma revisão geral anual, sem distinção de índices entre servidores públicos. Todos os governos, repito todos, após a constituição de 1988, não cumpriram esse dispositivo constitucional. A forma encontrada de contornar o previsto na Constituição foi não se conceder uma “revisão geral”, mas alterar os planos de carreira. Quando se altera um plano de carreira se fixam novos valores de vencimentos e/ou se criam gratificações ou se aumenta o percentual de alguma gratificação existente. O ANDES-SN ao longo dos últimos 34 anos fez vários movimentos grevistas para recuperar perdas inflacionárias. Em várias greves foi concedido algum reajuste na forma de “alteração de plano de carreira”. Neste caso, apenas as categorias que entraram em greve conseguiram algum benefício.

Como sempre houve inflação entre 1988 até 2022, vários governos concederam gratificações e impuseram alterações na carreira, de tal modo que a carreira hoje está desestruturada. Estar desestruturada significa que não existe uma ordem, não existe uma hierarquia. Na verdade, houve uma quebra da relação entre os níveis e classes. Também houve a imposição de pesadas perdas aos docentes aposentados. Isso gerou uma diferenciação entre a remuneração dos docentes ativos e dos docentes aposentados. A grande maioria dos docentes aposentados da UFSM aposentou-se como adjunto 4. Como em 01/05/2006 foi criada uma classe entre o professor adjunto 4 e o professor titular, os aposentados foram prejudicados por isso. Também os docentes ativos foram prejudicados porque o regime de trabalho de 40 horas não remunera o dobro que o de 20 horas, que tem áreas como as de profissionais liberais, como medicina, odontologia, direito, engenharias, entre outras, onde a participação de docentes que mantêm atividades na iniciativa privada é importante, pois trazem a experencia das atividades práticas. Como o docente em 40 horas ganha muito pouco, em algumas áreas é difícil repor docentes. O regime de trabalho de 40 horas foi mantido no novo plano de carreira o PCCMF, para docentes de algumas “áreas específicas”, como é do caso das áreas antes citadas.

Sedufsm-  No seu modo de ver, que impacto todas essas mudanças na carreira terão para o futuro das universidades federais?

Rondinel- A carreira docente nas universidades federais era atrativa porque permitia estabilidade no emprego após aprovação no estágio probatório. Permitia a realização de atividades de pesquisa e em pós-graduação e atividades de extensão. Com as alterações na aposentadoria, deixando a aposentadoria pelo teto do INSS, com a falta de reajustes salariais e o sucateamento das condições de ensino, pesquisa e extensão em função da diminuição de verbas nos últimos oito anos, pouco a pouco está sendo perdida a atratividade pela carreira docente nas instituições federais de ensino superior. Se a tendência continuar como foi nos últimos oito anos, existe a possibilidade de sucateamento das IFES e um fortalecimento do ensino privado, maior do que já é.

O futuro das universidades federais depende de reformas da aposentadoria que permitam a sobrevivência após se chegar à aposentadoria; de uma reforma na carreira docente na qual se volte a ter uma hierarquia e com equivalência entre os regimes de trabalho e, finalmente, da volta ao financiamento público das atividades de ensino, pesquisa e extensão, o que significa a recomposição das verbas das Instituições Federais de Ensino Superior.

 

Texto: Fritz R. Nunes
Fotos: Arquivo pessoal
Assessoria de imprensa da Sedufsm

 

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