Governo veta 63 itens do ‘PL da Devastação’, mas incertezas permanecem
Publicada em
22/08/25
Atualizada em
22/08/25 15h31m
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Sedufsm defende mobilização e pressão para que parlamentares não derrubem vetos

O presidente Lula sancionou no dia 8 de agosto, com 63 vetos, o Projeto de Lei (PL) 2159/21, mais conhecido como “PL da Devastação”. Aprovado pelo Congresso Nacional, o projeto enfraquece as regras para o licenciamento ambiental no país. A matéria, agora, retorna ao Parlamento, que vai analisar os vetos, se os mantêm ou se os derruba. Para a vice-presidenta da Sedufsm, Liane Weber, docente do departamento de Engenharia Rural da UFSM, a palavra-chave segue sendo “mobilização e pressão” para que sejam evitados retrocessos.
O projeto, amplamente defendido pela bancada do agronegócio e setores da mineração, abre caminho para o aumento do desmatamento da Mata Atlântica e reduz exigências para obras e empreendimentos de médio porte, por meio de mecanismos como o autolicenciamento — a Licença por Adesão e Compromisso (LAC). Embora o veto presidencial tenha impedido a ampliação da LAC para atividades de médio potencial poluidor, a modalidade seguirá autorizada para empreendimentos de pequeno porte, que poderão se autolicenciar.
Entre os dispositivos vetados por Lula estão:
- A regionalização de critérios para o licenciamento, que permitiria a estados e municípios criarem normas próprias e mais frágeis para atrair investimentos;
- A retirada do regime de proteção da Mata Atlântica nos casos de supressão de floresta nativa; a dispensa de consulta à Funai e à Fundação Cultural Palmares em obras em terras indígenas e quilombolas não regularizadas.
O veto presidencial também manteve a possibilidade de exigir condicionantes ambientais para impactos indiretos e sobre serviços públicos, preservou a obrigatoriedade de análise técnica em Unidades de Conservação e impediu que produtores rurais com Cadastro Ambiental Rural (CAR) pendente sejam dispensados do licenciamento.
Lula também vetou a criação de uma Licença Ambiental Especial (LAE) em modelo monofásico, com aprovação simplificada para empreendimentos considerados “estratégicos” pelo Conselho de Governo, mesmo quando apresentassem impactos ambientais relevantes, o que, segundo especialistas, traria riscos jurídicos e anteciparia custos.
Análise dos vetos
José Américo de Mello Filho, professor aposentado do departamento de Engenharia Rural da UFSM, analisa que o veto presidencial à descentralização indiscriminada impede que estados e municípios modifiquem as leis ambientais às suas vontades e interesses imediatistas, o que fragilizaria ainda mais as normas, com objetivo de atrair investimentos. O docente lembra que “um erro proposital” já aconteceu com as leis que instituíram os códigos florestais no país. “Foi atribuído a estados e municípios o direito de legislarem quanto àqueles respectivos assuntos ambientais e houve na realidade a quase completa inversão dos objetivos legais dos códigos”.
Ele também ressalta a importância dos vetos presidenciais em relação à proteção dos territórios tradicionais, objetivando a manutenção da obrigatoriedade de consulta à Funai e Fundação Palmares quanto às terras indígenas e quilombolas não homologadas, o que protege direitos constitucionais e convenções internacionais recomendadas ao cumprimento pelo Brasil.
No que se refere ao veto à regionalização de critérios, Mello Filho avalia que isso promove impacto positivo, tendo em vista o impedimento à competição antiambiental entre estados ou municípios. Porém, alerta, no caso de haver derrubada do veto, haverá prejuízo por fragmentação normativa e enfraquecimento das proteções ambientais. Cita ainda como relevante o veto ao tema de dispensa de consulta a povos tradicionais ocupantes de área de interesse, o que preserva direitos constitucionais e convenções internacionais.
Para o biólogo e professor do departamento de Botânica da UFRGS, Paulo Brack, os vetos do presidente Lula podem ser considerados “parcialmente positivos”. Ele cita que um dos pontos centrais dos vetos foi a retomada para centralizar as diretrizes ambientais em âmbito federal e não deixar que estados, distrito federal e municípios decidam cada um de um jeito, ainda mais numa tendência de retrocessos. Ele destaca também os vetos contra o enfraquecimento da questão dos povos indígenas e quilombolas e a necessidade de consulta aos órgãos responsáveis foram itens importantes também.
Brack enumera ainda outros pontos importantes, como a retirada do Licenciamento por Adesão e Compromisso (LAC) para atividades de médio potencial poluidor e a retomada da manutenção da integridade da Lei da Mata Atlântica. Entretanto, acrescenta ele, a Licença Ambiental Especial (LAE) foi mantida, sendo somente retirada a exclusividade de Licença Única, mantendo o processo trifásico (Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação), mas que, mesmo assim representaria um enorme retrocesso.
Liane Weber, vice-presidenta da Sedufsm, entende os vetos de Lula como resultantes de forças em disputa. Uma delas oriunda da pressão de manifestações populares contra o PL, seja por abaixo-assinado, redes sociais, denúncias divulgadas pelos povos originários e ecoadas na voz de inúmeros defensores dos ecossistemas. Além disso, também vislumbra como uma tentativa de virada à esquerda governamental como forma de atender o compromisso com sua (governo) base eleitoral, que votou em propostas ambientais defendidas na campanha presidencial de 2022.
Contudo, Liane acredita que decisão de vetar não resolve o problema. Mas, por outro lado, evidencia “de uma vez por todas, a divergência existente entre Governo e Congresso Nacional, muitas vezes manipulado pelas pautas das bancas BBB (bala, bíblia e boi)”. Nesse sentido, argumenta a vice-presidenta, a ação do governo representa a “clássica prática de redução de danos”.
Medida Provisória
No mesmo dia da sanção do projeto com vetos, o governo federal publicou, em edição extra do Diário Oficial da União, a Medida Provisória (MP) 1.308/2025, instituindo a LAE em um formato diferente do que constava no PL da Devastação. A nova versão não prevê análise em fase única, como propunha o projeto, mas mantém a possibilidade de acelerar a autorização de obras e empreendimentos considerados “estratégicos” para o Executivo. A MP já está em vigor e, embora apresente algumas mudanças, preserva a essência da celeridade no licenciamento.
Na prática, a MP 1.308/2025 pode permitir, por exemplo, o avanço da autorização para atividades como a exploração de petróleo na Amazônia, caso do pedido feito pela Petrobras para explorar petróleo na Margem Equatorial da Foz do Amazonas. A exploração na região enfrenta forte oposição devido à sua alta biodiversidade e aos impactos ambientais associados à expansão do uso de combustíveis fósseis, responsáveis pelo aquecimento global e pelas mudanças climáticas.
De acordo com a MP, o processo de concessão da LAE envolve a definição do conteúdo e a elaboração do Termo de Referência (TR), o requerimento da licença, a apresentação de manifestações de autoridades competentes, a análise de documentos, projetos, cronogramas e dos estudos ambientais, além da realização de audiência pública quando necessária.
Para o professor José Américo de Mello Filho, a edição da MP apresenta ambiguidades significativas e até prejudiciais, posto que o termo “estratégico” pode ser influenciado por pressões políticas, fragilizando a análise técnica. Enquanto os vetos preservam a garantia do cumprimento das normas e leis ambientais, a MP pode, na prática, criar brechas para flexibilizações, especialmente através do Licenciamento Ambiental Especial (LAE), explica o docente. “A implementação simultânea de vetos e de uma MP gera um cenário normativo complexo, onde coexistem avanços e retrocessos”, sublinha.
Paulo Brack, professor da UFRGS, critica a edição da Medida Provisória. “Infelizmente, não há critérios claros para definir o que é estratégico”. Na visão do biólogo, esse tipo de licenciamento possibilita a repetição de grandes obras “desastrosas do ponto de vista socioambiental, como a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, a Transposição do Rio São Francisco, as hidrovias no Pantanal ou a megalogística (ferrogrão) para exportar grãos e minério de ferro, ou mesmo retirar petróleo da Margem Equatorial”.
Para Liane Weber, a decisão de editar a Medida Provisória foi política e não técnica, tendo em vista a necessidade de o governo manter a governabilidade. “Com um Congresso reacionário, como foi o eleito em 2022, não se poderia esperar diálogo e consenso político”, pondera a vice-presidenta da Sedufsm. “As e os congressistas tensionam e barganham suas pautas pessoais porque os cenários para as eleições de 2026 já movimentam o parlamento”, diz ela. Nessa perspectiva, acrescenta, o governo terá que se posicionar e decidir até onde vai ter fôlego para sustentar os princípios da base eleitoral que o elegeu.
O risco de derrubada dos vetos e a necessidade de reação
A tentativa de derrubar os vetos é quase certa, afirma Paulo Brack. Para o docente, já ocorreu situação parecida com o PL dos Venenos, no final de 2023. Entretanto, o entendimento dele é que a sociedade e entidades ambientalistas precisam pressionar e também fazer uma denúncia pública de cada um dos parlamentares responsáveis pelo PL da Devastação.
“Não se pode deixar de lado a retomada da mobilização, dando maior visibilidade às denúncias contra esses parlamentares negacionistas da crise ambiental e que votam contra o meio ambiente”, enfatiza Brack. Ele alerta ainda que daqui a pouco mais de um ano haverá eleições gerais no Brasil. Em caso de derrubada dos vetos e também em relação a outros aspectos desta nova Lei, como a LAE, o professor avalia ser importante provocar a elaboração e o encaminhamento de ações de inconstitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal.
Para o professor José Américo de Mello Filho, a ameaça de derrubada dos vetos presidenciais pelo Congresso Nacional representa um risco real, tendo em vista o forte lobby da chamada bancada ruralista, e também pelo fato de existirem setores empresariais que apoiam o projeto original.
Diante desse cenário, avalia ele, a sociedade civil e a opinião pública, com apoio nas redes sociais, podem exercer um papel fundamental por meio de múltiplas estratégias. Entre essas, o monitoramento por organizações da sociedade civil, que podem acompanhar sistematicamente as votações no Congresso Nacional e pressionar parlamentares através de campanhas direcionadas, como manifestações públicas, abaixo-assinados para amplificar a visibilidade do tema e constranger parlamentares que se mostrarem favoráveis à derrubada dos vetos.
No caso de o Congresso derrubar os vetos e reinstituir dispositivos inconstitucionais, na visão de Mello Filho, organizações da sociedade civil podem recorrer ao Supremo Tribunal Federal, como já ocorreu em outros casos e outras matérias ambientais.
Na visão do professor, o clima de tensão entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental, que sempre existiu no mundo, continuará a caracterizar o debate público brasileiro, mas, para ele, a mobilização social já demonstrou capacidade de influenciar o processo, como evidenciado pelos vetos presidenciais. “A consolidação deste avanço exigirá atenção e participação contínua e ativa da cidadania nas decisões que moldarão o futuro ambiental do país”, acredita ele.
O papel da sociedade e do movimento sindical
Para a vice-presidenta da Sedufsm, Liane Weber, a palavra que orienta os próximos passos para evitar retrocessos ambientais é mobilização. Ela diz que há uma tendência velada em pensar que essas discussões geram atrito social. “Mas, é bem pelo contrário. Quando criamos o hábito de dialogar, vencemos estes obstáculos. Quando dialogamos sobre o que nos incomoda como grupo, quando fazemos isso nos espaços do dia a dia, como na feira, no mercado, na farmácia, nos encontros familiares, vencemos o obstáculo. Rompemos a restrição das bolhas sociais, que só nos levam ao negacionismo, à misoginia e tantas outras formas de violência”, ressalta Liane.
No que se refere especificamente ao papel do movimento sindical neste processo, Liane afirma que é “pressionar sempre”. Ou seja, a tarefa é colocar sob pressão deputados e deputadas, senadores e senadoras, sejam progressistas ou não, eleitos/as com ou sem o compromisso de defesa das pautas ambientais.
Nesse momento, diz ela, a pressão passa, muitas vezes, por embates políticos e constrangimentos que objetivam trazer a discussão à tona e provocar o senso de pertencimento do povo sobre esses assuntos. “Basta de normalizarmos práticas devastadoras com um pretexto de progresso. Basta de pensarmos a curto prazo, sem o comprometimento com o amanhã”, defende.
O ANDES-SN e suas seções sindicais têm se somado à mobilização contra o PL da Devastação, conforme deliberação do 68º Conad, realizado em Manaus, em julho deste ano (foto acima). O Sindicato Nacional alerta que a pressão precisa continuar, já que o Congresso pode derrubar os vetos presidenciais e reinstaurar dispositivos que abrem caminho para tragédias socioambientaiss.
Texto: Fritz R. Nunes com informações do ANDES-SN
Fotos: Arquivo Sedufsm e Eline Luz/ANDES-SN
Assessoria de imprensa da Sedufsm
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