A situação das mulheres no mercado de trabalho brasileiro SVG: calendario Publicada em 17/09/2025 SVG: views 359 Visualizações

Fruto de uma longa caminhada rumo à construção de uma sociedade mais justa, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU refletem um conjunto de metas que visam solucionar desafios ainda presentes no Brasil.

Os Objetivos 5 e 8 abordam desafios diretamente relacionados a barreiras estruturais, o que significa que os problemas que eles buscam enfrentar são complexos e estão enraizados em desigualdades históricas, sociais e econômicas. No Brasil, a desigualdade de gênero é um fenômeno estrutural porque atravessa diferentes dimensões da vida como a política, a divisão sexual do trabalho, a violência de gênero, etc. Esses problemas não decorrem de situações isoladas, mas de uma lógica social construída, que coloca homens e mulheres em posições desiguais. O Objetivo 5, voltado à igualdade de gênero, enfatiza a necessidade de eliminar as disparidades e de promover o empoderamento de mulheres e meninas (ONU, 2015).

Já a realidade do trabalho no Brasil também reflete barreiras estruturais, já que grande parte da população está inserida em empregos precários, informais ou com baixos salários, existindo ainda desigualdades profundas ligadas à raça, gênero e região no acesso a empregos de qualidade. O crescimento econômico não se traduz automaticamente em inclusão social, o que reforça a necessidade de políticas. Assim, o Objetivo 8, ao tratar de “trabalho decente e crescimento econômico”, propõe “promover o crescimento econômico inclusivo e sustentável, o emprego pleno e produtivo e o trabalho digno para todos” (ONU, 2015).

Pensando em uma interconexão entre ambos os ODS, fica nítido que discutir a atual situação de desigualdade vivenciada pelas mulheres no mercado de trabalho é de suma importância para se gerar condições de trabalho dignas para as mulheres, especialmente porque registra-se o crescimento do número de mulheres chefiando lares no Brasil, uma realidade consolidada, conforme o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Enquanto, em 2010, as mulheres eram responsáveis por chefiar 38,7% dos lares (unidades domésticas), em 2022, esse número subiu para 49,1%, quase metade dos lares brasileiros (em alguns estados, este percentual passa da metade dos lares, é o caso de Pernambuco, Sergipe, Maranhão, Amapá, Ceará, Rio de Janeiro, Alagoas, Paraíba, Bahia e Piauí) (Agência IBGE, 2024).

Em 2025, conforme um estudo da FGV, as mulheres já eram maioria na chefia de mais da metade dos lares brasileiros (52%). De acordo com a pesquisadora Janaína Feijó, que conduziu a pesquisa, o excesso de responsabilidades e a sobrecarga marcam a atuação situação das mulheres inseridas no mercado de trabalho. Esta constatação faz sentido se considerarmos que as responsabilidades, antes atribuídas às mulheres (como os cuidados e educação dos filhos, cuidados com parentes mais velhos, cuidados com a casa, etc.), seguem sendo executadas pelas mulheres, ao mesmo tempo em que elas assumiram responsabilidades referentes ao mercado de trabalho.

Contudo, o aumento da chefia dos lares por mulheres contrasta com a situação de inferioridade das mulheres no mercado de trabalho nacional. As mulheres são minoria nos vínculos de trabalho e têm as piores remunerações, conforme os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do IBGE. Os dados sobre os vínculos de empregos criados no Brasil no período entre 1995 e 2024, mostram que os homens ocuparam quase 60% das vagas criadas no período. A situação das mulheres que, no entanto, veio apresentando tímida melhora neste período, tendo crescido de 37% para 44% entre 1995 e 2015, sofreu inflexão desta situação, já que as mulheres tiveram suas participações reduzidas para 41% entre 2020 e 2024. (RAIS/IBGE, 2025).

Quando se analisa por faixas de rendas, a desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho fica ainda mais visível: as mulheres são maioria na faixa de renda de até um salário mínimo (43%) e seu papel é reduzido entre as faixas de maiores rendas. A partir de 3 salários mínimos, por exemplo, os homens são maioria absoluta dentre os vínculos empregatícios observados. Os dados de todo o período podem ser consultados no quadro a seguir.

Quadro 1: Participação de Homens e mulheres por faixas de rendas no Brasil, 1995-2024

HOMENS

Faixas de rendas

1995

2000

2005

2010

2015

2020

2024

Até 0,50

0,32

0,37

0,44

0,43

0,47

0,48

0,48

0,51 a 1,00

0,54

0,52

0,49

0,47

0,46

0,46

0,48

1,01 a 1,50

0,55

0,54

0,51

0,50

0,46

0,51

0,50

1,51 a 2,00

0,56

0,56

0,58

0,62

0,58

0,60

0,62

2,01 a 3,00

0,60

0,61

0,65

0,66

0,65

0,63

0,67

3,01 a 4,00

0,65

0,65

0,66

0,64

0,62

0,58

0,66

4,01 a 5,00

0,68

0,66

0,64

0,62

0,59

0,56

0,66

5,01 a 7,00

0,68

0,65

0,62

0,61

0,59

0,56

0,65

7,01 a 10,00

0,67

0,62

0,62

0,63

0,60

0,58

0,65

10,01 a 15,00

0,69

0,63

0,64

0,64

0,62

0,63

0,68

15,01 a 20,00

0,71

0,65

0,68

0,68

0,66

0,66

0,70

Mais de 20,00

0,76

0,73

0,73

0,72

0,71

0,70

0,74

 

MULHERES

Faixas de rendas

1995

2000

2005

2010

2015

2020

2024

Até 0,50

0,68

0,63

0,56

0,57

0,53

0,52

0,52

0,51 a 1,00

0,46

0,48

0,51

0,53

0,54

0,54

0,52

1,01 a 1,50

0,45

0,46

0,49

0,50

0,54

0,49

0,50

1,51 a 2,00

0,44

0,44

0,42

0,38

0,42

0,40

0,38

2,01 a 3,00

0,40

0,39

0,35

0,34

0,35

0,37

0,33

3,01 a 4,00

0,35

0,35

0,34

0,36

0,38

0,42

0,34

4,01 a 5,00

0,32

0,34

0,36

0,38

0,41

0,44

0,34

5,01 a 7,00

0,32

0,35

0,38

0,39

0,41

0,44

0,35

7,01 a 10,00

0,33

0,38

0,38

0,37

0,40

0,42

0,35

10,01 a 15,00

0,31

0,37

0,36

0,36

0,38

0,37

0,32

15,01 a 20,00

0,29

0,35

0,32

0,32

0,34

0,34

0,30

Mais de 20,00

0,24

0,27

0,27

0,28

0,29

0,30

0,26

 

Existe uma expectativa de que o aumento do grau de formação resulte em melhoria nas remunerações dos trabalhadores. Assim, este trabalho buscou analisar se esta hipótese no caso das mulheres. Destaca-se que nas últimas três décadas, houve um aumento da qualificação no Brasil, conforme dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Registra-se, neste período, um crescimento de 440% da formação de nível superior no Brasil. Em 1995, por exemplo, 254 mil profissionais foram graduados em todo o país. Esse feito se distingue do movimento ocorrido desde os anos 1980, que registrou um baixíssimo crescimento no número de matrículas e titulados.

Com a evolução no número de matrículas e titulados, espera-se que tenha havido uma melhoria nas condições de trabalho e remuneração dos trabalhadores melhor qualificados no Brasil e, neste contexto, na situação das mulheres no mercado de trabalho. Entretanto, como é possível observar no quadro abaixo, nem mesmo a melhora na qualificação promoveu uma igualdade de renda entre homens e mulheres no mercado de trabalho brasileiro. Embora as mulheres com titulação de doutorado tenham tido suas situações melhoradas nos primeiros estratos de rendas, esta melhora só se observa até a faixa de sete salários mínimos, a partir daí, os homens voltaram a ser maioria.

Quadro 2: Participação de homens (1) e mulheres (2) com nível superior por faixas de rendas no Brasil, 1995-2024

HOMENS

Faixas de rendas

1995

2006

2010

2015

2020

2024

Até 0,50

0,02

0,44

0,43

0,47

0,48

0,48

0,51 a 1,00

0,54

0,49

0,47

0,46

0,46

0,48

1,01 a 1,50

0,55

0,52

0,50

0,46

0,51

0,50

1,51 a 2,00

0,56

0,60

0,62

0,58

0,60

0,62

2,01 a 3,00

0,60

0,65

0,66

0,65

0,63

0,67

3,01 a 4,00

0,65

0,65

0,64

0,62

0,58

0,66

4,01 a 5,00

0,68

0,62

0,62

0,59

0,56

0,66

5,01 a 7,00

0,68

0,61

0,61

0,59

0,56

0,65

7,01 a 10,00

0,67

0,62

0,63

0,60

0,58

0,65

10,01 a 15,00

0,69

0,64

0,64

0,62

0,63

0,68

15,01 a 20,00

0,71

0,68

0,68

0,66

0,66

0,70

Mais de 20,00

0,76

0,73

0,72

0,71

0,70

0,74

MULHERES

Faixas de rendas

1995

2006

2010

2015

2020

2024

Até 0,50

0,68

0,56

0,57

0,53

0,52

0,52

0,51 a 1,00

0,46

0,51

0,53

0,54

0,54

0,52

1,01 a 1,50

0,45

0,48

0,50

0,54

0,49

0,50

1,51 a 2,00

0,44

0,40

0,38

0,42

0,40

0,38

2,01 a 3,00

0,40

0,35

0,34

0,35

0,37

0,33

3,01 a 4,00

0,35

0,35

0,36

0,38

0,42

0,34

4,01 a 5,00

0,32

0,38

0,38

0,41

0,44

0,34

5,01 a 7,00

0,32

0,39

0,39

0,41

0,44

0,35

7,01 a 10,00

0,33

0,38

0,37

0,40

0,42

0,35

10,01 a 15,00

0,31

0,36

0,36

0,38

0,37

0,32

15,01 a 20,00

0,29

0,32

0,32

0,34

0,34

0,30

Mais de 20,00

0,24

0,27

0,28

0,29

0,30

0,26

 

Fica evidente, assim, que a situação de desigualdade das mulheres no mercado de trabalho brasileiro persistiu nas últimas três décadas, com uma tímida melhora. A piora dos últimos anos parece indicar os efeitos da pandemia sobre a situação das mulheres no mercado de trabalho, resultado em perdas das (poucas) conquistas obtidas nos últimos anos. A situação chama a atenção para a necessidade de políticas afirmativas para solucionar as desigualdades de gênero. Em especial, é preciso que as políticas foquem questões que são, historicamente, tratadas como “coisas de mulher”. Políticas sociais voltadas à questão do cuidado, por exemplo, são uma alternativa para solucionar problemas que, geralmente, afetam mais as mulheres. Dentre estas, a construção de creches e espaços de cuidados para crianças em idade escolar, espaços de cuidados para cuidados de idosos e pessoas com necessidades especiais, além de conscientização sobre o papel das mulheres no mercado de trabalho e, no limite, a aplicação de medidas punitivas em casos de tratamento desigual para mulheres no mercado de trabalho.

 

(* A professora Ednalva Felix das Neves escreveu o artigo em conjunto com o estudante do Programa de Pós-Graduação em Economia e Desenvolvimento da UFSM, GUSTAVO LUIS RAMOS SANTOS, e com a estudante do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UFSM, GIOVANA ANGELOTI)

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por Ednalva Felix das Neves
Professora do departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM

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