Seminário do ANDES-SN relaciona adoecimento docente e lógica produtivista na universidade SVG: calendario Publicada em 18/06/25
SVG: atualizacao Atualizada em 18/06/25 15h58m
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IX Seminário Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora Docente ocorreu em Brasília, junto com o debate sobre Funpresp

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No último final de semana, dias 14 e 15 de junho, ocorreu, em Brasília, o IX Seminário Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora Docente. Organizado pelo Grupo de Trabalho de Saúde e Seguridade Social (GTSSA) do ANDES-SN, o evento reuniu docentes de 16 seções sindicais. Dentre eles, estava Jadir Lemos, diretor da Sedufsm.

Após a mesa de abertura, a professora Leny Sato (foto abaixo), do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP), apresentou reflexões sobre a relação entre trabalho e saúde, os impactos do neoliberalismo e os modelos de gestão do trabalho nas instituições públicas, com destaque ao produtivismo acadêmico e suas repercussões no sofrimento e desgaste na vida das e dos docentes.

A docente da USP destacou como esta relação entre trabalho e saúde é compreendida por duas perspectivas antagônicas: a Saúde Ocupacional e a Saúde do Trabalhador. A primeira, alinhada aos interesses gerenciais e do Capital, trata a saúde como um recurso produtivo. Já a segunda, oriunda da Medicina Social Latino-Americana, entende a saúde como um direito humano. O adoecimento é analisado a partir das relações sociais de produção, com atenção especial à organização do trabalho e às cargas psíquicas. Essa distinção, segundo Sato, é fundamental, pois determina se a saúde será tratada como instrumento de controle ou como dimensão emancipatória.

“Os conceitos e as normas da saúde ocupacional são orientadores da política dos serviços médicos e de engenharia de segurança do trabalho nas empresas, ou seja, parte da política de recursos humanos e de controle das trabalhadoras e dos trabalhadores. Já a expressão saúde do trabalhador não se reduz a um termo descritivo apenas, mas remete a um campo específico, de conhecimento e de práticas, constituído e constituinte de um movimento”, explicou.

Outro aspecto abordado por Sato foi a adoção, por parte das universidades públicas, das diretrizes da chamada Nova Gestão Pública (NGP), que introduz lógicas empresariais com métricas de produtividade, competitividade e prestação de contas com base em desempenho.

A professora citou como exemplo a contratação da consultoria McKinsey pela Reitoria da USP, em 2018, durante a gestão de Marco Antonio Zago, que propôs, no projeto “USP do Futuro”, medidas como ampliação de cursos pagos, cobrança por moradia estudantil e concentração de investimentos em unidades consideradas “estratégicas”.

Sato também pontuou a pressão que docentes sofrem para atingir metas quantitativas, como número de publicações e captação de recursos, enquanto sua autonomia é progressivamente substituída por mecanismos de controle externo, como as avaliações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). “Nesta lógica, a busca por financiamento externo é, não apenas desejável, como incentivada. Há uma cadeia de pressões e exigências para o alcance de metas e produtividade”, afirmou.

O cenário, de acordo com ela, é de sobrecarga crônica, com jornadas que ultrapassam 60 horas semanais, incluindo trabalho regular aos finais de semana.  A cobrança por produtividade acadêmica, denuncia Sato, tem gerado angústia, isolamento social e conflitos familiares, agravando casos de depressão, ansiedade e LER/DORT. Mesmo em um quadro de adoecimento, as e os docentes continuam trabalhando por medo de perder prazos, prejudicar orientandas e orientandos ou comprometer projetos em andamento.

Ela destacou que o sofrimento tem sido individualizado, com automedicação, afastamentos por licença médica, pedidos de aposentadoria precoce e, muitas vezes, no silêncio diante de situações de assédio ou sobrecarga. Essa adesão, segundo Sato, é reforçada por discursos institucionais, como o lema “a universidade não pode parar”, e pela obsessão com rankings e métricas de desempenho.

“Como nós, professoras e professores, lidamos cotidianamente com essas condições?”, provocou Leny Sato, que chamou a atenção das e dos presentes para o risco da naturalização dos problemas vivenciados nas instituições. Segundo ela, a chamada “reconciliação” com essas condições distancia a categoria docente do pensamento crítico e da capacidade de questionar a estrutura que gera o sofrimento. 

Diante desse cenário, Sato defendeu a urgência de se investir em processos de formação crítica e na construção de uma resistência coletiva. “O adoecimento docente não é um problema individual, mas um sintoma claro de um sistema que precariza o trabalho, esvazia o sentido da atividade acadêmica e destrói as condições de saúde física e mental de quem atua na educação superior”, afirmou. Para ela, a construção de espaços de diálogo e análise, como o próprio seminário, é parte fundamental da luta por uma universidade mais humana, democrática e socialmente comprometida.

 “No final da fala da Professora, abriu-se o espaço para a fala dos participantes e vieram à tona temas como: A intensificação do trabalho versus sua precarização; a plataformização do trabalho docente; o excesso de produção e a destruição da ciência nas Universidades; o novo modelo de gestão e o adoecimento; a redução/falta de RH como gerador de sobrecarga; a naturalização do sofrimento docente e os impactos do adoecimento estudantil no adoecimento docente. Por fim, em algumas falas vieram sugestões como: Criar atividades formativo-terapêuticas como espaço para o trabalhador falar e coletivizar o sofrimento, para assim promover a militância; e apropriação do funcionamento da Universidade pelo sindicalismo”, relata Jadir Lemos, que integra o GTSSA local.

Enquete “Condições de Trabalho e Saúde Docente”

No período da tarde, foram apresentados os resultados preliminares da 2ª etapa da Enquete Nacional “Condições de Trabalho e Saúde Docente”, organizada pelo ANDES-SN por meio do GTSSA. A iniciativa teve como objetivo traçar um panorama das condições de trabalho e saúde das e dos docentes do ensino superior e do ensino básico, técnico e tecnológico, que atuam em universidades federais, estaduais e municipais, além de institutos federais e cefets.

Diferente da primeira fase, que ouviu docentes de 11 instituições, esta segunda etapa ampliou o alcance para 144 instituições, com a participação de 5.362 professoras e professores, sendo 4.783 na ativa e 579 aposentadas e aposentados. Do ponto de vista das e dos docentes em atividade, a enquete evidenciou a sobrecarga de trabalho e os impactos na saúde física, emocional e financeira da categoria. Também abordou aspectos como tempo de trabalho, condições estruturais e salariais, relações de trabalho e organização sindical.

Sobre o primeiro grupo, a maioria das e dos respondentes (64,7%) está na faixa etária entre 40 e 59 anos, com predominância de mulheres cisgênero (54,5%), pessoas brancas (65,5%) e heterossexuais (83,5%). Em termos de formação, 87,9% possuem doutorado e 95,5% ocupam cargos efetivos nas instituições de ensino, sendo que 86,6% trabalham em regime de 40 horas semanais, dos quais 90,7% têm contrato de Dedicação Exclusiva.

Grande parte da categoria docente ingressou nas universidades a partir do período de expansão do ensino superior público, com o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), e hoje 25,9% acumulam entre 11 e 15 anos de serviço. Cerca de 33,5% das e dos respondentes são de Ciências Humanas, e 34,7% desenvolvem atividades simultaneamente na graduação e na pós-graduação. 

A rotina da e do docente é marcada por intensa carga de trabalho: 41,7% reportou uma jornada diária de 9 a 12 horas, 68,7% declararam trabalhar aos sábados e domingos, sendo que 38,5% disseram trabalhar frequentemente aos finais de semana e 30,2% trabalhar sempre. Mais de 82% relataram sensação de sobrecarga, 78,2% disseram se sentir sempre ou frequentemente pressionados para cumprir metas e prazos.

Além disso, 39,2% dedicam de 3 a 4 horas por dia ao trabalho doméstico não remunerado e de cuidados, e apenas 35,3% das e dos respondentes conseguem reservar entre 5 e 10 horas por semana para atividades de lazer.

As condições de trabalho também preocupam: mais da metade dos respondentes considera a infraestrutura disponível nas instituições insatisfatória (40,4%) e muito insatisfatória (15,9%). Mais de 50% das e dos docentes relataram acúmulo de função com serviços administrativos, burocráticos, limpeza, segurança e outros, em virtude da insuficiência de servidoras e servidores nas instituições.   

Do ponto de vista financeiro, 67,7% das e dos docentes estão endividados, com financiamentos ou empréstimos, e 35% realizam atividades extras para complementar a renda, como cargos de gestão, ensino a distância (EAD), elaboração de pareceres, consultorias e palestras remuneradas e até venda de cosméticos. Quase 60% tiveram seu salário corrigido abaixo da inflação. Além disso, 35,8% das e dos docentes relataram responder mais de 20 mensagens de trabalho por dia via aplicativos como o WhatsApp, o que reforça o quadro de intensificação do trabalho e de dificuldade em estabelecer limites entre vida pessoal e profissional.

Os impactos sobre a saúde são evidentes. Mais de 51% das e dos docentes responderam que a saúde piorou no último ano, 41% diminuiram a prática de exercícios físicos, 52,5% tiveram redução nas horas de sono e 48,8% observaram ganho de peso. Mais de 78% das pessoas que responderam à enquete são sindicalizadas e 83% participam das atividades das seções sindicais do ANDES-SN. 

“Os dados apresentados dão conta dos percentuais e estão sendo analisados para divulgação das conclusões e considerações finais no 68º CONAD [que ocorre de 11 a 13 de julho, em Manaus]. Da apresentação dos percentuais de algumas questões, já é possível apontar para o adoecimento dos e das docentes. Chama a atenção dados como 65% dos respondentes afirmam já ter sofrido algum tipo de assédio; 62% já sofreram etarismo; 61% já sofreram violência política e 8% já sofreram racismo. Este conjunto de dados já aponta para o adoecimento dos e das docentes, decorrente das condições ambientais físicas e de organização do trabalho docente, hoje modificado e intensificado em números de tarefas e descontrole do tempo e da intensidade da jornada de trabalho”, comenta Jadir Lemos.

Seminário da Funpresp

No domingo (15), o ANDES-SN, por meio do GTSSA, promoveu o “Seminário sobre a Funpresp e os Fundos de Pensão nos Estados, Municípios e Distrito Federal”. A primeira mesa “Funpresp: balanço e atualização das campanhas do ANDES-SN sobre a temática e sobre os fundos de pensão dos estados, municípios e Distrito Federal”, contou com a exposição da 3ª vice-presidenta do ANDES-SN, Lucia Lopes.

Conforme o diretor da Sedufsm, professor Jadir Lemos, que esteve na atividade, o seminário iniciou com Lucia Lopes afirmando que “os fundos de Pensão são mercadorias e não direitos” e sua expansão é decorrência das contrarreformas da Previdência”, pois esses fundos são grandes investidores do mercado de capital, e se utilizam das economias das e dos trabalhadores como recurso.

A criação do FUNPRESP, em 2012, é produto da contrarreforma da previdência, explicou ela, e com isso veio o fim de direitos de trabalhadores/as – como aposentadoria integral e paridade entre ativos e inativos, dos e das aposentadas do Regime Próprio de Previdência (RPPS). Desde 2015 (Lei 13.385/2015), todo o ingressante no Serviço Público, com remuneração superior ao teto da Previdência é “automaticamente” inscrito no Funpresp e mesmo sendo inconstitucional esta forma de “adesão”, há uma dificuldade para o/a servidor/a solicitar seu desligamento - o que deve ser feito em até 90 dias de sua contratação, podendo ainda pedir para reaver os valores já descontados. Considerando que o fundo investe no mercado de capitais, a instabilidade dos investimentos gera insegurança às e aos trabalhadores, que não podem contar com a garantia de futuro.

Segundo Lucia, a campanha do ANDES-SN contra a adesão ao Fundo se dá pelo fato de que as contribuições são definidas e os direitos não. Considerando os fatos, a campanha “Funpresp: Garantia de Incerteza” incentivada desde o ano passado deverá ser intensificada para desestimular as e os ingressantes no Serviço Público Federal, em especial as e os docentes, a aderirem ao Fundo. A intenção é incentivar a adesão na Luta pela Previdência Pública, com integralidade e paridade em sua aposentadoria.



Na sequência, a Segunda Mesa sobre Financeirização dos Regimes Próprios de Previdência Social – RPPS e Fundos de Pensão, teve como expositora a professora Sara Granemann, da UFRJ, que fez referência à pesquisa realizada pelo ANDES-SN. Na análise da docente é evidenciado o desmonte da Previdência Social e o crescimento deses setor na relação com o mercado de capitais, sobretudo com capitais fictícios, em um processo de destruição dos sistemas solidários de previdência. No Brasil, a previdência social nasceu sob a influência da luta das e dos trabalhadores parisienses, que buscaram por um sistema de proteção as e aos mais vulneráveis.

Os ataques à Previdência Social vêm desde a década de oitenta, explicou ela, em função dos sucessivos governos e suas contrarreformas, acirrando-se nos dias atuais, o que leva a uma luta na defesa de uma Previdência justa e digna para todos as e os trabalhadores brasileiros, especialmente para docentes. Ainda, em relação aos fundos de pensão, foi lembrado o caso do Postalis (Fundo de Pensão dos Correios), no qual as e os trabalhadores contribuíam, e que deixou uma dívida milionária, que está sendo paga (1/3 dela) pelos trabalhadores e trabalhadoras, com parcelas que só terminam em 2037. Esse fato foi enfatizado para que sirva de alerta para a não adesão ao Funpresp. 

Sara Granemann concluiu defendendo a revogação das contrarreformas e a retomada de um sistema previdenciário público, universal e solidário, conclamando à luta conjunta. Josevaldo Cunha, diretor do ANDES-SN e da Coordenação do GTSSA, também mediador da mesa, considerou ambas as falas das expositoras como “importantes e impactantes”.
Na tarde de domingo, os trabalhos foram retomados pela coordenação do GTSSA, com o debate sobre as lutas e novas estratégias em defesa da integralidade com paridade das aposentadorias e em desfavor aos Fundos de Pensão. Para Jadir Lemos, o que fica após o seminário é uma mensagem sobre a necessidade de fortalecer o movimento docente para a continuidade das lutas contra os sucessivos ataques à servidoras e servidores públicos, e contra o Serviço Público em geral.

 

Fonte: ANDES-SN, com edição de Bruna Homrich e Fritz R. Nunes

Imagens: Eline Luz/ANDES-SN

Assessoria de Imprensa da Sedufsm

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