O retorno do vestibular SVG: calendario Publicada em 17/04/2024 SVG: views 456 Visualizações

Em um certo sábado à noite, no início do ano, passeando pela cidade, percebi a sua movimentação inusitada. Parecia o forte do verão, e o tempo estava mais para chuva e frio. Mas as ruas do centro tinham movimentação de dia da semana; bares e restaurantes lotados, locais de festa com muita gente jovem reunida. Até mesmo o motorista do aplicativo comentou que a noite de Santa Maria estava bombando, sinal de um bom faturamento. Ainda comentou: este pessoal, em vez de estudar pra prova, está se divertindo. Sim, o vestibular da Federal está de volta à cidade, e isso mexe com todo mundo. Comentei com o amigo motorista que, a poucas horas de realizar o exame, não adianta muita coisa. Ele não se deu por vencido: é, mas um esqueminha, pra refrescar a memória é bom. Talvez, eu emendei, mas acho que eles fazem bem em estar por aí, relaxando antes da prova. Comentei: Tá bom é pra ti. Ele riu, e complementou: ah, isso é mesmo.  


Nestes pontos, em síntese, é que gostaria de centrar minhas considerações a respeito do retorno do vestibular na UFSM. Embora a cidade tenha outras grandes instituições, a universidade federal é a que atrai todas as atenções. Desde o seu início, ou mais especificamente, a partir da realização do chamado vestibular unificado. Com a implantação da primeira universidade pública no interior do país, lá no início da década dos 1960, a cidade começou a ganhar a feição de espaço universitário. Naqueles anos, malgrado o obscurantismo de uma ditadura militar, experimentou-se por aqui uma efervescência juvenil que contaminou mentes e corações. Isso fez com que a municipalidade entendesse que um rebuliço (revolução era uma palavra proibida) cultural tomava conta do ambiente citadino. Vai daí que, para o aparecimento de toda sorte de espaços comerciais, bares com música, grupos de teatro, as salas de cinema, foi um salto. Isso sem falar no mercado imobiliário, na indústria da construção civil – a que mais cresce, pelo que ainda se vê. A impressão do motorista do aplicativo, naquela noite de sábado, não é por acaso. Santa Maria deve muito ao movimento que as provas de vestibular trazem para as suas ruas. A economia local, com certeza, faz coro ao que disse um amigo: estava com saudade da mobilização que tem o vestibular. Melhor assim, tem gente que aplaudiu quando um ministro tratou o ambiente universitário como “balbúrdia”.


Segundo a gestão da UFSM, não é por estas razões que promove no momento a volta do vestibular. Até posso entender que, por escassez dos recursos para a educação nos governos Temer e Bolsonaro, a UFSM e, de resto, as IFES por todo o país tenham sofrido para manter seu funcionamento. Nessa conta se pode colocar a Assistência Estudantil, o que leva à evasão, não porque um estudante tenha vindo do nordeste. Até mesmo um jovem que tenha vindo da Quarta Colônia pode ter dificuldade de se manter em Santa Maria. Isso quer dizer que, mesmo com a volta do vestibular, será preciso muito recurso público para manter os cursos, e bancar a permanência de alunos na instituição. Pelo que se viu na edição deste ano, vagas não foram preenchidas em um grande número de cursos. Pode ser cedo para tais considerações estatísticas, mas por aí se pode ver que o sintoma de ociosidade não se deve ao modelo de seleção adotado anteriormente.

Preciso considerar, contrapondo o sistema promovido pelas provas do ENEM com o que significam as provas de vestibular. Este último, por seguir a “teoria clássica do teste”, avalia o volume de conhecimento, privilegiando a memória em detrimento do raciocínio. Já o modelo da Teoria da Resposta ao Item (TRI), do ENEM, verifica a capacidade do candidato em dar respostas, o que privilegia o raciocínio em vez de decoreba. Para a educação, a meu juízo, o modelo adotado pelo ENEM é menos perverso. Pesquisas apontaram, ao longo dos anos, que tirar o primeiro lugar nas provas do vestibular não é garantia de que esse será um aluno brilhante no decorrer do curso. Depois de alguns anos usando somente o sistema do ENEM (algumas universidades mantiveram em conjunto o seu vestibular), não entendo o retorno do antigo modelo de processo seletivo como avanço. No entanto, tendo a concordar com meu amigo que estava com saudade da movimentação, e me solidarizo com a satisfação do motorista, que, ao menos sábado à noite e, pelo que me disse, domingo antes das oito, faturaria bem mais do que vinha percebendo nos últimos dias.

(*Orlando Fonseca também esteve pró-reitor de Graduação da UFSM entre 2010 e 2013)

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por Orlando Fonseca
Escritor e professor aposentado do departamento de Letras Vernáculas da UFSM

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