O Brasil e o populismo suicida SVG: calendario Publicada em 10/03/2021 SVG: views 2553 Visualizações

Eu cresci ouvindo que éramos um povo altamente democrático e apaixonados por nossa mistura étnica. Essa foi uma característica que carregamos na alma cheios de sadios orgulhos. Nosso conhecimento escolar contribuía de maneira enfática e como uma absoluta verdade. Nossos fazeres e saberes escolares, em suas análises, ficavam na superfície enganosa da sociologia real de nossas práticas sociais. Não nos dávamos conta que existia um mundo oculto na qual estávamos submersos na ontologia de nossa formação enquanto seres humanos. Nos colocaram uma lente nebulosa para não sermos capazes de ver a realidade da vida e de nossas relações sociais na nossa vida prática.

A vida inteira estudamos e ficávamos perplexos com a "guerra de secessão" e o conflito étnico entre o sul e o norte nos Estados Unidos, mas não nos dávamos conta que vivificávamos, na prática social, no Brasil, a exclusão e a discriminação racial em nosso país. 13 de maio é uma data que nossos alunos aprendem que foi a data que a Princesa Isabel assinou a lei Áurea, que defendia a "libertação" dos escravos. Hoje, nossos jovens sabem que 13 de maio são museus, teatros e espaços culturais, mas não sabem que esse era o nome do Clube para os negros frequentarem e se divertirem.

Eu sou da década de 60 do século XX e na minha adolescência e juventude tinha, no Brasil, clubes para brancos e clubes para negros. Os negros não tinham o direito de entrar e frequentar os clubes dos brancos. Quando jovem, eu fui, humanamente, agredido e insultado quando amigos negros eram barrados nas portas dos clubes para brancos. Sem falar que tínhamos clubes para "endinheirados" e clubes para pobres. A maioria dos clubes para pobres eram chamados de "Círculo Operário". E isso não era só em Tupanciretã onde cresci, mas essa realidade se espraiava pelo Brasil todo.

A elite do atraso naturalizou essas relações excludentes que, alienadamente, todos, negros e brancos, aceitavam pacificamente essas atrocidades. Em Tupanciretã, minha terra natal, o clube dos endinheirados era chamado "Clube Comercial"; dos negros era o "Treze de Maio"; dos brancos pobres era o "Círculo Operário", "União Operária" e "Concórdia". Depois de muitos anos eu fui descobrir que "endinheirados" eram muito poucos. A maioria era asceclas e "puxa saco" de rico e reprodutores da ideologia da exclusão. Gente assalariada que, orgulhosamente, reproduzia a discriminação.

O discurso sofista do brasileiro cordial e democrático com as Classes Sociais e multi-étnicos é uma falácia histórica, um verdadeiro engodo sociológico. De forma deslavada e agressiva diziam que os negros e os pobres tinham que saber o seu lugar. O pior é reproduzíamos esta nefasta e hipócrita ideologia. Eu, Celso, Luis Antônio Cantarelle e Toninho íamos para Praça Coronel Lima ver "os bacanas" passear de carro e andar de bicicleta. Nós íamos para sonhar com um saudável e melhor futuro. Meu querido, saudoso e amado pai nunca teve dinheiro para comprar uma bicicleta para mim e a Lucinha, minha amada mana. Para explicar nossa visão de mundo, a Lucimara era nossa companheira para todas as horas. Para vocês saberem, nós éramos frequentadores do 13 de maio e nos juntávamos com nosso amigos negros. Nossa amiga Eliana era, muitas vezes, rainha do 13 de maio. Elegante e bela amiga. Para fugir da normalidade a Eliana e sua família eram negros que tinham condições econômicas. Negros ou brancos fomos sendo criados para respeitar as diferenças.

Para essa elite ignorante e excludente, o fato de ser pobre é um sinônimo de ser feio. Na minha História, a negra Eliane sempre foi linda e rainha da escola de samba. Minha mana Lucimara sempre foi linda e candidata a rainha dos estudantes. Nossa amiga Helenara era a princesa do bairro com a sua elegância e lindeza. E todos nós, inclusive essas beldades, éramos produtores da inclusão e nem sabíamos. Nunca pensamos em cor da pele e dos olhos por nosso amor pelos amigos.

A eleição de 2018 externalizou a cara de nosso país e a alma do brasileiro. Os racistas, psicopatas e xenófobos vieram à tona. O país elegeu um antipolítico e uma pessoa fria que não é capaz de demonstrar sentimento nenhum. A morte de milhares de irmãos, pais, mães e familiares não é capaz de tocar o coração e a alma de nosso chefe de Estado. Em público e sob aplausos, ele é capaz de perguntar: até quando vamos continuar com esse mi-mi-mi e continuar chorando? Ele falou que temos que comprar vacina na casa de nossa mãe! Eu tenho vergonha de ter esse cidadão como Presidente de nosso país e chefe do Estado brasileiro. Como somos capazes de conviver com isso? O tal apedeuta foi capaz de perguntar ou afirmar em público que a vacina anticoronavirus poderia nos transformar em um jacaré e outras coisas mais preconceituosas. Tenho parceiros que são fanáticos por esse pulha e defendem as suas ideias.

Que pensar da educação de pessoas que pensam com esse ser humano necrosado e que propaga a exclusão e discriminação? A morte é mi-mi-mi e frescura de nossa gente que chora as suas perdas. Um chefe de Estado que não é capaz de se emocionar e se compadecer com as perdas dos outros, e sua frieza humana, poderia, segundo os especialistas, ser caracterizado como um psicopata. Lá no interior desse governo se fala com a maior cara de pau que "um governa e o outro obedece". O Vice-Presidente afirma categoricamente que no Brasil não existe racismo. Onde vamos parar diante de tamanha ignorância? Até quando teremos que aturar tamanho descaso e irresponsabilidade? Entre milicianos, corruptos e ignorantes vamos vivendo como nada estivesse ocorrendo no mundo. O desamor, e o egoísmo financeiro, é uma marca registrada dos seres pseudo-humanos que nos governam. A flor produz a sua floridade e estes fascistas não conseguem atingir a sua humanidade.

A narrativa ou o discurso desses senhores é suicida. Eles não respeitam, mas ao contrário, desdenham as medidas de segurança diante desse vírus terrível. Eles andam, por aí, sem máscara e desrespeitando todas as normas sanitárias e indicações da Organização Mundial da Saúde.  O fascismo e o amor pela vida feita no obscuro, de uma Ditadura, faz desses seres humanos pessoas sem amor e empatia pelos outros e, com vossas almas, cheias de ódio e de maldade. Como diz Albert Camus "não ser amado é uma mera contingência da vida; não amar é a grande desgraça".

Gostar de brancos, pobres e negros, é ser generoso e uma luta por uma vida que produza dignidade para todos. Não gostar de pobres e negros é um aprendizado desumanizador e fascista. Eles subjugam a nossa capacidade intelectiva. Eles não conhecem a ciência e seus ditames. Eles são completamente indiferentes ao aprendizado histórico da Ética e da ciência. Eles fazem um discurso populista, mas o vosso não conhecimento os torna populistas suicidas.

Que o 13 de maio não seja apenas a Lei Áurea, museu ou teatro. Que essa data histórica seja uma razão social para unir negros e pobres em busca de um projeto social igualitário e sem exclusão. Respeitar a vida, os outros e a Ciência, é a única forma de sobrevivermos ao caos que essa pandemia está nos submetendo. A generosidade é o sentimento humano que pode ser capaz de nos salvar.

 

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por Luiz Carlos Nascimento da Rosa
Professor aposentado do departamento de Metodologia do Ensino do CE

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