Mulheres são apenas 35,6% de bolsistas de produtividade do CNPq
Publicada em
12/01/24
Atualizada em
16/01/24 10h54m
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Docentes da UFSM discutem sobre a desigualdade de gênero na produção de pesquisa acadêmica

A desigualdade de gênero persiste nas bolsas produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), segundo dados do projeto Parent in Science, as mulheres representam apenas 35,6% do total de bolsistas, sendo minoria em todas as modalidades de bolsa. A discussão sobre o tema voltou à tona agora em janeiro quando foi discutido o caso da professora Maria Caramez Carlotto, da Universidade Federal do ABC (UFABC), que teve sua bolsa negada “devido à gestação”.
Essa desigualdade é resultado de uma série de fatores, incluindo a sobrecarga de trabalho doméstico e familiar que recai sobre as mulheres, além da falta de políticas de equidade de gênero na academia. Para a professora do Departamento de Ciências da Comunicação da UFSM e coordenadora do grupo de pesquisa Comunicação, Gênero e Desigualdades, Milena Freire, os dados não surpreendem, entretanto ter esse dado é bastante significativo para tornar evidente essa desigualdade.
“Quantitativamente, o número de mulheres e homens no ambiente de docência é semelhante, mas conforme a gente vai subindo nas escalas, a participação masculina é muito maior”, relata Milena.
A pesquisadora explica que essa desigualdade ocorre porque a lógica da produção acadêmica é androcêntrica. “Ela se constitui a partir de critérios quantitativos e lineares, que não observam as variações e o contexto da vida pessoal do pesquisador, e nesse caso especialmente da pesquisadora”, afirma a professora.
Portanto, se o critério de produtividade é quantitativo e linear, ele vai sempre privilegiar que os homens estejam à frente e consigam alcançar esses índices, tanto de maneira mais fácil, quanto mais rapidamente. Milena ressaltou que as mulheres têm menos tempo e menos possibilidades de se dedicar à produção do trabalho do que os homens, pois “a maternidade é um dos fatores muito significativos que tornam a carreira da mulher cientista mais difícil dentro desses parâmetros”, expõe Milena.
De acordo com a docente, a maternidade é um fator que é importante, mas ele não é o único, pois normalmente são as mulheres que “estão imbuídas do trabalho do cuidado, na casa, dos pais ou alguém da família, mesmo quando essa ela tem ajuda de uma outra mulher, normalmente uma trabalhadora doméstica, ela que gerencia, então tem trabalho que é invisível. São esses fatores somados que vão nos ajudar a observar concretamente um índice como esse das bolsas produtividades”, declara a pesquisadora.
A vida de pesquisadora na Ufsm
A professora e diretora da Sedufsm, Simone Gallina, declara que pensar política de igualdade de gênero na UFSM significa um marco importante. No entanto, “quando a instituição precisa recorrer a criação de uma diretriz para restabelecer recomendações do que é preciso observar nas condutas entre os indivíduos no contexto e cotidiano da universidade, sabemos então, que o preceito do que seja política precisa ser repactuado”, expõe Simone.
Para a diretora, a SEDUFSM como uma entidade que representa os docentes sindicalizados, precisa participar das instâncias de gestão das ações de igualdade de gênero e também evidenciar quais são suas ações educativas e culturais na luta por condições de vida que escapem aos binarismos. A seção sindical tem um Grupo de Trabalho que discute estas questões, tendo sua diretoria majoritariamente feminina, que traz as questões de gênero para as discussões – inclusive nos debate sobre os encargos docentes e sobre os critérios de progressão/promoção.
Milena, que também é membra do Comitê de Igualdade de Gênero (CIG) da UFSM, conta que a realidade da vida de pesquisadora dentro da instituição, funciona de uma maneira muito semelhante ao que acontece dentro dos parâmetros dos critérios de produção científica no país.
“Nós temos o comitê de igualdade de gênero, que é um órgão consultivo, ele não delibera nem promove ações, mas nós temos a Casa Verônica, que é um órgão vinculado à Pró-Reitoria de Extensão (PRE), essa sim tem realizado ações para suscitar discussões e reflexões acerca de gênero nos mais variados âmbitos”, relata a docente.
A professora revela que hoje a UFSM possui a consideração da licença maternidade nos últimos cinco anos, “tal como o critério que vai ser adotado no CNPq, isso para as bolsas de iniciação científica, e temos algumas outras ações que são pensadas para prorrogação de bolsa, mas isso é da CAPES e do CNPq”, informa Milena.
A docente reconhece que a universidade possui algumas questões que estão pensadas na política de igualdade de gênero, que são voltadas para mães, mas que ainda não estão em prática, porque é preciso dar maior visibilidade a essas demandas.
“Seria um papel muito importante da Universidade Federal de Santa Maria promover esse debate nos centros, não apenas junto a pesquisadoras e docentes, mas em especialmente junto à comunidade discente, porque a gente sabe que é uma cadeia, um número muito maior de mulheres ocupam os bancos discentes, mas isso vai diminuindo conforme a gente vai pensando quem são as professoras, depois as aquelas que ingressam na pós-graduação e aquelas que chegam a ter uma bolsa de produtividade”, sugere Milena.
A professora também defendeu a criação de editais específicos para valorizar o trabalho feito por pesquisadoras mulheres no âmbito da nossa universidade, “para além do critério meritocrático e para além do critério produtivista, porque esses já funcionam muito bem”, declara a docente.
Segundo a mesma, a maior parte dos pesquisadores e pesquisadoras já estão imbuídos desse sistema produtivista, entendem que tem de produzir muito, a qualquer custo. “Isso eu acho que é um debate que é importante da gente tomar, e que as mulheres não conseguem chegar, e nem é saudável e as mulheres não conseguem chegar porque são demandadas de uma outra forma pela sociedade e pela cultura” esclarece Milena.
Cláudia Bellochio, professora do Centro de Educação (UFSM) e bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, acredita que a maternidade pode contribuir para esse baixo índice, mas para ela o que mais afeta esse índice é como a mulher é vista dentro do cenário da produção da ciência. “A gente observa uma discrepância muito grande em algumas áreas, onde majoritariamente a ciência é vista como uma produção dos homens e não como a produção feminina”, argumenta Cláudia.
Para a docente, a realidade das professoras pesquisadoras da UFSM, é um baixo índice de mulheres pesquisadoras, sobretudo mulheres pesquisadoras em extratos mais avançados das bolsas de pesquisa CNPQ, ”acho que existe um amparo da instituição no sentido de compreender a realidade mais próxima, no entanto a instituição também não pode trabalhar com políticas individuais de fomentos, sendo que essas políticas são embasadas em políticas nacionais, que precisam reorganizar todo esse sistema”, explica a professora.
De acordo com a Pró-reitoria de Pós-graduação e Pesquisa (PRPGP), hoje a Ufsm conta com 214 bolsistas de Produtividade do CNPq, desse número apenas 71 são mulheres (33%, percentual semelhante ao dado nacional). Para Claúdia é necessário que cada área de pesquisa faça uma avaliação, para que mais mulheres possam ser inseridas nesse sistema de detenção de bolsa de produtividade de pesquisa, “acredito que o reconhecimento das mulheres hoje na ciência está tendo mais visibilidade, muito embora a gente tenha algumas áreas que são extremamente composta por homens, mas outras áreas essas mudanças elas já aparecem”, garante a pesquisadora.
Novo prazo de avaliação da produtividade científica.
No dia 6 de janeiro, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) estendeu o prazo de avaliação da produtividade científica de pesquisadoras mães para dois anos. A nova regra torna obrigatória a extensão do prazo de avaliação para pesquisadoras que passaram por uma gestação ou por um processo de adoção. "Assim, ficam reduzidos os efeitos dessas responsabilidades na análise comparativa entre outras propostas submetidas na mesma área", diz a nota do CNPq.
A mudança no Conselho é resultado da repercussão do caso da pesquisadora e professora, Maria Caramez Carlotto, da Universidade Federal do ABC (UFABC), que recentemente teve sua solicitação de bolsa de produtividade (PQ) do CNPq negada sob a justificativa de que suas gestações teriam atrapalhado seu índice de produtividade.
Simone avaliou a extensão do prazo de avaliação da produtividade científica de pesquisadoras mães como uma conquista importante, pois representa uma resposta à lógica heteronormativa e patriarcal que ainda predomina nas instituições de ensino e pesquisa.
“A conquista é importante para todas as pesquisadoras e para a comunidade acadêmica, pois nos permite desvelar as desigualdades de gênero, além de outros marcadores identitários, como dispositivos de saber-poder”, declara Simone.
Além disso, a diretora do sindicato, destacou a importância de que os pesquisadores que participam das instâncias decisórias estejam aliados à luta das pesquisadoras por reconhecimento do mérito, excelência e qualidade na sua produção, em “meio às circunstâncias de vida das mulheres exigem uma política dos corpos, como afirma Silvia Federici (2017), para que possam devir-mulher”, salienta a docente.
A diretora concluiu que a medida do CNPq é uma resposta positiva, mas que ainda há muito a ser feito para garantir a igualdade de gênero na carreira acadêmica. “Os efeitos dos pareceres que as pesquisadoras mães receberam do CNPq nos alertam do quanto a vida das mulheres precisa ser gestada de uma forma ética”, ressalta Simone.
Como embaixadora do Parent in Science, Milena avalia a extensão do prazo de avaliação como excelente começo, porque possibilita uma somatória maior dessa produção, maior no sentido de que é como um fator de compensação.
“Esses dois anos eles são considerados como uma correção desse período em que a mulher para ou produz muito menos, então ajuda sem dúvida nenhuma, mas ao mesmo tempo tem algo que eu acho importante a gente pensar, porque esse fator de compensação em si não questiona o sistema, ou seja, ele coloca as mulheres numa situação menos desigual, vamos dizer assim, mas não questiona esse sistema que é quantitativo e linear”, argumenta a docente.
Para a professora, é preciso considerar outros critérios para avaliar a produtividade científica, como projetos de extensão e projetos colaborativos. “Nós não temos dados quantitativos que nos possibilitem ver outras frentes de trabalho, se tivéssemos essa possibilidade, provavelmente as pessoas que atuam nos projetos de ensino, projetos de extensão ou que têm outras formas de construção do conhecimento científico, que são tão relevantes quanto o paper publicado. Seria uma forma mais plural de a gente observar o valor da ciência, o valor a que serve a ciência eu quero dizer”, declara Milena.
A pesquisadora também destacou a importância da sensibilização dos pareceristas do CNPq sobre as questões de gênero, pois estas estão no bojo da discussão, mas os pareceristas, as pessoas que tomam decisões, que são majoritariamente homens brancos, não estão devidamente sensibilizados ou a par das consequências dessas discussões que estão sendo levantadas.
“Parte-se de um critério que é totalmente meritocrático, é uma compreensão da meritocracia que é aquilo que você consegue fazer e que em tese dependeria única exclusivamente do seu esforço individual, e que a gente sabe que não é assim que funciona, por isso, eu acho que a sensibilização dos comitês de assessoramento e obviamente critérios que pudessem favorecer essas avaliações com mais equidade, a gente teria então uma mudança a curto e a médio prazo, isso eu acho que seria algo importante da gente pensar”, afirma a docente.
Cláudia defende a criação de políticas públicas que diminuam essas assimetrias que acabam sendo bastante expressivas entre mulheres e homens.
Rede de apoio como elemento essencial.
Detentora de bolsa produtividade desde 2007, Cláudia conta que teve sua experiência com a maternidade construída junto com a vida acadêmica. Hoje suas filhas possuem 18 anos, mas suas infâncias tiveram ligadas com a vida de pesquisadora da mãe.
A professora relata que a maternidade aconteceu na sua vida de forma dupla, “eu fui mãe de gêmeas com quase 41 anos, após muitas tentativas, eu não posso dizer que houve uma queda ou um aumento da atividade, até se eu pensar eu acho que teve um aumento da atividade, mas eu sempre tive meu marido muito presente junto com a criação das crianças, sogro, sogra e mãe, enfim uma rede de apoio que sempre me deu muita liberdade para eu poder exercer e construir a minha produção acadêmica”, desabafa Cláudia.
Ela conta que foi necessário muito jogo de cintura para lidar com a jornada dupla entre a maternidade e a pesquisa acadêmica. “São demandas muito intensas, que é criar duas crianças, educá-las, torná-las felizes, cuidá-las, na sua saúde e na sua integridade, e ao mesmo tempo cuidar de índices de produtividade acadêmica”, expõe a pesquisadora.
Na época, Cláudia conta que teve que lidar com cobranças, em relação a aquilo que hoje tanto se discute que é o produtivismo acadêmico. “Nem sempre foi fácil, muito sofrimento ter que acordar 5 horas ou 4 horas da manhã para dar conta de elaboração de um artigo, para a elaboração de uma palestra que você vai fazer lá em uma universidade do nordeste, para fazer planejamento de aula e mesmo assim às vezes você acordando as 4 horas ou 5 horas, o bebê acorda 6 horas”, explica a professora.
Claúdia ainda conta que suas filhas em determinado momento, estavam bastante incomodadas com o fato da mãe em momentos de confraternização em família estar sempre no escritório. Em sua defesa de memorial para professora titular, a mesma contou que “uma das minhas filhas batia na porta do escritório e falava "eu odeio esse escritório, eu odeio esse escritório", porque aquele escritório realmente era um lugar que tirava a mãe deste convívio com elas”, expõe a docente.
Texto: Karoline Rosa (jornalista)
Assessoria de Imprensa da SEDUFSM
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