Câmara aprova “Projeto da Morte” e esperança de povos indígenas está no Senado e no STF
Publicada em
02/06/23
Atualizada em
02/06/23 18h17m
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PL 490 altera estatuto jurídico de terra indígena e cria requisito do marco temporal de ocupação para processos de demarcação

“Para nós, povos indígenas, o território é muito mais que um pedaço de terra, pois ela é valiosa e sagrada. Com a aprovação do PL 490, vem com ele a destruição de nossos territórios e também nossos corpos, pois, somos os principais protetores da natureza, protegendo mais de 80% da biodiversidade”. A avaliação é de Artemisa Xakriabá, estudante de Psicologia da UFSM, e oriunda do povo indígena Xakriabá, região norte de Minas Gerais.
A manifestação de Artemisa, que faz parte do Coletivo Indígena da UFSM, se refere ao fato de que na última quarta, 31 de maio, a Câmara dos Deputados, em Brasília, aprovou o Projeto de Lei (PL) 490/07, que fixa, em lei, o marco temporal para demarcação de terras indígenas. A proposta teve 283 votos favoráveis e 155 contrários e deverá ser apreciada, em breve, pelo Senado.
A expectativa em relação a esse tema se volta agora, não apenas para o Senado, mas também para o Supremo Tribunal Federal (STF). Está previsto para a próxima quarta, 7 de junho, a retomada do julgamento pela Corte Suprema do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, que se refere ao Marco Temporal. Por essa tese jurídica, os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.
Quanto ao PL 490, chamado pelos movimentos sociais de “projeto da morte”, ele procura se antecipar ao Judiciário e trazer para a alçada do Poder Legislativo a questão legal da demarcação de terras. O projeto foi aprovado na forma do substitutivo do deputado Arthur Maia (UB-BA), alterando, assim, o estatuto jurídico das terras indígenas ao introduzir o requisito do marco temporal de ocupação para os processos de demarcação. O PL prevê que só devam ser demarcadas as terras ocupadas pelos povos indígenas até a data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
Segundo o texto, para serem consideradas terras ocupadas tradicionalmente, deverá ser comprovado objetivamente que os territórios, na data de promulgação da Constituição, eram ao mesmo tempo habitadas em caráter permanente, usadas para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural.
Ruralistas
Xainã Pitaguary (foto acima), estudante indígena que cursa Direito na UFSM e que também integra a coordenação do NEABI (Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas) da instituição, entende a aprovação “PL da morte” como um “absurdo completo”. E, no momento em que se tenta trazer a demarcação de terras para o âmbito do Legislativo, só piora. “Com um Congresso lotado de ruralistas, aí é que não sai mais demarcação de terras indígenas”, sentencia Bruno.
Para o integrante do NEABI, a proposta do Marco Temporal representa “um ataque aos direitos dos povos originários e também a toda a sociedade, já que são os povos indígenas os principais responsáveis pela proteção de mais da maior parte do meio ambiente e da floresta amazônica”.
A expectativa de Artemisa Xakriabá (foto abaixo) é que a proposta do Marco Temporal, no STF, e no Senado- através do PL 490 (já deliberado na Câmara), não seja aprovada. “Essa tese viola frontalmente os direitos de nós, povos originários, dificultando as novas demarcações de terras e prevendo que os povos indígenas só têm o direito à demarcação de terra se estivessem ocupadas em 5 de outubro de 1988”.
O Marco Temporal que vais er votado no dia 7 de junho, no Senado, coloca para as e os indígenas a tarefa de que “somos nós que precisamos provar para o colonizador, invasor, que nós estávamos nas terras em 1988, que é a data da promulgação da Constituição Federal”, ressalta Xainã Pitaguary.
E ele complementa: “Para nós, isso é um completo absurdo. O Marco Temporal muda a história, refaz a história e muda as pessoas de lugar. É como se, quem tivesse chegado de caravelas (no ano de 1.500) não fossem os portugueses, mas os povos indígenas”, conclui.”
Ilegalidade
O Marco Temporal vem sendo duramente contestado por ministérios, órgãos, entidades e movimentos. O Ministério Público Federal (MPF) reafirmou, na segunda (29 de maio), a inconstitucionalidade do PL 490/2007 e chamou atenção para a impossibilidade de se alterar o estatuto jurídico das terras indígenas (disciplinado pelo artigo 231 da Constituição) por lei ordinária, o que torna a proposta frontalmente inconstitucional. Além disso, a instituição afirmou “que os direitos dos povos indígenas - em especial à ocupação de seus territórios tradicionais - constituem cláusula pétrea, integrando o bloco de direitos e garantias fundamentais que não poder ser objeto sequer de emenda constitucional”.
“A Constituição garante aos povos indígenas direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, sendo a tradicionalidade um elemento cultural da forma de ocupação do território e não um elemento temporal. Fixar um marco temporal que condicione a demarcação de terras indígenas pelo Estado brasileiro viola frontalmente o caráter originário dos direitos territoriais indígenas”, destaca a nota do MPF.
Texto: Fritz R. Nunes com informações do ANDES-SN, agências Câmara e Senado, STF
Fotos: ANDES-SN e arquivo pessoal
Assessoria de imprensa da Sedufsm
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