Bolsonaro impõe corte de R$ 100 milhões no orçamento dos hospitais universitários
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Atualizada em
28/01/22 10h48m
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Docentes comentam impactos preocupantes que o contingenciamento pode trazer para quem depende do Hospital Universitário de Santa Maria
A edição do Diário Oficial da União publicada na última segunda-feira, 24 de janeiro, trouxe a notícia de que os hospitais universitários geridos pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) sofrerão um corte no valor de R$ 100 milhões, decorrente de vetos distribuídos por Bolsonaro ao orçamento de 2022, mais especificamente às áreas de funcionamento e gestão de instituições hospitalares federais.
A Ebserh é vinculada ao Ministério da Educação (MEC), que foi a segunda pasta a perder mais recursos no orçamento deste ano, com cortes chegando a R$ 739 milhões - ficando atrás apenas do Ministério do Trabalho, cujo corte foi na ordem de R$ 1 bilhão.
Sob a gestão da Ebserh estão, hoje, 50 centros médicos vinculados a 35 universidades federais. Dentre esses, o Hospital Universitário de Santa Maria (Husm).
Teresinha Weiller, diretora da Sedufsm e docente do departamento de Enfermagem da UFSM, diz que, embora não seja nenhuma surpresa o descompromisso do governo Bolsonaro com os serviços públicos brasileiros, o cenário a ser descortinado após uma redução orçamentária de tamanha magnitude é ainda mais aterrador se considerarmos o estágio atual da pandemia, marcado por nova onda de contágio, por uma variante com altíssimo grau de transmissibilidade (Ômicron) e, consequentemente, por uma alta na ocupação de leitos em todo o país.
“Em plena pandemia teremos uma redução violenta dos recursos públicos destinados especialmente aos hospitais universitários que estão hoje sob a gestão da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) e que têm uma função central não só no combate e resolução dos casos graves da Covid-19, mas na conformação da rede pública de serviço terciário do SUS”, critica a dirigente sindical.
O Husm, lembra Teresinha, é, junto ao hospital universitário de Pelotas e ao hospital universitário de Rio Grande, um dos poucos hospitais públicos localizados no interior do estado do Rio Grande do Sul, atendendo 46 municípios.
“O Hospital Universitário de Santa Maria é referência para tratamentos de média e alta complexidades, jogando um papel central para que o SUS possa garantir os princípios que o norteiam – o acesso universal da população aos serviços, a equidade e a integralidade da atenção. À medida que vamos reduzindo recursos, vamos comprometendo esses princípios que são fundamentos do SUS e levando a que o SUS fique desacreditado frente à população, abrindo, assim, espaço para a iniciativa privada fazer a gestão dos serviços públicos de saúde”, pondera a docente.
Hospital escola
Além de prestar atendimento diariamente a milhares de pessoas, o Husm também é um espaço destinado à formação das e dos estudantes. Dentro do hospital, então, diversas áreas do conhecimento oportunizam estágios, de forma que, pelos corredores da entidade, é possível encontrar não só futuros profissionais da área da saúde, mas de cursos ligados às tecnologias e às ciências humanas, por exemplo. Vanguarda também nas atividades de pesquisa e extensão, o Husm é o palco no qual as atividades da residência médica ou da residência multiprofissional acontecem. Também, devido aos esforços empenhados por pesquisadoras e pesquisadores de dentro do hospital, diversas pesquisas destinadas a combater e atenuar os contágios e mortes por Covid-19 foram e ainda são ali desempenhadas.
Os cortes de Bolsonaro afetarão toda essa rede de formação.
“Essa redução orçamentária vai impactar diretamente na qualidade, no número de pessoas que serão atendidas pelo hospital, no número de serviços que serão disponibilizados, no número de estudantes que poderão ter acesso a esse espaço porque teremos redução de materiais, de equipamentos, de compra de insumos básicos, de manutenção, de reposição tecnológica. É uma cadeia de processos. Estamos num retrocesso das políticas públicas, voltando 30 anos em 3. É lamentável o que estamos vendo e a sociedade precisa acordar e compreender que esse processo de desfinanciamento da universidade e dos hospitais universitários vai produzir resultados muito complicados na vida das pessoas”, alerta Teresinha.
Alguns impactos negativos citados por ela na vida da população serão a possível redução de cirurgias e de tratamentos especializados – por exemplo, nas áreas de oncologia, traumatologia, hematologia, dentre outras -, além do comprometimento de leitos UTI. “Isso tudo vai incidir sobre a possibilidade de as pessoas viverem ou não”, complementa.
“Eu, que trabalho há mais de quatro décadas na área da saúde, vejo com muita tristeza esse cenário. Que no próximo processo eleitoral possamos tirar da condução do nosso país esse grupo que não tem nenhum compromisso com as políticas públicas e, portanto, não tem compromisso com a sociedade brasileira”, projeta a diretora da Sedufsm.
*Profissionais/voluntários do Husm e de outras unidades do SUS foram responsáveis por avanço da vacinação em Santa Maria.
Ebserh
A Sedufsm tentou contato com a Assessoria de Imprensa do Husm para averiguar de que forma, na prática, esses cortes afetarão a entidade. Em resposta aos questionamentos, recebemos a seguinte declaração advinda da Coordenadoria de Comunicação da Ebserh/Brasília:
“A Ebserh e o Husm vão trabalhar para otimizar o uso dos recursos. É importante destacar que os recursos fazem parte de emenda orçamentária proposta pela Comissão de Educação e não de programa específico da estatal e, dessa forma, tem impacto menor no orçamento da Ebserh e nas atividades do hospital”.
Cortes contrariam análises epidemiológicas
Para Maria Denise Schimith, chefe do departamento de Enfermagem da UFSM/CCS, os cortes decretados por Bolsonaro ao orçamento dos Hospitais Universitários vão na contramão das análises epidemiológicas realizadas atualmente no Brasil. Isso porque, enquanto entidades como a Fiocruz, em seu boletim divulgado esta semana, apontam um aumento considerável na ocupação de leitos de UTI SUS em praticamente todos os estados brasileiros, o governo enxuga o orçamento necessário para dar conta desse novo inchaço da rede pública.
“O governo não deveria estar cortando orçamento do HU’s nesse momento em que a Ômicron tem aumentado internações e mortes em praticamente todos os estados brasileiros. O impacto desse corte é imenso. Com certeza a gestão da pandemia vai ficar muito complicada se o Husm não conseguir atuar com toda a força que ele atuou nas ondas anteriores da Covid-19. É deplorável assistirmos a um governo que só sabe prejudicar a população brasileira e negar que a pandemia esteja acontecendo. Se não fossem os leitos do SUS, teríamos muito mais mortes. Reconhecer a importância do SUS na pandemia é fundamental para que a gente entenda que qualquer corte em termos de assistência impacta fortemente na saúde da população brasileira”, conclui Maria Denise.
Funcionamento das universidades sob ameaça
Não são só os hospitais universitários que amargarão um cenário duro de cortes em 2022. Em entrevista ao site UOL, o reitor da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) e presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), Marcus Vinicius David, informou que a Secretaria de Educação Superior do MEC, que tradicionalmente aporta recursos às universidades, teve uma perda de R$ 87 milhões, enquanto o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações sofreu um corte de R$ 73 milhões. Se somados aos R$ 100 milhões vetados dos Hospitais Universitários, tais tesouradas sugerem um cenário caótico.
Segundo o dirigente, as universidades apenas já não colapsaram "porque esses dois últimos anos não operamos plenamente, as aulas estavam suspensas presencialmente". Contudo, segue: "Para 2022, devemos ter um funcionamento pleno. Fevereiro será de muitos debates com as universidades". Tudo indica que será um ano difícil, salienta Marcus David.
Ele conta que, segundo projeções da Andifes, as universidades públicas brasileiras necessitariam, em 2022, de um orçamento na ordem de R$ 6,9 bilhões. O valor liberado para este ano, contudo, é de apenas R$ 5,3 bilhões. Deste valor dependem tanto projetos de pesquisa quanto ampliação da infraestrutrua e manutenção básica das instituições, como pagamento de água, luz, internet, serviços terceirizados de segurança e limpeza, e compra de insumos para laboratórios.
Texto: Bruna Homrich
Imagens: Husm e Arquivo Pessoal
Assessoria de Imprensa da Sedufsm